O Custo da Miopia Geopolítica


Brasil à Beira do Futuro: O Custo da Miopia Geopolítica e o Imperativo de uma Revolução Tecnológica Nacional
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Brasil à Beira do Futuro: O Custo da Miopia Geopolítica e o Imperativo de uma Revolução Tecnológica Nacional

Em 2021, um pequeno componente paralisou fábricas inteiras no Brasil. Não foi uma greve, nem um apagão, mas a escassez de chips semicondutores — aquelas peças minúsculas que controlam desde o painel de um carro até a rede elétrica de uma cidade. Quando a pandemia interrompeu cadeias globais de suprimentos, ficou evidente o tamanho da nossa dependência: sem chips importados, linhas de montagem pararam, empregos foram suspensos e bilhões em produção evaporaram.

A crise passou, mas a lição parece ter se perdido. Hoje, semicondutores continuam vindo, em sua maioria, de fábricas na Ásia; nossa infraestrutura digital depende quase integralmente de empresas estrangeiras; sistemas de pagamento, armazenamento de dados e cibersegurança estão sob controle de conglomerados internacionais. Cada turbulência geopolítica ou gargalo produtivo no mundo é um lembrete de que a soberania brasileira é frágil.

No século XXI, o poder de um país mede-se tanto pela força de suas forças armadas quanto pela capacidade de desenvolver tecnologia de ponta. Inteligência artificial, computação quântica, biotecnologia, robótica, cibersegurança e soluções de sustentabilidade são os novos campos de batalha. Quem domina esses setores dita regras, estabelece padrões e influencia mercados. Quem não domina, obedece.

O cenário internacional é claro. Os Estados Unidos impõem tarifas e sanções sempre que consideram necessário, mesmo contra parceiros comerciais. A China investe pesado para controlar cadeias de produção estratégicas, de painéis solares a baterias de lítio. A Índia atrai bilhões para sua indústria de semicondutores e inteligência artificial com políticas como Make in India e Digital India. A Indonésia cria zonas econômicas especiais para tecnologia; México, Vietnã e Polônia aproveitam o nearshoring para se tornarem centros de montagem e pesquisa. Até Ruanda e Nigéria, na África, constroem hubs digitais para se integrar à economia global.

Enquanto isso, o Brasil segue preso a uma narrativa do “potencial” que nunca se realiza. Exportamos soja, minério e petróleo com competência, mas continuamos ausentes nas áreas que mais geram valor no mundo. Importamos quase tudo o que é crítico para a economia digital. E, o mais grave: não temos um plano coeso para mudar isso.

A razão é menos tecnológica e mais política. Falta ao país a capacidade de formar consensos estratégicos que ultrapassem a lógica eleitoral. Direita e esquerda, setor público e privado, raramente se unem para definir objetivos nacionais de longo prazo. Reformas estruturais ficam presas em negociações fragmentadas. Investimentos em ciência e tecnologia são interrompidos ou reduzidos ao sabor do calendário político. E enquanto o mundo avança, o Brasil patina.

As consequências dessa miopia são profundas. Um país que não investe em setores estratégicos se torna refém de decisões tomadas em outras capitais. Isso vale tanto para o fornecimento de chips quanto para a proteção de dados, a segurança de redes críticas ou o desenvolvimento de vacinas. Sem autonomia tecnológica, ficamos expostos a tarifas, embargos, crises logísticas e mudanças súbitas nas regras do jogo internacional – uma versão tecnológica da escravidão. 

Mas existe outro caminho. Experiências internacionais mostram que ação coordenada funciona. A China tornou-se potência em energia solar e IA com planejamento de décadas. A Índia transformou-se em centro global de serviços digitais e pesquisa avançada. O México atraiu fabricantes de veículos elétricos e robótica que poderiam estar em território brasileiro.

O Brasil poderia adotar modelos semelhantes, adaptados à sua realidade. O setor privado e organizações da sociedade civil já oferecem propostas. A PRIME Society, por exemplo, desenvolve o conceito “Cidade 5.0” — zonas econômicas especiais que operam como cidade-estados protegidas pela federação voltadas à experimentação tecnológica, inclusão produtiva e erradicação da pobreza. Essas cidades-laboratório teriam incentivos fiscais, marcos regulatórios modernos e governança transparente para atrair empresas globais, capital privado e talentos brasileiros.

Projetos assim podem criar polos de inteligência artificial, semicondutores, mobilidade avançada e cibersegurança no país. Podem gerar empregos de alto valor, reduzir a dependência externa e colocar o Brasil no mapa das cadeias globais de inovação. Mas para isso é preciso mais do que boas ideias: é necessário um pacto nacional.

Esse pacto exige coragem política para colocar o interesse do país acima de disputas partidárias. Exige estabilidade regulatória, investimentos consistentes em educação e ciência, combate implacável à corrupção e à insegurança jurídica. E, principalmente, exige visão de futuro — pensar em décadas, não em mandatos.

A revolução tecnológica não é uma opção; é uma questão de sobrevivência. No mundo dos desenvolvedores, quem não cria, adapta ou controla tecnologia de ponta está condenado a depender de quem o faz. E depender significa abrir mão de poder, de autonomia e, em última instância, de prosperidade.

O Brasil está diante de uma escolha histórica: seguir exportando potencial e importando futuro ou decidir, finalmente, ser protagonista de sua própria história. O tempo das ilusões acabou. A tecnologia é a nova soberania — e soberania, como estamos aprendendo, não se pede. Conquista-se.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG



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