
O ex-presidente Jair Bolsonaro
Se tivessem observado o que aconteceu no México e no Canadá quando governos locais peitaram de frente a s ameaças de Donald Trump contra seus países, apoiadores de Jair Bolsonaro não teriam corrido para as redes sociais comemorar o tarifaço do republicano contra exportações brasileiras.
O ataque deu a brecha para o presidente Lula (PT) ir a público acusar a agressão contra a soberania nacional. E nada é mais capaz de unir um país do que uma agressão injusta e um inimigo definido.
Trump encarnou as duas coisas.
Nas redes, apoiadores do petista correram para tirar as máscaras de quem até outro dia posava de patriota batendo continência à bandeira norte-americana.
No fim, sobrou apenas a família Bolsonaro para defender o ato de Trump. É o que resta para quem está hoje entre a cadeia e o ostracismo político.
Quem tem alguma pretensão melhor para os próximos meses já mudou o tom da conversa.
Tarcísio de Freitas, que vestia até boné do MAGA (slogan para Make America Great Again, aglutinador da campanha republicana), era um deles.
O termômetro das redes o levou a esconder o enfeite.
O governador paulista só faltou escrever “bem-feito, Brasil” ao comentar, nas primeiras horas, a ofensiva de Trump. Agora pede serenidade e diálogo.
Não é por menos.
Quem acompanha a biruta laranja da Casa Branca sabe que tudo pode acontecer após um tuíte de Trump. Inclusive nada.
Até aqui, ele adotou a tática do bode na sala das relações comerciais com todos os países para onde apontou o nariz. A tática é conhecida. Primeiro vem a ameaça. Depois, o recuo.
O que ele conseguir avançar na sala escura das negociações sem a mediação de organismos multilaterais durante um momento e outro é lucro.
Mas uma hora a credibilidade, tal qual o lobo anunciado por Pedrinho, se esvai.
No Congresso, parlamentares do centrão patrocinados por setores produtivos, do agro à indústria, pressionam a base bolsonarista para demover Trump do absurdo.
Na dúvida, eles fazem coro ao discurso de Lula, que promete acionar o princípio da reciprocidade caso Trump avance com a ameaça.
Os chefes da Câmara e do Senado estão com Lula.
Basta ver a nota assinada por Hugo Motta e Davi Alcolumbre. Isso em um momento de conflito interno entre Executivo e Legislativo pelo controle do orçamento.
(sim, Trump conseguiu aqui o improvável: um cessar-fogo entre Lula e uma base cada vez mais hostil a ele no Congresso).
Entidades como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) também foram na jugular de Trump em suas notas públicas.
O chefe da Casa Branca queria desgastar Lula e reabilitar Jair Bolsonaro para ter no Brasil um preposto capaz de frear a influência chinesa e dos Brics na América Latina.
Até aqui, não conseguiu nem uma coisa nem outra.
A resposta pública de ministros do STF nas redes (já que é essa a nova ágora das decisões diplomáticas) mostra que o Judiciário brasileiro está em campo preparado e com caneleiras.
A carta de Trump (ou de quem quer que assoprou essa ideia na cabeça dele) era o presente de Natal antecipado que a família Bolsonaro tanto queria.
Virou um presente de grego.
Armou os adversários, criou um inimigo comum, unificou grupos rivais e desgastou quem ainda é capaz de defender o agressor.
Tá de parabéns, dear president.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG
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