
Judeus em todo o mundo celebram, nessa semana, a chegada do ano de 5786. É um número espantosamente alto e que nada tem a ver com o calendário de outros povos e religiões: este é, segundo o judaísmo, o aniversário do universo e o dia em que Deus criou Adão e Eva. Ou seja, algo como o aniversário da humanidade.
Povo festeiro que é, os judeus celebram essa festividade — em hebraico chamada de Rosh Hashaná, ou “cabeça do ano” (apesar de não acontecer naquele que é considerado o primeiro mês do calendário judaico — e, não, não tente entender) — durante dois dias. Tudo, como sempre, acontece em torno de rezas, bênçãos, esperanças, encontros e comida, muita comida. Assim como outras festividades judaicas, Rosh Hashaná tem suas particularidades.
Shofar e simanim
Vamos ouvir várias vezes os toques do shofar, que é o chifre oco de carneiro ou outro animal semelhante (e kasher, ou seja, considerado puro pelas leis religiosas), durante o dia. Em Israel, ele será ouvido não apenas dentro das sinagogas: por todo lado ele está sendo soprado ao longo desse último mês e tenho ouvido até mesmo de dentro de casa, o que, confesso, é interessante e emocionante.
Com um som melancólico e primitivo, o shofar nos lembra que, ao longo desse mês, Deus está mais perto dos homens e disponível para ouvir tanto nossos arrependimentos quanto nossas esperanças.
Há o costume de pedirmos desculpas a quem tenhamos magoado ou desrespeitado ao longo do último ano e também de recitar uma reza que pede pelo cancelamento de promessas que tenhamos feito e que não pudemos cumprir, de forma que cada um entre no novo ano com a “ficha limpa”. Este é também um mês de reflexão, em que cada um avalia individualmente suas ações no ano que passou. O judaísmo não prega a culpa e acredita que o arrependimento sincero oferece a oportunidade de melhorar a cada dia.
Durante quatro refeições festivas — isso mesmo, dois almoços e dois jantares —, nos reunimos com familiares e amigos em torno de uma mesa cheia do que chamamos de simanim, ou seja, símbolos do que desejamos para o novo ano ou do que deve ser lembrado nesse dia. Cabeça de peixe para que sejamos a “cabeça” (liderança) e não a cauda, mel para que o ano seja doce, romã para que o ano seja abundante em bênçãos, e outras coisinhas mais fazem parte do cenário. É adorável. As rezas são especialmente longas pelas manhãs, mas o astral alegre e musical, com o público em roupa de festa, cria um ambiente especial.
Pedidos de proteção
Entre as rezas, haverá também aquelas nas quais pedimos pela proteção não só de nossos soldados (quase 910 perderam a vida nessa guerra), como também de nossos 48 reféns que, quase dois anos depois, continuam prisioneiros do sadismo do Hamas. Nesse momento, são distribuídos entre o público os nomes de cada um dos reféns para que sejam lembrados por Deus. Essa é a parte triste que não nos tem permitido comemorar com alegria coisa nenhuma, muito embora o judaísmo defina que a alegria precisa ser perseguida, até mesmo em momentos como esse.
Para os soldados que não passarão Rosh Hashaná em casa e para os reféns ainda prisioneiros, assim como suas famílias e amigos que vivem uma angústia tremenda há tantos e tantos meses, dedico essa coluna. E para eles vão os meus pensamentos e meus desejos de que todo esse pesadelo acabe hoje, agora.
Para eles, e para você também, desejo um ano bom e doce, como se diz por aqui.
IG Último Segundo