Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
Antes de tudo, é bom deixar claro que esta coluna condena com veemência todo e qualquer ato de misoginia ou de desrespeito à presença feminina nos principais cargos de liderança no país.
Em mais de um momento, nossa voz se uniu à de mulheres que, uma vez à frente de órgãos públicos importantes, tiveram seu desempenho criticado mais por questões relacionadas a seu sexo e seu gênero do que pela competência, eficiência e qualidade de seu trabalho.
Qualquer barreira que se imponha ao poder feminino nesta altura do Século 21 é nojenta, deve ser criticada e demolida. Ponto final!
Com a mesma veemência com que condena a misoginia e o preconceito, a coluna também condena o uso da condição feminina como escudo diante de qualquer crítica que possa ser feita às mulheres que escalam degraus e chegam a cargos importantes na carreira.
Como os homens que ocupam postos de visibilidade na administração, privada ou pública, as mulheres estão sujeitas a erros e de acertos.
Sendo assim, estão expostas à avaliação do público e precisam encarar os elogios e as críticas como resultado de sua atuação — e não de sua condição feminina.
É com esse olhar que deve ser considerada a presença e as atitudes da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na Comissão de Infraestrutura do Senado, na terça-feira passada.
O que aconteceu ali foi um espetáculo lamentável — do primeiro ao último minuto. Mas levar o debate para o lado do sexismo ou do preconceito, como vem acontecendo, é um erro que prejudica a melhor compreensão dos fatos.
A discussão começou errada e errada prosseguiu até o momento em que a ministra — cansada de ouvir palavras desrespeitosas em um ambiente hostil — se retirou do auditório.
Ninguém pode tirar a razão de Marina por ter abandonado o bate-boca estéril que, naquele momento, já se estendia por cansativas três horas sem que se aproveitasse uma única palavra do que foi dito.
Os senadores que desrespeitaram Marina erraram — e, mais do que isso, mostraram não estar à altura do cargo que ocupam. Especialistas da arte de colocar seus interesses adiante da sociedade que deveriam representar, são exemplos do que há de pior na política brasileira.
Isso é um fato. Mas tratar a ministra como vítima indefesa das ofensas de misóginos e machistas que dominam a cena política brasileira é algo que contraria, inclusive, o que ela mesma disse a determinada altura do bafafá.
“O senhor gostaria que eu fosse uma mulher submissa”, disse ela em tom firme e desafiador, se dirigindo ao senador Marcos Rogério (PL), presidente da Comissão de Infraestrutura. “E eu não sou!”.
Este é o ponto. O tratamento que Marina recebeu é indesculpável. Mas daí a eximi-la de qualquer responsabilidade pelo clima tenso no auditório vai uma distância quilométrica. É preciso encarar o que aconteceu na terça-feira com um olhar que talvez desagrade àqueles que reduzem toda e qualquer discussão no país a uma disputa entre bolsonaristas e lulistas, esquerda e direita, feministas e machistas, gregos e troianos, o bem e o mal…
“No seu lugar”
Não! O que houve na reunião da Comissão de Infraestrutura não foi a batalha do Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.
O que houve foi uma sucessão de equívocos e de provocações que, no final das contas, funcionou como uma demonstração patética da incapacidade de diálogo que tem mantido o Brasil atado a uma situação de atraso com um nó que a cada dia se torna mais difícil de ser desfeito.
A presença de Marina na Comissão foi tensa do início ao fim. E, se os senadores exageraram ao se dirigir a ela de forma desrespeitosa (o que é a mais pura verdade), a ministra também se equivocou.
Em alguns momentos, foi ela que partiu para o ataque. Em outros, ela desviou a discussão do assunto que deveria estar sendo tratado — ou seja, a criação de uma reserva marinha destinada a cuidar da preservação da área de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Em nenhum momento o tema esteve no foco do debate. Nem por parte da ministra nem dos senadores que a interpelavam.
