IA turbina guerra governo x Congresso


Presidente da Câmara, Hugo Motta, virou alvo de vídeos gerados por IA
Câmara dos Deputados

Presidente da Câmara, Hugo Motta, virou alvo de vídeos gerados por IA

Quem não está familiarizado com o rosto de Hugo Motta (Republicanos-PB) nem com a estética dos vídeos gerados por Inteligência Artificial pode até se confundir e imaginar que é realmente o presidente da Câmara quem está rindo e debochando dos trabalhadores em um podcast fake ao lado de um comentarista branco, rosto sem barba, terno bem alinhado – como um bom faria limmer.

O vídeo foi compartilhado pelo perfil de um apoiador do governo Lula nas redes. E viralizou.

A produção, para quem não notou, é (quase) toda fake, mas não tem mentiras na mensagem – tá, tem algumas: parlamentar não descansa sete dias da semana e ainda reclama do cafezinho. O descanso é, na verdade, de quatro dias. E o café no Congresso é ok.

Mas a conversa fake é só um jeito debochado (e desenhado) de falar o que um parlamentar do centrão costuma dizer com outras palavras e em outro tom.

Não é mentira que o povo trabalha tanto que nem tem tempo de notar quando alguém aprova uma nova mordomia. E que se o povo parar de trabalhar não vai ter ninguém para pagar o auxílio-paletó.

Ou que, enquanto a maioria das pessoas pega dois ônibus para trabalhar, os líderes da Câmara pegam dois voos semanais com verba pública.

Ou que não querem votar o fim da escala 6 para 1 (seis dias de trabalho para um de descanso) porque, se não, o empresário – ou doadores e patrocinadores de campanha e mandato – vão reclamar. (Isso aqui até a Quaest divulgada nesta semana atestou). 

E que tem gente no povo feliz porque o Congresso barrou o aumento de impostos para os mais ricos. 

Enfim, o vídeo é fake, mas a mensagem, não.

Produções do tipo começam a viralizar e a minar o capital político dos chefes da Câmara e do Senado que nos bastidores atuam para minar o capital político do governo. Dente por dente.

Mas Hugo Motta já vê digitais do governo na produção cinematográfica e promete revidar.

De fato, se não tem dedo os partidos da base, eles não devem estar achando ruim a repercussão.

A esquerda, que tanto andou em círculo para conseguir se comunicar nas redes, parece ter encontrado um filão: já que a conversa com o Congresso vai ser assim (assim: sem conversa), vão usar as armas que têm. E mostrar quem está do lado dos privilégios e privilegiados do país.

Prova disso é o que, alinhados a esse discurso, as lideranças do PT estão verbalizando em público, seja nos discursos no Congresso ou nas redes, o que até outro dia só diziam em ano eleitoral.

Um exemplo é o que postou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Faria (RJ) sobre o tal “nós contra eles”:

“Dividimos o país quando defendemos o fim da escravidão 

Dividimos o país quando conquistamos o salário mínimo 

Dividimos o país quando asseguramos dignidade na CLT 

Dividimos o país quando veio o 13° salário 

Dividimos o país quando colocamos negros e pobres na Universidade 

Dividimos o país quando asseguramos direitos às empregadas domésticas 

Dividimos o país quando lutamos por uma jornada digna e o fim da escala 6×1 

Dividimos o país quando queremos que os ricos paguem a conta

Lutar contra a desigualdade é dividir o país. Harmonia é não atacar os privilégios das elites!”

A jogada é de risco e pode incendiar ainda mais o debate.

No livro do Apocalipse, o mensageiro avisa que quem é morno, nem frio nem quente, será vomitado no fim dos tempos (chegamos lá?).  

Aparentemente o tom (morno) da conciliação já não funciona. A estratégia pode até dar muito errado, mas ninguém ali vai ser vomitado ou engolido por falta de temperatura.



IG Último Segundo