por que o Ibama não agiu?


Homem que fez o desenredamento, se aproximando da baleia e do filhote
Reprodução/redes sociais

Homem que fez o desenredamento, se aproximando da baleia e do filhote

A iniciativa de um homem, até agora não identificado, diante de uma baleia-fraca que estava com uma rede de pesca presa à cabeça, no litoral de Santa Catarina, viralizou nas redes sociais.

O caso também desencadeou uma série de críticas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que acompanhou o caso, mas decidiu não agir.

Para entender melhor o que aconteceu, o Portal iG questionou o Ibama a respeito do protocolo que foi seguido pelo órgão federal, diante da situação do animal, que estava acompanhado de seu filhote.

Também ouviu biólogos marinhos que avaliaram a ação do homem e apontaram os riscos a que ele se colocou se aproximando da baleia.

O caso

A baleia-franca estava acompanhada de um filhote e foi visto pela primeira vez na quinta-feira (10), na Praia da Pinheira, em Palhoça(SC), onde permaneceu por três dias, com uma rede presa na cabeça.

Até que, no domingo (13), o homem decidiu agir e soltar o animal.

Ele foi remando em cima de uma prancha até chegar próximo aos animais e, com o remo, conseguiu remover a rede da cabeça da baleia.

Em seguida, ela e o filhote mergulharam livres de volta ao mar.

A maioria dos comentários de internautas que visualizaram o vídeo é de elogios à iniciativa do “herói” anônimo.

Contudo, para o Ibama, a atitude viola regras e é de extremo risco.

A decisão de não agir

Questionado sobre o caso pelo iG, por meio de nota, o Ibama afirmou que acompanhou a presença da baleia-franca e seu filhote, de 10 a 13 de julho.

O monitoramento foi realizado por meio de drones e observações de campo por equipe especializada, formada por integrantes do Ibama e de outras instituições habilitadas em protocolos internacionais de desenredamento de grandes cetáceos.

Segundo o Ibama, durante a ação, foi identificada uma rede de pesca presa superficialmente às calosidades da cabeça da baleia-mãe e, após avaliação técnica, constatou-se que o enrosco não causava ferimentos, não interferia na amamentação do filhote nem em outras atividades naturais do animal e não apresentava risco imediato à sua saúde.

“Diante dessa avaliação e conforme os protocolos técnicos adotados internacionalmente, a recomendação em casos como esse – especialmente envolvendo fêmeas com filhotes – é não realizar intervenção imediata, uma vez que qualquer aproximação indevida pode causar estresse elevado à baleia, prejudicar a relação materno filial e comprometer a sobrevivência de ambos os animais”.

Ainda conforme a nota, o protocolo seguido pelo Ibama é o da Rede Global de Desenredamento de Mamíferos Marinhos (Global Whale Entanglement Response Network), a qual é coordenada principalmente pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês) e respaldada por entidades como a International Whaling Commission (IWC).

Risco ao animal e ao indivíduo

Além disso, reforça o Ibama, a conduta visou a integridade física das pessoas envolvidas, pois baleias são animais de grande porte e comportamento imprevisível, especialmente quando acompanhadas de filhotes.

“Tentativas de aproximação ou manipulação sem a devida capacitação técnica podem colocar em risco a vida do próprio indivíduo”, conforme ressalta a nota.

O Ibama acrescenta ainda que essa situação não é inédita em Santa Catarina. Em 2020, um caso semelhante foi registrado no estado, quando uma baleia-franca com filhote foi avistada com um material de pesca preso à cabeça.

“Naquela ocasião, as instituições responsáveis adotaram o mesmo protocolo de não intervenção, diante dos riscos que a aproximação humana poderia representar para a baleia e seu filhote. O material acabou se desprendendo de forma natural, sem causar prejuízos à saúde dos animais”.

Violação de normas

A respeito da ação do homem, no último domingo, o órgão disse que, mesmo após as orientações das equipes do Ibama para que não houvesse aproximação, a ação foi realizada em desacordo com a Portaria Conjunta nº 03/2024 do Ministério do Meio Ambiente e Mudança de Clima, do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ( ICMBio), que regulamenta os procedimentos de desenredamento de grandes cetáceos no Brasil.