Desde a abertura da sessão estava evidente que nem Marina nem Marcos Rogério estavam dispostos a ouvir o que o outro lado tinha a dizer.
O importante, para uma e para o outro, era apresentar seu ponto de vista sem ceder um milímetro aos argumentos que ouviam. O senador errou (e errou feio!) ao mandar que Marina se pusesse “no seu lugar” (um argumento autoritário que deveria ser banido dos debates civilizados).
Mas a ministra também errou ao exceder de forma sistemática o tempo reservado para suas respostas, como se apenas ela tivesse o direito de falar. E, também, de reagir com agressividade a críticas ao desempenho vergonhoso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) nas mãos dos militantes ambientalistas nomeados por ela.
Calcula-se que haja atualmente no Brasil pelo menos 50 grandes obras de infraestrutura (sem contar as centenas e centenas de projetos menores) que não avançam simplesmente porque os técnicos do IBAMA entendem que elas não devem avançar.
Desde o início do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a turma faz corpo mole e se recusa a emitir as licenças para a realização dos trabalhos — para alegria da oposição e irritação dos ministros que têm suas pastas atingidas pela pirraça da turma de Marina.
O ministro Alexandre Silveira, das Minas e Energia nunca faz elogios a Marina nas conversas com interlocutores de confiança. Renan Filho, dos Transportes, e Silvio Costa Filho, dos Portos e Aeroportos, menos ainda. As opiniões de Rui Costa, da Casa Civil, e de Waldez Góes, do Desenvolvimento Regional, sobre a ministra, são desfavoráveis…
Todos esses e mais alguns têm se queixado da impossibilidade de diálogo com a titular do Meio Ambiente. Na opinião desses ministros, suas pastas só não apresentam resultados mais positivos devido à inoperância do IBAMA e às pirraças da titular do Meio Ambiente. Muitos entendem que a projeção internacional que o nome e o currículo de Marina dão ao governo, por mais que isso seja importante em tempos de COP-30, é algo menor diante das dificuldades que ela cria.
Vergonha alheia
Num dos pontos mais patéticos do debate de terça-feira passada, Marina e o senador Omar Aziz (PSD) se envolveram numa discussão inútil (daquelas que causam vergonha alheia nas pessoas que a presenciam).
O assunto era o asfaltamento da BR-319, que liga (ou deveria ligar) Porto Velho a Manaus — uma das obras que não saem do papel por inércia do IBAMA.
Entre os meses de dezembro e maio, quando as chuvas são mais fortes na região Norte, é praticamente impossível encontrar uma picape ou mesmo um caminhão capaz de percorrer os 800 quilômetros da rodovia (intransitáveis para carros de passeio) sem cair em algum atoleiro que surge de uma hora para outra no piso de terra batida.
As condições indecentes da 319 (uma estrada federal sob responsabilidade do DNIT) prejudicam a segurança, encarecem o frete de mercadorias e consomem montanhas de dinheiro com uma manutenção muito mais onerosa e difícil do que seria se a rodovia fosse asfaltada.
O debate entre Marina e Aziz na reunião foi constrangedor para os dois. Houve uma troca de acusações desnecessária, e a ministra que está há mais de dois anos no cargo, responsabilizou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro pela paralisia da obra.
Essa desculpa, que os governistas usam com frequência para justificar sua inoperância e sua incompetência, ficou desgastada e já não convence nem mesmo aos militantes que nunca deixaram de fazer o L. Mesmo assim, as autoridades atuais insistem em tirá-lo do bolso toda vez que o resultado de seu trabalho é posto em xeque.
Aziz, por sua vez, foi incapaz de acrescentar uma ideia minimamente inteligente ao debate. Ele chegou a criticar a ministra, que iniciou a carreira política em seu estado natal, o Acre, por ter transferido o domicílio eleitoral para São Paulo. Disse que Marina prefere passear pela Avenida Paulista a andar na BR-319…
Em tempo: eleita deputada federal pela Rede, em São Paulo, Marina teve 237.526 votos em 2022. Isso é mais da metade de todos os 434.253 eleitores que foram às urnas no Acre. Deu para entender a razão da mudança, senador Aziz?
