É extremamente importante acompanhar o desenrolar das investigações do que ocorreu antes, durante e após a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro
. Com muita competência técnica, a Polícia Federal vem montando um quebra-cabeça para que todas as peças relevantes na trama golpista sejam identificadas. O trabalho é difícil, pois passa por desvendar uma teia montada e estruturada no seio do governo com envolvimento direto de algumas das principais autoridades do país. Felizmente, a organização criminosa tinha uma autossuficiência que advinha da certeza de ser absolutamente intocável. E um quê de operação tabajara na qual os próprios membros permitiam ser filmados, produzindo assim as provas que não deixam dúvidas das tratativas para subverter a ordem democrática. A definição da materialidade e da autoria tem o auxílio luxuoso dos autores do crime.
A investigação levada a efeito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público está sendo acompanhada de maneira irrefutável e sob a condução técnica, independente e corajosa do ministro relator Alexandre de Moraes. Ele, evidentemente, não se envolve na investigação, mas tem a independência para decidir o que julga importante e relevante. Não me canso de lembrar que o Poder Judiciário é um poder inerte e só age quando provocado. Mas é extremamente relevante que não se furte a decidir quando a Polícia Federal e o Ministério Público concluem pela necessidade de medidas, muitas vezes extremas, de afastamento de garantias constitucionais.
Sempre atentos para a preservação de garantias dos investigados no curso da operação, observo que, nas últimas eleições, houve um embate claro entre a barbárie e a civilização. Com a derrota do fascismo nas urnas, venceu a civilização. Mas não podemos correr o risco de usar os mesmos métodos que a extrema direita sempre usou, sob pena da barbárie ter vencido com a destruição do processo penal democrático.
O desenrolar do inquérito demonstra que já há suficiente comprovação da participação de uma grande quantidade de pessoas das mais diversas matizes. Os pretendentes a terroristas, covardemente usados pela cúpula golpista, já foram, em parte, condenados com penas altíssimas, sendo que muitos já estão presos há mais de ano.
Mas é importante deixar registrado que a mão forte da justiça já foi firme contra alguns políticos e financiadores, embora exista uma frustração pela falta dos grandes nomes. Vejam que a fase da Operação Tempus Veritatis
alcançou e prendeu oficiais da ativa e cumpriu mandados de busca e apreensão contra: um ex-comandante da Marinha, um general ex-chefe do GSI, um ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa e um ex-ministro da Casa Civil. E o desdobramento dessa fase contou com os depoimentos esclarecedores, e até aterrorizantes, do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e do tenente-brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, que incriminam inapelavelmente o ex-presidente Capitão Bolsonaro.
É hora de relatar o inquérito e encerrar essa vertente da investigação com urgência. O ex-presidente, vendo o cerco se fechar e sentindo-se sem ar e sem apoio, começa a politizar sua defesa. Um perigoso movimento que pode levar à prisão preventiva por obstrução de justiça. Melhor, mais técnico e mais prudente seria a Polícia Federal relatar a parte que, com abundância de provas, incrimina Bolsonaro e seu bando mais próximo. A partir do relatório, o Ministério Público estará com a palavra para a denúncia criminal.
É claro que há enorme expectativa em torno de uma operação contra o grupo político. Mas o ato de relatar, sabemos todos, não significa terminar o trabalho de investigação. Mas urge que essa fase seja encerrada. Todo o trabalho técnico e sério que está sendo feito, com maestria, não pode ficar sujeito aos ataques que o desespero bolsonarista começa a insuflar. Aguardemos o relatório da Polícia Federal para ouvirmos do Ministério Público Federal. E, depois, vamos acompanhar o Supremo Tribunal Federal. Já é tempo de fazer justiça.
Homenageando Rainer Maria Rilke:
“Escuridão, minha origem,
amo-te mais que a chama,
que é limitada,
porque só brilha
num círculo qualquer
fora do qual ninguém a conhece.
…
Eu creio em noites.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay