Família guardou crânios de Lampião e Maria Bonita por 20 anos


Família guardou crânios de Lampião e Maria Bonita por 20 anos
Domínio Público/Benjamin Abrahão Botto

Família guardou crânios de Lampião e Maria Bonita por 20 anos

Por duas décadas, os crânios de Lampião e Maria Bonita , o casal mais famoso da história do cangaço, ficaram guardados discretamente pela própria família, dentro de caixas de madeira. As informações são do Aventuras na História e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP.

A história começou no início dos anos 2000, quando as netas de Virgulino Ferreira da Silva e Maria Gomes de Oliveira foram avisadas de que o cemitério onde os restos mortais estavam, em Salvador, poderia passar por reformas e que havia risco de perda das peças históricas.

“Estavam todos os dois encaixotados. Nós trouxemos na própria caixinha que estava na gaveta e guardamos. E de vez em quando tirava para tomar um sol. Até então a gente não tinha ideia do que fazer”, contou Gleuse Ferreira, neta do casal e filha de Expedita Ferreira, à Globo.

O segredo era conhecido apenas pelos mais próximos.

“Guardava em casa [os crânios] como se guarda uma roupa, como se guarda um sapato”, relatou Expedita, hoje com 92 anos, única filha de Lampião e Maria Bonita.

Crânios de Lampião e Maria Bonita
Divulgação/G. Ceccantini

Crânios de Lampião e Maria Bonita

Os restos mortais permaneceram sob posse da família até setembro de 2021, quando foram entregues ao Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP. Após três anos e meio de análises, os fragmentos retornaram para uma guarda provisória em um museu de São Paulo.

As tentativas de extração de DNA para comparação com parentes não tiveram sucesso, devido ao histórico de manipulação, armazenamento em querosene e até exposição ao sol, que comprometeram o material genético. Apesar disso, a equipe de pesquisadores afirma não haver dúvidas sobre a identidade dos crânios.

Segundo o doutorando e historiador José Guilherme Veras Closs, responsável pelo estudo, as evidências confirmam que as peças pertenceram às cabeças expostas no IML Nina Rodrigues, em Salvador, que chegaram de Maceió em 1938, após a morte violenta do casal na Gruta de Angico, na divisa entre Sergipe e Alagoas.

O crânio de Maria Bonita estava relativamente preservado, mas o de Lampião chegou em estado crítico.

“O do meu bisavô era um monte de caquinho, parecia coco seco sem a carne. O dela sempre esteve intacto”, descreveu Gleuse Ferreira, bisneta do casal.

A análise também revelou sinais da brutalidade contra o líder do cangaço: danos na base do crânio, fraturas no osso hioide e nas vértebras cervicais, além de graves problemas dentários.

O massacre ocorreu em 28 de julho de 1938, quando onze cangaceiros foram mortos e decapitados, e suas cabeças expostas na escadaria de uma igreja em Piranhas, Alagoas.

Entre 1944 e 1969, os crânios ficaram no museu do IML Nina Rodrigues. Depois, a família conseguiu o direito de enterrá-los no Cemitério Quinta dos Lázaros. Mais de 30 anos depois, diante da ameaça de remoção, Expedita e sua filha Vera Ferreira decidiram retirá-los e guardá-los em casa, em Aracaju.

Agora, os herdeiros planejam dar um novo destino às relíquias. Um terreno já foi adquirido para a construção do Memorial do Cangaço, com previsão de conclusão em até três anos.

“O Memorial contará com curadoria da família Ferreira e vai além de um museu tradicional. Será um centro de estudos sobre o fenômeno do cangaço, preservando documentos, objetos e a memória cultural dessa época”, explicou o advogado Alex Daniel, representante da família.

O acervo inclui armas, punhal, joias, fotografias e até um cacho de cabelo de Maria Bonita. Para Closs, o cuidado com os restos humanos deve ser tratado com dignidade:

“O grande ponto é que eles são seres humanos. O cuidado com o remanescente humano tem que ser igual ao cuidado com um ser vivo.”



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