As cenas desprezíveis culminaram com uma frase abjeta do senador Plínio Valério (PSDB).
“A mulher merece respeito, a ministra, não”, disse Sua Excelência.
A discussão acabou ali. Marina foi embora e o Brasil perdeu uma ótima oportunidade de se informar sobre detalhes da Lei Geral do Licenciamento Ambiental — recém aprovada pelo Senado, para onde voltará depois de passar pela Câmara.
Jaula dos leões
Antes de falar da importância dessa lei e apontar os ajustes que precisam ser feitos, convém chamar atenção para um ponto importante.
O debate refletiu a solidão de Marina em Brasília. Ela encarou sozinha o bate-boca, sem que os senadores do governo para o qual trabalha tivessem a hombridade de mostrar as caras no auditório e apoiá-la durante o bombardeio.
Ou melhor: o senador Rogério Carvalho, de Sergipe, líder do PT na Casa, até ensaiou uma defesa. Mas foi tão protocolar que nem Marina se sentiu apoiada nem os senadores que a espezinhavam se sentiram intimidados.
Seja como for, Carvalho pelo menos esteve no plenário. Jacques Wagner (PT), líder do governo no Senado, e Randolfe Rodrigues (PT), líder do governo no Congresso, preferiram manter distância.
Nos momentos seguintes à sessão, e depois da repercussão negativa de terem deixado Marina sozinha na jaula dos leões, entregue à própria sorte, a dupla parece ter acordado para o tamanho do estrago que sua omissão causou à imagem de um governo que já tem problemas demais para expor suas divisões internas de forma tão gritante. Pode ser até que os dois tenham levado um pito de Lula — que, no dia seguinte, se manifestou em defesa da ministra.
A pergunta que não pode deixar de ser feita é: por que a bancada petista, sabendo que a ministra seria atirada a um ambiente hostil, deixou que Marina comparecesse sozinha a um debate sobre um assunto que tem deixado a bancada dos estados do Norte com as garras mais afiadas do que os dentes das piranhas da bacia amazônica?
De que lado eles estavam quando, em vez de se apresentar para defender a ministra que Lula idolatra como ícone da causa ambientalista — e que deverá ter papel de destaque na COP-30, que acontecerá em novembro, em Belém — prefeririam virar as costas e deixá-la entregue à própria sorte diante de senadores que não escondem a hostilidade que tem por ela?
O pano de fundo de toda essa questão é a já mencionada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Os críticos mais sensatos de Marina dizem que, enquanto ela e o IBAMA resistem à instalação de todo e qualquer negócio formal que se instale na Amazônia, o desmatamento ilegal, as queimadas e o garimpo predatório agem com desenvoltura e dilapidam a floresta. No cenário como esse, a presença da Marina diante de senadores que defendem a instalação de negócios na região, como aconteceu na semana passada, sempre será um momento de confronto.
Marina considera a Lei aprovada pelo Senado na semana retrasada, um desastre e defende sua rejeição na íntegra. O projeto tem pontos positivos e negativos. Ele acerta ao flexibilizar critérios e definir prazos para a emissão da licença ambiental, mas erra ao criar mecanismos de autoregulação que praticamente dispensam a fiscalização a projetos que, por menores que sejam, têm o potencial de causar danos ao meio ambiente.
Há pontos a serem revistos, tanto em questões relacionadas à floresta e ao agronegócio quando nos temas urbanos — como o tratamento dos esgotos e a coleta e processamento do lixo. Mas rejeitar tudo seria um erro tão grande quanto deixar o projeto como está.
Cara pintada
Questões como essas deveriam ser tratadas nesse tipo de debate — até para que a sociedade forme sua opinião sobre a questão ambiental e não reduza esse tema tão sensível a apenas mais um round da luta renhida entre a direita e a esquerda que domina o Brasil desde a vitória de Dilma Rousseff nas eleições de 2014. De lá para cá, tem sido mais do que evidente a incapacidade das lideranças de empunhar bandeiras que digam respeito a toda a sociedade.
