
O totalitarismo não precisa de tanques para triunfar; basta a deturpação político-ideológica da toga.
A história constitucional revela iminente risco para a liberdade e a democracia que não reside na força bruta dos regimes totalitários, mas na sutileza da deturpação hermenêutica da Constituição Nacional.
Carl Schmitt, jurista sombrio do regime nazista, sustentava que o verdadeiro intérprete da Constituição seria o próprio Hitler. Segundo ele, a interpretação pelo Führer definiria o texto da constituição, tornando-se norma constitucional em si mesma. E assim Hitler ditou os seus devaneios, absurdos e insanidades.
Em contraponto, Hans Kelsen defendia que essa função deveria ser confiada à Corte Constitucional, como instância racional e jurídica capaz de preservar a supremacia do direito sobre a política e a ideologia.
Esse embate transcende o tempo e ecoa, hoje, com inexorável viés pragmático no Supremo Tribunal Federal (STF), pois inegável que o STF tem a missão de blindar a Constituição Federal da instrumentalização política-ideológica.
Esta missão do STF lhe confere um imenso poder, contudo, indissociável, interdependente e inter-relacionado à infinita responsabilidade de ser a voz suprema da justiça humanista nacional, sustentada pela espada e equilibrada pela balança.
Ao atribuir-se a última palavra da interpretação constitucional ao STF, este detém o soberano significado constitucional de que, em termos de questão jurídica, seu entendimento prevalece sobre qualquer outra instância ou tribunal.
Neste contexto, cumpre advertir que a decisão monocrática de matérias de grande impacto nacional, escapando do crivo do colegiado, aproxima perigosamente seu prolator da figura antirrepublicana do “intérprete absoluto”.
Na república democrática ninguém há de ser a personalização do poder constitucional. O maligno Schmitt idealizou justamente esta personificação para o próprio Führer no Terceiro Reich.
Imagine-se Hitler, ou qualquer déspota, isoladamente expedindo decisões unilaterais em nome da Constituição. É uma imagem perturbadora, mas didática a revelar o quanto o poder de interpretar monocraticamente em nome da corte constitucional, na deturpação jurisdicional política-ideológica, transforma-se em terrível corrupção do poder.
A reescrita ideológica da Constituição não se faz com tinta e papel, mas com decisões, votos e interpretações. Cada vez que desborda da literalidade em singularidade quântica com o espírito constitucional, representa um inadmissível acréscimo à constituição, inserido à margem do texto original e violando-o.
Na verdade trata-se de uma reescrita inconcebível que mutila o pacto constitucional firmado pelo povo, o real titular do poder.
Portanto, nem o Brasil e nenhuma nação do mundo pode e muito menos merece assistir ao aparelhamento político-ideológico de sua corte constitucional.
Ser ministro do STF exige sobriedade, sabedoria e inabalável espírito constitucional, pois ele é o veículo da última palavra do direito que, se desvirtuada, converter-se em antidireito transgredindo a própria Constituição.
Para ser ministro do STF não é suficiente ser um bom homem e profissional; há de ser um brasileiro notável, eis que está selado o seu destino de consagrar-se como um dos mais destacados e importantes filhos da pátria, escolhido entre os mais de 200 milhões de compatriotas, passando a fazer parte ativa da história do país como um grande ser humano ou como uma enorme decepção.
De um ministro do STF espera-se excepcional mérito, humanismo e compromisso nacional, com neutralidade e imparcialidade em prol de todos e da pátria; via de consequência, o mero alinhamento político-ideológico ou o fato de ser de confiança do Presidente da República, não pode e não deve ser critério para a sua nomeação.
O Presidente da República e o Senado Federal devem estar cientes e conscientes das consequências disso. A escolha dos membros do STF define o destino da Nação.
O totalitarismo e a violação dos direitos fundamentais não precisam de tanques para triunfar; basta a deturpação politico-ideológica do uso da toga submetendo e oprimindo inconstitucionalmente a sociedade civil.
Nossa Constituição é capitalista humanista e democrática. Ela repudia o autoritarismo fascista. Não contempla o liberalismo radical e, muito menos, o socialismo. Garante a propriedade privada e veda o confisco tributário.
Somos um Estado Democrático de Direito que harmoniza liberdade econômica, civil e política com justiça social, sem submeter-se a ideologias oficiais ou tiranias.
É preciso propagar pelos quatro cantos da nação, a justiça constitucional, cuja integridade depende do compromisso cívico, acadêmico e público de seus intérpretes maiores, os Ministros do STF.
O Estado Democrático de Direito uma vez conquistado, impõe eterna vigilância.
Ricardo Sayeg. Jornalista. Advogado. Jurista Imortal da Academia Brasiliense de Direito e da Academia Paulista de Direito. Professor Livre-Docente de Direito Econômico da PUC-SP e do Curso de Recuperação de Empresas do Insper. Doutor e Mestre em Direito Comercial. Oficial da Ordem do Rio Branco. Presidente da Comissão de Direito Econômico Humanista do IASP. Presidente da Comissão Nacional Cristã de Direitos Humanos do FENASP. Comandante dos Cavaleiros Templários do Real Arco Guardiões do Graal.
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