
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
Em termos ideais, o Estado
é a própria sociedade organizada. Mas, parte dessa sociedade exerce o poder estatal em nome de toda a comunidade. Justamente por isso, esse poder precisa ter claros limites, o que nem sempre ocorre, como a realidade insiste em nos mostrar.
O mais novo evento abusivo ao menos de modo potencial é o chamado “Caso ABIN”.
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
não exerce em si, como parece ser claro, uma atividade abusiva. Claro que não. Os países todos contam com órgãos com função de obter, armazenar e de algum modo processar informações sensíveis aos interesses de cada nação. Isso é visto como algo regular, lícito, aceitável.
Ocorre, porém, haver riscos nesta atividade, especialmente em desfavor dos cidadãos e mais ainda em desfavor dos adversários, ou da oposição, ao governante do momento.
A esse respeito, lembremos que tivemos no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980 um antepassado da ABIN, o SNI – Serviço Nacional de Informação.
Este órgão, até mesmo pelo clima político então vigente, uma ditadura, colhia, arquivava e municiava o órgãos governamentais de informações várias — 90% relacionadas a desafetos do governo — e não possibilitava o acesso a essa informação a ninguém, nem mesmo aos que possuíam informações suas ali. Um claro abuso.
Agora, um novo episódio de excessos neste campo toma espaço. De acordo com a Polícia Federal, um programa nomeado de “First Mile”
foi utilizado ilegalmente pela ABIN para monitorar autoridades do Judiciário e do Legislativo, além de jornalistas, durante o governo Bolsonaro
(2019-2022). Pode ser o maior caso de espionagem oficial, exercida pelo Estado, em nossa história.
Parece claro que essa ferramenta, “First Mile”,
ainda carece de ordenamentos legislativos, limites jurídicos, além de fiscalização e controle. Mas, há algo ainda pior nisso tudo e que mostra como ainda temos problemas estruturais relevantes em nosso Estado. Todo esse verdadeiro esquema de espionagem foi descoberto há mais de um ano e o que foi feito de lá para cá, o que mudou? Concretamente, nada.
A esse respeito, note-se que a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI)
do Congresso Nacional, responsável por realizar o controle e a fiscalização externas das atividades de inteligência, não realizou nenhuma reunião neste último ano, mesmo com um caso tão grave para tratar.
Nomeada informalmente de “ABIN paralela”,
o caso ora comentado escancara a atualidade da máxima de Lorde Acton: “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Sem limites, o poder político tende a ser exercido de modo abusivo. O governo anterior tem contas a prestar neste tema, mas o atual também, afinal, segue usufruindo dessa mesma estrutura viciada e ilegal instalada num órgão de Estado.