
Michal Steinman, diretora de enfermagem do Hospital Bellinson
Israelenses e judeus de todo o mundo aguardam, com a respiração suspensa, o retorno de 22 reféns que foram mantidos prisioneiros pelo Hamas durante quase 780 dias. Sabe-se que, em nenhum momento, eles tiveram acesso a cuidados médicos, alimentação adequada, luz do sol ou ventilação, além de terem sido sujeitos a incessantes torturas físicas e psicológicas. Todos foram mantidos a maior parte do tempo em túneis a até 50 metros abaixo do solo, um ambiente úmido, sem iluminação natural e sem oxigenação adequada.
Esse é um evento inédito na história recente. Nenhum país moderno teve de se preparar para receber cidadãos que passaram tanto tempo confinados em túneis, privados de luz solar, de cuidados e do convívio humano. Por isso, os profissionais de saúde israelenses estão desenvolvendo um novo campo de atuação médica, batizado de “medicina do cativeiro” , voltado aos primeiros-socorros, tratamentos e consequente reabilitação física e emocional dessas pessoas.
Nas últimas horas, um jornal israelense divulgou que a Cruz Vermelha está em contato direto com parte dos reféns e notificou o governo de Israel de que vários deles estão em estado grave de saúde. Essa informação não foi confirmada. Se for verdadeira, terá sido a primeira vez, desde outubro de 2023, que a organização teve qualquer contato pessoal com os sequestrados.
Tratamento multidisciplinar
Assim que cruzarem a fronteira entre Gaza e Israel a bordo de ambulâncias da Cruz Vermelha, eles serão transferidos para três diferentes hospitais israelenses. Lá, se reunirão com seus familiares mais próximos, em áreas isoladas e protegidas da imprensa e do público.
As equipes médicas aprenderam lições importantes com as duas libertações anteriores, em novembro de 2023 e janeiro de 2025: são necessárias semanas ou até mesmo meses para compreender os danos físicos e psicológicos causados pelo cativeiro. Para tanto, o tratamento envolverá nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e diversos especialistas da área médica.
Sabe-se que os reféns passaram longos períodos acorrentados, sem espaço para se levantar ou se movimentar, sem exposição à luz solar, praticamente sem acesso à água potável e a alimentos. Nenhum recebeu tratamento para ferimentos sofridos durante a captura. Muitos viveram meses em total isolamento, submetidos a abusos e tortura tanto física quanto psicológica.
“O aprisionamento prolongado cria uma memória no corpo, como se fossem camadas” , explicou Michal Steinman, diretora de enfermagem do Hospital Bellinson que atendeu israelenses libertados nas duas negociações anteriores. “Leva tempo para ver o resultado em seus corpos e em suas almas.”
Muitos reféns que retornaram em janeiro de 2025 ainda permanecem internados, recebendo fisioterapia intensiva, acompanhamento psiquiátrico e sessões de reabilitação cognitiva.
Período prolongado no hospital
Outra lição aprendida foi a importância de manter o ex-refém sob cuidados hospitalares por um período prolongado, para garantir uma “aterrissagem” gradual na vida fora dos túneis.
Além disso, a equipe médica precisa de sensibilidade para decidir o que requer tratamento imediato e o que pode esperar alguns dias ou semanas. Também é necessário reeducar o corpo para a alimentação: cada paciente recebe um plano individual para reaprender a digerir e metabolizar alimentos.
Assistentes sociais e psicólogos têm a missão de ajudá-los a reconstruir laços e a dinâmica de relacionamentos — com cônjuges, filhos e amigos. Afinal, passaram dois anos convivendo com captores que controlavam cada minuto de suas vidas, muitas vezes usando violência e privação como forma de dominação psicológica.
Eles terão de reaprender o que é liberdade, intimidade e confiança.
As famílias, entre elas aquelas que nunca tiveram nenhuma notícia de seus entes queridos desde seu sequestro, estão sendo acompanhadas por psicólogos para se prepararem emocionalmente para o reencontro.
O drama das famílias de reféns mortos
Espera-se que o Hamas devolva também os corpos de quase 30 reféns. Parte deles foi assassinada ainda em 7 de outubro de 2023, durante a invasão do grupo terrorista ao sul de Israel; outros morreram em cativeiro. Embora o acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas preveja a entrega de todos, o grupo terrorista já informou ter perdido o controle sobre a localização de vários corpos.
Israel montou uma equipe de identificação e resgate de restos mortais em Gaza — um processo demorado, arriscado e, em muitos casos, provavelmente infrutífero. Na tradição judaica, os corpos são considerados tão sagrados quanto a alma. Enterrar os mortos com dignidade e segundo os rituais religiosos é uma necessidade espiritual profunda, sem a qual as famílias não conseguem processar a perda.
Depois de dias de grande euforia com o anúncio do cessar-fogo, os israelenses — assim como os judeus em todo o mundo — vivem horas de tensão e expectativa. O país se prepara para acolher os sobreviventes e, ao mesmo tempo, enterrar seus mortos.
IG Último Segundo