
Fóssil perdido há 100 anos revela nova espécie do Jurássico
“Já vi essa pose antes” , pensou o paleontólogo brasileiro Victor Beccari ao abrir uma gaveta do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido. Assistente científico na Coleção do Estado da Baviera para Paleontologia e Geologia, na Alemanha, ele observava um fóssil de réptil com o corpo esticado e o pescoço inclinado. A cena lhe parecia familiar: lembrava um exemplar que havia analisado anteriormente no Museu de História Natural Senckenberg, em Frankfurt.
Após investigar, Beccari constatou que as duas peças eram partes distintas de um mesmo espécime jurássico, como fatias de um sanduíche, sendo uma o molde e a outra o esqueleto. Reunidas, revelaram uma nova espécie, batizada de Sphenodraco scandentis, descrita em julho na revista Zoological Journal of the Linnean Society.
O fóssil havia sido coletado em 1930 e, provavelmente, dividido e vendido separadamente a museus diferentes. Por décadas, apenas a metade guardada em Frankfurt era conhecida, classificada como Homoeosaurus, um gênero extinto de rincocéfalos, grupo aparentado aos lagartos e hoje representado apenas pelo tuatara, da Nova Zelândia.
Beccari, que examinou fósseis desse grupo em diversos países durante seu doutorado, só percebeu a conexão ao estudar a anatomia do animal. Membros longos sugeriam hábitos arborícolas, o que o diferenciava do terrestre Homoeosaurus. Outras características, como cabeça triangular, dentes inclinados para trás e formato singular do úmero, também destoavam.
A confirmação veio com o uso da morfometria geométrica, técnica que compara formas anatômicas por meio de pontos de referência em ossos como crânio, úmero e fêmur. Segundo a paleontóloga Annie Hsiou, da USP, o método mostrou que a nova espécie se distingue claramente das demais.
A descoberta ajuda a revisar a visão de que os rincocéfalos eram pouco variados.
“Antes do surgimento dos lagartos, eles ocupavam diferentes nichos: marinhos, terrestres e arborícolas”, explica Beccari. Hoje, o único sobrevivente do grupo é o tuatara, mas no passado eles viveram em todos os continentes e foram bem-sucedidos até o final do Cretáceo, há cerca de 66 milhões de anos.
No período jurássico, S. scandentis habitava um arquipélago com pequenas árvores, pterossauros, aves e dinossauros de pequeno porte. A linhagem também prosperou na América do Sul: no Brasil, três espécies do grupo já foram identificadas no Triássico do Rio Grande do Sul.
A história do grupo está ligada ao supercontinente Gondwana, que unia América do Sul, África, Austrália, Índia e Antártida. O clima mais ameno da Antártida na época pode ter servido como rota de dispersão para a Oceania. Quando a Nova Zelândia se isolou, tornou-se um refúgio para os últimos rincocéfalos, incluindo o resistente tuatara.
IG Último Segundo