Wendy e Dom se conheceram por acaso e formam uma dupla de campeões
O universo de treinamento de guerra está longe de ser apenas para homens e militares. A perita criminal Wendy Laydner provou que garra, superação e uma dupla canina especial podem quebrar barreiras e paradigmas. Ela fez história ao se tornar a primeira policial civil – entre homens e mulheres – a concluir o rigoroso curso de Cães de Guerra, da Marinha do Brasil.
A jornada de três meses testou limites físicos e psicológicos, tudo ao lado de seu fiel parceiro, o pastor alemão Dom.
Em entrevista exclusiva ao Portal iG, a paulistana de 38 anos, que mora em Santos desde os seis anos, contou cada detalhe desse desafio que marcou a história pessoal e profissional da policial.
Antes da participação de Wendy, apenas outras duas mulheres – militares – haviam concluído o curso.
Wendy, Dom e o caminho até o curso
O encontro com Dom começou de um jeito inesperado, em uma viagem a Capitólio (MG) em janeiro de 2021. A perita descobriu que o dono da casa alugada criava cachorros da raça que ela sempre sonhou em ter.
Com pouco dinheiro, conseguiu negociar a compra e levar o cão. A escolha foi instantânea:
“Quando ele colocou o Dom no meu braço, o cachorro fez xixi em mim, eu falei: ‘é esse’!”.
O pequeno Dom foi para o litoral paulista sem saber que se tornaria um “cão de guerra”.
Dom é saiu de Minas Gerais para o litoral de São Paulo
A perita ficou sabendo do curso por meio de indicação de um colega de trabalho. Para participar dos três meses de treinamento, Wendy teve que usar um mês de férias e dois meses de licença-prêmio, pois não obteve a dispensa oficial mesmo com a autorização do chefe imediato.
O caminho até o curso da Marinha contou com a ajuda e apoio do mentor do treinamento, o suboficial R César.
Mas a vaga só foi concedida após a primeira prova de fogo: a marcação de gorro, uma triagem para definir quem vai seguir para o curso. O processo seletivo é árduo, além de poucas vagas – 26.
“Eu era a número 27, mas um dos alunos desistiu ainda no primeiro dia. O treinamento para seguir no curso é bastante puxado e eu consegui passar por essa etapa”, lembrou Wendy ao Portal iG.
O treino de um dia é uma espécie de rito de passagem, simbolizando a adaptação à rotina que os alunos enfrentarão ao longo do curso.
Os alunos são imersos em um dia intenso e exaustivo, antecipando as dificuldades e desafios que virão ao longo do treinamento.
O curso incluiu viagens para o Rio de Janeiro e Campinas, visitas a adestradores famosos, rapel e descida de aeronaves com o cachorro.
Hostilidade dos colegas
Durante três meses, foram provas de todos os tipos. “A gente adestrava cachorro em obediência, ensinava os comandos básicos, direcionar o cachorro para determinadas ações, como morder, defender e farejar. Além da parte técnica, havia testes teóricos de veterinária e operações com cães, e a prova prática com os animais.
Curso tem diversas provas de vivência na mata
O grupo era formado quase todo por fuzileiros navais. Ela conta que teve apoio, mas também sofreu hostilidade machista e sexista.
“Eu ouvi algumas coisas de que eu só teria o respeito de alguns deles se passasse na marcação de gorro”, relatou.
Além de dificuldades impostas por alguns participantes na convivência durante o curso, Wendy enfrentou medos, como o de altura, subindo uma torre de 60 metros para provar que podia estar ali.
“A pressão psicológica é pesada, e a física também. Tem hora que seu corpo não aguenta, houveram noites de noites de frio extremo, fome e privação de sono”, detalhou a perita.
Ao Portal iG ela disse que foi de extrema importância, uma superação pessoal e profissional provar sua capacidade em atividades que exigiam força e resiliência.
“Tinha flexão, canguru, burpees. Era preciso entrar no rio com a mochila que pesava cerca de 20 quilos, com colete, com capacete, com fuzil”.
Mala pesada foi um dos desafios para a perita criminal
Durante um dia eles aprenderam com o Grupo de Intervenção Rápida (GIR) o uso tático do cão.
Como desistir não era opção. Wendy criou estratégias mentais para seguir no curso nos momentos mais desafiadores.
“Eu não queria desistir. Pensava na minha mãe, na minha família, nas minhas amigas. A estratégia era simples: eu pensava assim: vou ficar até a próxima refeição. E assim segui por todos os dias, mesmo nas noites de choro e cansaço extremo”.
IG Último Segundo