Se não fosse a hipocrisia…


Equipamento produzido pela empresa israelense Rafael
Divulgação: Rafael

Equipamento produzido pela empresa israelense Rafael

Entender o que de fato pensam as pessoas pelo mundo tornou-se tarefa quase impossível em meio à cortina de fumaça criada pela imprensa e, ainda mais, pelas mídias sociais. A cada evento (real ou inventado), há um bombardeio manchetes e opiniões que nem sempre correspondem ao sentimento real das populações. Mas, de tempos em tempos, surgem “termômetros” capazes de medir essa temperatura de forma surpreendente. Um deles foi o Eurovision de 2025.

Festival musical internacional que acontece todos os anos, ele é um fenômeno em Israel e na Europa, mas bem menos conhecido em outros continentes. É um evento respeitável, com 166 milhões de espectadores pela TV e 83 milhões pelo YouTube (dados de 2025) e sua credibilidade está no sistema de votação, que combina o voto de jurados internacionais e os votos do público. E o que aconteceu na edição deste ano?

Como já contei outras vezes nessa coluna, a escolha do representante israelense para o Eurovision é feita por meio de um programa local de calouros. A escolhida deste ano foi Yuval Raphaeli, uma moça de 24 anos doce e talentosa que sobreviveu ao ataque do Hamas no dia 7 de outubro de 2023. Ela, que participava do Festival Nova, conseguiu salvar-se após esconder-se por horas sob corpos de jovens assassinados em um abrigo antiaéreo.  Aqui ela conta sua história.

Yuval Raphaeli, cantora e sobrevivente do Festival Nova
Reprodução

Yuval Raphaeli, cantora e sobrevivente do Festival Nova

Boicote e vitória

Sua participação no Eurovision  provocou turbulências antes mesmo do evento começar: países participantes pediram a expulsão da israelense e a organização não aceitou a letra da primeira música apresentada por julgá-la “política”. Depois, vários artistas participantes a assediaram, ameaças anônimas a forçaram a manter-se sempre acompanhada por seguranças e, na hora do show, o público começou a vaiá-la antes mesmo de ela abrir a boca.

Ainda assim,  Yuval realizou uma  performance memorável e, se dependesse apenas da votação dos juízes, ela teria conquistado a 12ª colocação: foi a votação pública, a mais alta entre todos os competidores, que a elevou para o 2º lugar. A israelense liderou a votação entre o público de países que não apenas criticam como também ameaçam Israel com boicotes e restrições, como Inglaterra e Espanha. Ou seja, tudo indica que – surprise, surprise – não há entre essas populações tanto ódio a Israel como seus governantes e a mídia fazem crer.

Claro que isso não apaga a crise sem precedentes enfrentada por Israel em sua imagem internacional nos últimos meses. Muito embora não tenha iniciado a guerra, o país continua a travá-la quase dois anos depois, ainda em  busca da libertação de 50 reféns mantidos em Gaza e da renúncia do Hamas ao poder. Mas é importante frisar que a histeria de governantes que ganham manchetes internacionais se reduz em muitos decibéis quando a conversa se dá entre quatro paredes.

A hipocrisia europeia

Dois exemplos rápidos. A Alemanha, que anunciou há um mês o embargo da venda de armas a Israel, acaba de fechar um negócio com a empresa israelense Rafael Advanced Defense Systems no valor de 350 milhões de euros . Outra negociação em curso, de leasing de drones israelenses, poderá chegar a 1 bilhão de euros. Já a Inglaterra, cujo primeiro-ministro declarou que reconhecerá em breve um Estado palestino, tem se mostrado menos ruidosa depois que o governo israelense ameaçou romper os acordos de segurança mantidos entre os dois países e que já evitaram dezenas de ataques terroristas em território inglês.

Como bem ilustrou um jornalista israelense, Israel foi por muitos anos a “amante secreta” do Oriente Médio, já que publicamente alguns países vizinhos o ameaçavam, mas por detrás dos panos mantinham seus negócios e acordos com o Estado judeu. Isso é o que acontece hoje com a Europa.

Claro que Israel vive um momento desconfortável e perigoso. Seria menos caso a hipocrisia não reinasse, especialmente dentro da geopolítica.

Que tenhamos dias melhores.



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