
Desastres se intensificam e causam prejuízos bilionários
O número de desastres causados por chuvas intensas no Brasil mais que triplicou comparando a década de 1990 com o período entre 2020 e 2023, passando de aproximadamente 2.335 eventos para 7.539 no período mais recente e provocando perdas de R$ 132 bilhões entre 2020 e 2024, segundo levantamento da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica.
O estudo mostra que, além do crescimento em frequência, os danos se tornaram mais severos e desiguais, atingindo principalmente áreas urbanas com menor estrutura e camadas mais pobres da população.
A pesquisa “Temporadas das Águas: O Desafio Crescente das Chuvas Extremas” indica que, entre 1991 e 2023, eventos climáticos afetaram 91,7 milhões de pessoas no país.
A maioria das perdas, 83%, teve origem no setor privado, com a agricultura e o comércio entre os mais impactados. A infraestrutura pública, sobretudo transporte e saneamento, também sofreu danos significativos, estimados em R$ 24,4 bilhões.
Chuva mal distribuída e fenômenos extremos
O climatologista Eduardo Petrucci afirma que a intensificação das chuvas tem relação direta com o aquecimento global.
“ O aumento da temperatura média global faz com que haja uma maior disponibilidade de energia no sistema, porque a energia solar, o calor, é o que movimenta todo o sistema ambiental ”, explica Petrucci .
Para o climatologista, esse excesso de energia altera o comportamento das chuvas, tornando os eventos mais intensos e mal distribuídos ao longo do ano.
A maioria dos desastres registrados nas últimas décadas está ligada a fenômenos hidrológicos, como enxurradas e inundações (64%), seguidos de tempestades intensas (31%).
Segundo o meteorologista Vinícius Lucyrio, da Climatempo, a região Sul tende a concentrar os maiores volumes de chuva nos próximos anos. “ É justamente a região que vai ter mais incremento nos volumes de chuva, tende a ter mais eventos extremos ”, afirma.
Outras regiões também enfrentam riscos. O litoral entre o Paraná e o Rio de Janeiro aparece como zona crítica, com o oceano mais quente contribuindo para tempestades intensas.
“ Eventos como o que a gente viu em fevereiro de 2023 em Bertioga e São Sebastião, com chuvas de 600, 700 mm em 24 horas, vão se repetir com uma frequência maior ”, alerta Lucyrio.
Em contrapartida, o Norte e o Nordeste podem enfrentar uma queda de até 40% nos índices de chuva até o fim do século, segundo projeções do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).
Impacto social e desigualdade nos riscos
Desde 1991, os eventos climáticos provocaram a morte de 4.247 pessoas e deixaram 8,7 milhões desabrigadas ou desalojadas no país.
Petrucci destaca que a desigualdade social é um fator decisivo no impacto dos desastres. “ Esses grupos sociais, eles demoram muito mais para se recuperar ou às vezes nem se recuperam desses tipos de eventos ”, diz.
O climatologista critica a lógica de urbanização que favorece setores mais ricos. “ Uma cidade que possui um planejamento que prioriza apenas os setores ricos faz com que esses desastres tomem uma proporção muito maior ”, completa.
Para Lucyrio, embora os sistemas de alerta tenham evoluído, a falta de cobertura de radares em partes do território ainda compromete a resposta a eventos extremos. “ A gente trabalha às vezes no escuro porque não são todas as regiões do país que são cobertas por radar meteorológico ”, afirma.
Responsabilidade internacional e decisões jurídicas
Em meio ao agravamento da crise, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial das Nações Unidas, emitiu nesta quarta-feira (23) parecer unânime afirmando que os Estados têm obrigações legais de proteger o sistema climático contra danos causados por emissões de gases de efeito estufa.
A decisão estabelece que países podem ser responsabilizados juridicamente quando suas ações, ou omissões, gerarem prejuízos ambientais significativos a outras nações ou às futuras gerações.
A solicitação foi feita pela Assembleia Geral da ONU em 2023. A CIJ reconheceu que falhas em cumprir acordos como o Acordo de Paris ou a manutenção de subsídios a combustíveis fósseis podem ser considerados atos ilícitos internacionais.
O parecer cita ainda que os Estados têm o dever de controlar as atividades de atores privados sob sua jurisdição.
A Corte reforçou o princípio de “ responsabilidades comuns, porém diferenciadas ”, destacando que países desenvolvidos, por sua contribuição histórica, têm deveres mais amplos na proteção climática.
A decisão também afirma que essas obrigações são “ erga omnes ”, ou seja, válidas perante toda a comunidade internacional, permitindo que qualquer país cobre outro sobre seu comprometimento ambiental.
IG Último Segundo