Assembleia Legislativa de Santa Catarina
O debate polêmico sobre a mudança do hino de Santa Catarina foi retomado nas últimas semanas, com a volta da Proposta de Emenda Parlamentar (PEC), de autoria do deputado Ivan Naatz (PL-SC), à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa.
A PEC prevê a realização de concurso público para a escolha de uma nova letra e música para o hino.
A discussão é antiga e gera polêmica há mais de 30 anos no estado.
Histórico de tentativas
Os versos do hino de Santa Catarina foram criados em 1892, por Horácio Nunes Pires ( veja letra abaixo ), e a música é de José Brazilício de Souza.
A primeira proposta para alterar a letra foi feita pelo padre Ney Brasil Pereira, em 1992, ano do centenário do hino. Ele encaminhou a proposta de mudança, com suas justificativas, ao então governador em exercício, Antônio Carlos Konder Reis, mas a ideia não prosperou.
Nos anos seguintes, ele continuou insistindo com a proposta, mas a posição contrária do Conselho Estadual de Cultura durante a gestão de Esperidião Amin enterrou outra vez a questão.
Em 2010, o deputado estadual Gilmar Knaesel (PMDB-SC) retomou o debate, mas de novo o Conselho votou contra a mudança.
A mais recente tentativa de mudança é do deputado Naatz, com apresentação da PEC 9/2024, em 2023.
A proposta, atualmente, se encontra sob análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas parada, por conta do voto de vista do deputado Mauro de Nadal (MDB-SC). Ela precisa ser aprovada na CCJ para continuar a tramitação nas demais comissões da Casa, até a votação final em plenário, se for o caso.
A expectativa do deputado é que ela entre na pauta da CCJ na próxima terça-feira (20).
”Debate cívico”
O deputado estadual Ivan Naatz (PL), na Alesc
Naatz argumenta que, como a CCJ não analisa o mérito da proposta, mas apenas a constitucionalidade da matéria, não há motivo para adiar a tramitação, já que o mérito será discutido nas comissões correspondentes em que tramitar.
“Trata-se de um debate cívico necessário, de interesse de todos os setores da sociedade, não apenas do setor cultural ou de descendentes dos autores da letra do atual hino”, defende o parlamentar, ao ser questionado pelo Portal iG sobre a PEC.
Naatz acrescenta que o governador do estado Jorginho Mello (PL) também defende “a proposta de um hino mais representativo e popular que aborde o potencial e história catarinense”.
“É um hino com foco abolicionista e republicano ”, afirma o deputado.
Ainda segundo ele, um eventual novo hino aprovado pela população e pelo parlamento não significará o fim do antigo.
“Ele ficará como hino histórico, representativo de um ciclo. Porque a história é dinâmica, ela continua”, justifica.
”Letra abolicionista”
Para o deputado Fabiano da Luz (PT-RS), que é contra a proposta de Naatz, além de inconstitucional, a mudança vai contra a preservação da história e da identidade cultural do estado.
“Para nós, é claro que eles querem mudar o hino só porque a letra é abolicionista ”, aponta o deputado, em nota enviada ao Portal iG.
Luz também argumenta que o hino é “um dos poucos que exalta, que fala da positividade, que fala da força e da garra que é o povo de Santa Catarina”.
“Ele fala sobre a abolição da escravidão. Não podemos apagar a nossa história. Se alterar o hino, amanhã vão querer alterar a nossa bandeira. Depois de amanhã, vão apagar a nossa história”., destaca Fabiano da Luz.
Fabiano da Luz (PT), deputado estadual de SC
O deputado também alegou, durante a última reunião da CCJ, realizada em 8 de abril, na qual votou contrário à proposta antes da vista do deputado Nadal, que Santa Catarina tem mais problemas para resolver.
“Temos que resolver a falta de infraestrutura, a violência nas escolas e os eventos climáticos severos, como aconteceu agora nesta semana na região Oeste do Estado”, exemplificou.
Nota de repúdio
Órgãos que representam o setor da cultura de Santa Catarina são contrários à proposta de mudança do hino.
O Conselho Municipal de Política Cultural de Florianópolis divulgou nota de repúdio à PEC.
“O hino não é apenas uma canção. Ele é patrimônio cultural, reflexo da trajetória de lutas, conquistas e esperanças de gerações que moldaram o nosso Estado. Alterar esse símbolo é romper com a memória coletiva que nos une como catarinenses – por nascimento ou por escolha”, defende, na nota.
Ainda de acordo com a manifestação do conselho, “substituir o hino é um retrocesso e um desrespeito à rica diversidade cultural de Santa Catarina”.
“Não aceitamos que um símbolo tão importante seja trocado por algo que não representa nossa história, nossa cultura, nem os desafios que enfrentamos para construir o presente e o futuro do nosso estado”, finaliza.
A proposta também encontra resistência na Associação Catarinense de Letras e Artes, que considera que o hino deve ser preservado como patrimônio imaterial do estado, e no Conselho Estadual de Cultura, que argumenta que a alteração de símbolos como o hino e a bandeira pode comprometer a identidade histórica de Santa Catarina.
Veja a letra do hino de Santa Catarina
”Sagremos num hino de estrelas e flores
Num canto sublime de glórias e luz,
As festas que os livres frementes de ardores,
Celebram nas terras gigantes da cruz.
Quebram-se férreas cadeias,
Rojam algemas no chão;
Do povo nas epopéias
Fulge a luz da redenção.
No céu peregrino da Pátria gigante
Que é berço de glórias e berço de heróis
Levanta-se em ondas de luz deslumbrante,
O sol, Liberdade cercada de sóis.
Pela força do Direito
Pela força da razão,
Cai por terra o preconceito
Levanta-se uma Nação.
Não mais diferenças de sangues e raças
Não mais regalias sem termos fatais,
A força está toda do povo nas massas,
Irmãos somos todos e todos iguais.
Da liberdade adorada.
No deslumbrante clarão
Banha o povo a fronte ousada
E avigora o coração.
O povo que é grande mas não vingativo
Que nunca a justiça e o Direito calcou,
Com flores e festas deu vida ao cativo,
Com festas e flores o trono esmagou.
Quebrou-se a algema do escravo
E nesta grande Nação
É cada homem um bravo
Cada bravo um cidadão.”
IG Último Segundo