Por dizerem respeito a toda a sociedade, as discussões em torno da preservação da Amazônia, do efeito das queimadas, da destruição das florestas, da transição energética, da qualidade do ar nos centros urbanos, do descarte e processamento de resíduos sólidos, do tratamento dos esgotos não podem ser tratadas à luz da ideologia. O mesmo vale para a necessidade de exploração econômica racional dos recursos naturais do país.
Marina tem muito a explicar sobre sua postura intransigente, mas a prepotência dos senadores não é o caminho para obter dela os esclarecimentos necessários. Ela precisa explicar por que resiste à exploração de petróleo na foz brasileira do Amazonas e por que nunca protestou contra a perfuração de poços na Guiana Francesa, que faz fronteira com o Amapá.
Aos olhos da Ministra, os poços do governo francês — com quem ela mantém um relacionamento para lá de cordial — não oferecem risco ao meio ambiente. Já o Brasil não pode nem sequer pensar em tirar óleo do fundo do mar. O que ela ganha com isso?
Questões como essas dizem respeito a toda sociedade brasileira e — por que não dizer? — à humanidade. A verdade lamentável, porém, é que faltam canais de diálogo entre o Estado e a sociedade e todo debate em torno desses pontos, no final das contas, está sendo travado de cima para baixo. E a sociedade? Como participa do processo?
Na verdade, mais do que se manter distante, a sociedade tem sido excluída da discussão. Nesse ponto, merece elogios a postura do ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, favorito na disputa pela presidência nacional do PT.
As ideias de Edinho, expostas numa entrevista ao portal UOL na semana passada, reconhecem a necessidade da legenda se reaproximar de suas bases e recuperar a capacidade de diálogo com a sociedade — especialmente com a juventude.
“O PT precisa fazer uma transição geracional”, disse Edinho. Também precisa, segundo ele “furar a bolha da polarização”.
Admitam ou não admitam os mais conservadores, é inegável reconhecer que a força acumulada pelo partido do presidente Lula em seus 45 anos de existência deriva da habilidade que seus fundadores tiveram para ouvir a sociedade e incluir seus anseios entre suas bandeiras de luta.
Só que a sociedade evoluiu e, com isso, vieram demandas que o partido não soube acompanhar — e a prova disso foi o desempenho pífio da legenda nas eleições de 2024.
Num país com 5.570 municípios, o partido do presidente da República elegeu apenas 252 prefeitos — e só dois em cidades com mais de 200 mil habitantes.
A verdade é que, depois que assumiu o poder e tomou conta do Estado, o partido se distanciou da sociedade. E, sem querer aprofundar na análise desse distanciamento, a verdade é que — para citar apenas um exemplo — o tom de voz agressivo e sempre disposto ao confronto do deputado Lindbergh Farias só alarga essa distância.
A eloquência de Farias podia até cair bem no cara pintada de 22 anos que, em 1992, ajudou a provocar o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Hoje, ela soa démodé, para dizer o mínimo, na boca do senhor grisalho de 55 anos que vocifera contra a família Bolsonaro e qualquer adversário do governo diante de todo microfone que encontra.
Farias, com todo respeito e sem qualquer etarismo, é a imagem bem-acabada de um partido que se afastou das bases na medida em que envelheceu.
Num ambiente como esses, o discurso agregador de Edinho Silva e a iniciativa de se aproximar da sociedade e mostrar o que a esquerda tem a oferecer é alentador.
Tomara que consiga promover a mudança. E contribuir, assim, para a promoção de um debate mais sensato e produtivo no Brasil.
Se ele devolver ao PT a capacidade de diálogo, terá dado um passo enorme para restaurar a confiança da sociedade na política e na democracia brasileiras.
IG Último Segundo