
O ex-futuro candidato à Presidência João Doria
João Doria saiu da cena política há cerca de três anos, quando anunciou a desistência da candidatura à Presidência ensaiada desde que se vestiu de gari em um dos primeiros atos públicos como prefeito de São Paulo.
Desistiu porque entrou em rota de colisão com Jair Bolsonaro (PL) e não tinha o apoio sequer do PSDB, o partido que rachou ao meio ao apostar em um outsider para fazer frente ao projeto petista na metade da última década.
Por um tempo, o empresário e ex-apresentador de TV encarnou o sentimento anti-Lula, anti-PT, etc. Era quem vocacionava melhor os anseios de uma turma da qual era parte: os mesmos que lotaram sua casa de 12 mil metros quadrados do Jardim Europa, área nobre de São Paulo, nesta segunda-feira (30), para ouvir e beijar as mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-SP).
Daqui um tempo, é provável que este encontro seja lembrado como o tiro inicial de uma corrida que só terminará em outubro de 2026.
Estavam lá representantes do PIB, da prefeitura e do governo paulista. Entre eles o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o vice-governador Felicio Ramuth (PSD), o secretário de Governo paulista Gilberto Kassab (PSD) e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.
Motta foi tratado como herói porque mandou para o mato a bola que o governo tentava lançar à área do Congresso para elevar a alíquota do IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras.
A mudança afetaria e muito uma minoria da população que era maioria entre os presentes à sala – aquela turma adepta do ensinamento de príncipe de Falconeri, personagem de Lampedusa no livro “O Leopardo”: é preciso que tudo mude para que tudo permaneça como está.
No caso, o bolso e os interesses dos príncipes contemporâneos.
Por eles movem-se as placas tectônicas em Brasília.
Embora tenha voltado a atuar como empresário que junta à mesa a nata política com outros empresários, Doria falou e agiu como candidato ao flertar publicamente com o chefão da Câmara.
Dessa vez não precisou fingir que tolerava a ala mais radical da turma, como fez ao vestir a camisa BolsoDoria para ser eleito governador em 2018.
Doria foi um dos primeiros a perceber que seria engolido (como foi) pelo monstro que ajudou a alimentar (e eleger). À mesa, desta vez, estavam apenas convivas de confiança. Os que defendem a mesma agenda econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes. Mas que ao menos tomam vacina e não passam leite condensado no pão. Nem vão para cima de ministros do STF se estiverem sem coleira. (Para isso pagam – e bem – os próprios lobistas).
Doria se arrependeu, se afastou do ex-aliado e em 2022 pediu desculpas a Lula pela virulência de anos anteriores. Mas defender justiça tributária a essa altura, como tem feito o petista, já é demais. E voltamos, assim, a 2016 – quando grupos empresariais e políticos buscavam ainda um corpo eleitoral para fazer frente à agenda do governo federal.
Lá, como cá, Bolsonaro parecia só um plano distante e todos se enganavam pensando que esse corpo, se crescesse, poderia ser moderado a qualquer momento.
Até lá, a linha está traçada.
Horas antes do encontro, Lula e Fernando Haddad lançaram pedradas no jantar do Jardim Europa ao discursar no lançamento do novo Plano Safra para Agricultura Familiar. As falas reciclavam um discurso que, se não era, lembrava muito o que o velho Marx chamava de luta de classes.
“Estamos lutando pela dignidade do trabalhador que paga suas contas, que nem escolhe pagar porque é descontado na fonte. Pode gritar, pode falar. Nós vamos continuar fazendo justiça no Brasil”, afirmou o ministro da Fazenda.
Os alvos gritaram, enquanto apertavam as mãos e trocavam afagos num banquete servido por João Doria.
Mas, ao menos no Congresso, seguem ganhando as batalhas. E elas são geralmente decididas em silêncio.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG
IG Último Segundo