Novo Ensino Médio pode ampliar desigualdades no Enem, dizem entidades


Estudantes chegam ao Colégio Santo Inácio, no Rio, para realizar a prova do Enem
Tomaz Silva/Agência Brasil

Estudantes chegam ao Colégio Santo Inácio, no Rio, para realizar a prova do Enem

Após implementar o Novo Ensino Médio, em 2022, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que o  Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
sofreria alterações em 2024. À época, o governo Bolsonaro previa o fim de um ciclo de mudanças graduais, que possibilitaria a implementação de um novo formato de avaliação na prova de admissão à educação superior fundada em 1998.

Com a mudança na governança e pressão de estudantes, professores e entidades, o governo  Lula (PT)
suspendeu o restante dessas alterações graduais em abril deste ano – uma ruptura que fomentou debates e evidenciou outros problemas. A medida foi seguida de um anúncio do novo MEC, que divulgou, após ouvir entidades por meio de uma Consulta Pública, mais uma reformulação do ensino médio.

O governo e o MEC decidiram, então, que a melhor opção seria manter o Enem no formato vigente desde 2009 – o modelo “antigo”, com redação e questões de Linguagens e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática. Essa escolha, contudo, gera um impasse: os estudantes precisarão se equilibrar entre mais um novo ensino médio e o “velho” Enem.

O currículo que entrou em vigor no ano passado reduz a obrigatoriedade de algumas disciplinas e cria itinerários que permitem que os alunos se aprofundem nos temas de interesse. Mas, com a manutenção do Enem no modelo antigo, os alunos precisarão estudar por fora para contemplar todas as disciplinas solicitadas na avaliação. Para os estudantes, o  novo ensino médio não está funcionando.

“O novo ensino médio não contempla a realidade das nossas escolas públicas, porém o ‘velho’ não funciona mais”, afirma Jade Beatriz,
presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
“O antigo modelo não respondia às nossas necessidades, da nossa geração, e também do Brasil”, complementa.

Segundo o ministro da Educação,  Camilo Santana (PT),
a previsão é que o novo formato de aplicação do Enem passe a valer em 2025. “​​O que os estados, que é quem executa a política na ponta, colocaram é que é preciso um momento de transição, até para preparar a rede”, destacou o ministro nessa terça-feira (19).

Implementação “atrapalhada”

Embora o Novo Ensino Médio ainda não tenha sido implementado aos matriculados no 3º ano, as medidas previstas para 2024 já estavam no horizonte dos estudantes, que se preparavam dessa maneira para a prova. “O ano de 2023 foi bastante conturbado para os estudantes do 1º e 2º ano e eles precisarão de um reforço para realizar uma prova de igual para igual com estudantes das escolas privadas”, defende Jade Beatriz.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação
informou, em nota, que manifesta “estranheza,  desconforto e desapontamento” em relação à mais recente reforma do ensino médio, preparada pelo governo Lula. “Entendemos que a essência da escuta social, instrumento constituído democraticamente pelo MEC para ouvir a sociedade a respeito da Reforma do Ensino Médio, precisa ser respeitada”, diz.

A organização pede uma “Política Nacional para o Ensino Médio, que precisaria partir da revogação da lei 13.415/2017 [responsável pela alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], objetivando maior organicidade numa perspectiva histórico-crítica e emancipatória”. A medida é endossada por outras 25 instituições, entre elas o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio
e a Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf).

Alunos precisam estudar por fora para contemplar todas as disciplinas solicitadas na avaliação
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Alunos precisam estudar por fora para contemplar todas as disciplinas solicitadas na avaliação

Em outra  nota técnica, divulgada em 21 de agosto,
a organização concorda com “a manutenção do Enem 2024 circunscrito à FGB [Formação Geral Básica]”, fazendo a ressalva de que, “para os anos seguintes”, a forma de implementação do Exame “seja objeto de debate com a sociedade”.

“É essencial, também, a aprovação de um robusto Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), que supere o modelo avaliativo atual e avance para uma avaliação mais complexa e completa da educação básica”, complementa a nota.

A presidente da Ubes aponta as diferenças que estudantes da rede pública enfrentam, em relação aos da rede particular: “o novo ensino médio reduziu a carga horária das disciplinas básicas para 1.800 horas, o que impacta fortemente na realização do Enem, quando cria abismos entre a implementação ‘atrapalhada’ do novo modelo nas escolas públicas, comparado ao que acontece nas privadas, que incluem o preparo para o exame dentro da sua grade curricular”.

Essas mudanças afetam “totalmente” os estudantes em situação de vulnerabilidade social que pretendem ingressar no ensino superior. “Poderemos retroceder quanto aos avanços na democratização do ensino superior dos últimos anos”, alerta Beatriz.

Entenda o Novo Ensino Médio: o antigo e o “novo”

O Novo Ensino Médio é um projeto de lei que modifica o método de ensino e os critérios de avaliação para uma nova definição do ensino médio padrão no Brasil, e havia iniciado sua implementação gradual aos alunos do 1º ano em 2022. A medida previa que as mudanças fossem inteiramente realizadas até 2024.

Essa antiga proposta, iniciada em 2017 sob o governo de Michel Temer (MDB),
mas que teve manutenção e implementação na presidência de Jair Bolsonaro (PL), previa uma adequação ao formato de “Itinerários Formativos”, conjuntos de disciplinas, projetos e oficinas que os estudantes poderiam escolher cursar durante o ensino médio.

O primeiro dia de Enem no “novo Enem antigo”, pelo qual os estudantes vêm se preparando, seria composto por questões objetivas de múltipla escolha, com ênfase em Português e Matemática, mais a redação. O segundo dia seria dividido em questões objetivas e discursivas de acordo com os conhecimentos específicos escolhidos pelo candidato.

O Brasil teria a formatura da primeira turma de estudantes sob a nova regra em 2024; com a chegada do governo Lula, isso mudou. Depois da suspensão do calendário escolar que vinha sendo seguido, se passou a discutir um novo modelo, após pressão de apoiadores, profissionais e especialistas, que criticaram sua implementação logo de início. Esse novo modelo deve ser implementado a partir de 2025.

É nesse momento que o Enem deve efetivar (ou apresentar mudanças) em relação a sua aplicação. Até lá, os estudantes que haviam se preparado para ele devem modificar os estudos para a prova antiga, mais “abrangente” e menos específica. A medida é vista como um “estancamento”, visto que o atual governo entende que a gestão anterior não debateu devidamente com a sociedade a implementação do Novo Ensino Médio.



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