Em Israel, cada cabeça é uma sentença


A bandeira de IsraelLevi Meir Clancy/Unsplash

A imagem difundida pelo mundo de que a sociedade israelense possui um pensamento uniforme é equivocada. Desde a fundação do país, o pluralismo e as divergências de opiniões sempre fizeram parte de seu tecido social e político. A lendária primeira-ministra de Israel, Golda Meir, capturou bem essa multiplicidade quando afirmou ao então presidente norte-americano Richard Nixon: “Você é presidente de 150 milhões de americanos, enquanto eu sou a primeira-ministra de 6 milhões de primeiros-ministros”.

Essa frase resume o espírito de contestação e o sentimento de participação ativa dos diferentes setores da sociedade israelense.

Esse mosaico de opiniões se torna ainda mais evidente em tempos de crise. Desde a formação do atual governo por Benjamin Netanyahu, que incluiu partidos de extrema-direita, a polarização entre os campos da direita e da esquerda israelense se acentuou. É importante destacar que esses espectros políticos apresentam características bastante distintas das versões brasileiras de direita e esquerda, refletindo muito mais particularidades históricas, culturais e geopolíticas locais do que questões meramente econômicas.

Negociação ou pressão militar

As diferentes percepções também são sentidas no posicionamento dos familiares dos aproximadamente 50 reféns ainda mantidos pelo Hamas nos túneis de Gaza há mais de 22 meses. Isso ficou bastante evidente no último domingo, quando foi organizada uma manifestação popular — que reuniu cerca de 500 mil pessoas em Tel Aviv — combinada a uma greve parcial que misturava duas demandas: a dissolução do governo Netanyahu e a exigência frente ao governo de um acordo pela libertação dos sequestrados.

Uma grande parte dos familiares dos reféns acredita que o governo deve buscar um acordo com o Hamas mesmo que isso represente atender a todas as exigências do grupo terrorista. Outra parte, que reúne um menor número de famílias, entende que a pressão militar deve ser a única ferramenta usada para sua libertação, uma vez que as negociações envolvem necessariamente aspectos que colocam em risco a segurança de Israel, tais como a libertação de terroristas condenados e presos em Israel, a entrega do controle sobre a fronteira entre Gaza e o Egito usada para contrabando de armamentos e a permanência do Hamas no poder.

O refém israelense Avyatar David: prisioneiro do Hamas há quase 2 anosReprodução

Assim, enquanto a mãe do refém Matan Angrest circulou por Tel Aviv durante o domingo pedindo a adesão de comerciantes locais à greve, o pai de Evyatar David — cuja imagem fragilizada circulou recentemente nas redes — manifestou publicamente o descontentamento ao ver a foto do filho usada em materiais que convidavam para as manifestações.

Episódios como esse deixam claro que a sociedade israelense está longe de falar a uma só voz: suas angústias, desejos e esperanças são tão plurais quanto sua própria história.



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