Esse tipo de conduta, continua a nota, além de contrariar as normas e protocolos estabelecidos, representa um grave risco, tanto para os animais – especialmente durante o período de amamentação –, quanto para as pessoas, podendo ainda incentivar comportamentos imprudentes por parte de outros indivíduos.

“O Ibama está apurando se a intervenção não autorizada causou algum prejuízo à baleia ou ao seu filhote”, enfatiza.

Fiscalização de pesca ilegal

O Ibama informa ainda que realiza, de forma contínua, ações de fiscalização para coibir práticas de pesca ilegal que possam causar impactos às baleias, especialmente durante a temporada reprodutiva.

Equipe do Ibama em operação de fiscalização
Reprodução/Ibama

Equipe do Ibama em operação de fiscalização

Entre essas ações, estão a fiscalização da pesca em áreas sensíveis, como próximo de costões rochosos, e a identificação e retirada de “redes fantasmas” – equipamentos de pesca abandonados ou perdidos que permanecem à deriva no mar –, além de outras atividades que possam representar risco para esses animais.

“Essas medidas visam a prevenir situações de enredamento e garantir a preservação da espécie no seu habitat”.

Por fim, o Ibama reforça que acompanhou o caso da baleia-franca e seu filhote desde o início, “de forma contínua e responsável, com base em critérios técnicos e no compromisso com o bem-estar da fauna marinha” .

“Desinformação e sensacionalismo em redes sociais podem distorcer os fatos, gerar interpretações equivocadas e comprometer ações técnicas corretamente conduzidas” , conclui.

Especialistas apontam situação de perigo

Apesar da boa vontade do homem que livrou a baleia-franca da rede de pesca, o biólogo e especialista em mamíferos marinhos, Rodrigo Tardin, professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ) e coordenador do ECoMAR-UFRJ, disse que a manobra colocou sua vida em sério risco.

“Essa portaria de desenredamento do Ibama é justamente para evitar acidentes, porque estamos falando de um animal de 40 toneladas. Ele poderia se prender à rede e ser arrastado pela baleia, que é um animal selvagem”, enfatiza o especialista.

Rodrigo Tardin, biólogo e especialista em mamíferos marinhos
Reprodução

Rodrigo Tardin, biólogo e especialista em mamíferos marinhos

Segundo Tardin, o protocolo do Ibama é realmente o mais indicado para esse tipo de situação.

“Nessas situações, o ideal é que se entre em contato com o ICMBio, com o Ibama, com a Guarda Ambiental. Eles vão acionar as equipes autorizadas e capacitadas para o desenredamento. Ainda bem que neste caso deu certo. Mas poderia ter acontecido um acidente”, finalizou.

Essa é a mesma opinião da bióloga Claudia Bethlem, especialista em baleias que atua em pesquisas científicas no Proantar, o Programa Antártico Brasileiro.

Segundo ela, o Ibama está correto ao seguir os protocolos estabelecidos nesse tipo de situação.

“O comportamento materno das baleias-franca pode incluir reações defensivas quando percebem uma ameaça ao filhote. Já houve registros de situações em que esse tipo de interação resultou em comportamentos agressivos por parte da mãe. Neste caso, o rapaz teve sorte” , reforça.

Conforme destaca a especialista, os protocolos internacionais de manejo de cetáceos recomendam cautela extrema e priorizam o bem-estar dos animais a longo prazo.

“Muitas vezes, como o IBAMA apontou, os materiais presos acabam se desprendendo naturalmente, e uma intervenção pode causar mais danos do que benefícios” .

A bióloga considera a apuração do Ibama como necessária para garantir que ações futuras sigam os protocolos corretos.

Também para o biólogo José Edson Mora, coordenador de Cursos EAD na Faculdade Anhanguera, a mãe por instinto, a conduta de não interferência é a mais adequada nesse tipo de situação.

Segundo ele, a mãe, por instinto de proteção da cria, pode interpretar a aproximação humana como uma ameaça e reagir de forma agressiva, o que colocaria em risco tanto o filhote quanto a pessoa envolvida.

“A aproximação humana pode gerar estresse significativo e o aumento de cortisol e outros hormônios do estresse interfere diretamente no processo de amamentação. Além disso, em situações de estresse elevado, a fêmea pode abandonar ou até machucar o filhote, o que comprometeria sua sobrevivência” , finalizou Mora.



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