Brasileiros descobrem quatro espécies de cogumelos na Antártica


Fernando Bertazzo da Silva
Fernando Bertazzo da Silva/Reprodução

Fernando Bertazzo da Silva

Pesquisadores brasileiros descobriram formalmente, pela primeira vez na história, quatro novas espécies de fungos visíveis a olho nu durante uma expedição científica à Antártica .

O estudo, realizado pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), levou mais de dois anos de trabalho e envolveu coleta em acampamento isolado, análises laboratoriais no Brasil e publicação em revista internacional.

Os fungos identificados pertencem ao gênero Omphalina   e foram batizados de Omphalina deschampsiana , Omphalina ichayoi, Omphalina frigida e Omphalina schaeferie.

As espécies surpreendem pela resistência em um solo pobre, exposto à radiação e ao frio extremo. Alguns, ainda, estavam associados a gramíneas antárticas, algo raro e que indica adaptações especiais.

São exemplos claros de evolução, resiliência e adaptação ”, explica  Fernando Bertazzo da Silva, doutor em Ciências Biológicas e autor principal do estudo, em entrevista ao Portal iG.

Cogumelos descobertos fazem parte da família gênero Omphalina
Fernando Augusto Bertazzo-Silva/Reprodução

Cogumelos descobertos fazem parte da família gênero Omphalina

Apesar de visíveis a olho nu, cogumelos ainda são pouco lembrados pelo público. Na Antártica, porém, cumprem papel essencial na decomposição da matéria orgânica e no equilíbrio do ecossistema.

Compreender esse papel é essencial, já que o equilíbrio antártico impacta diretamente o clima, os oceanos e, consequentemente, o Brasil ”, destaca o pesquisador.

O objetivo era entender como esses organismos resistem ao frio intenso , à radiação e à escassez de nutrientes , ampliando o conhecimento sobre a biodiversidade polar e os efeitos das mudanças climáticas .

Fungos impressionam pela capacidade de sobreviver ao frio extremo, à radiação intensa e a solos pobres da Antártica
Fernando Augusto Bertazzo-Silva/Reprodução

Fungos impressionam pela capacidade de sobreviver ao frio extremo, à radiação intensa e a solos pobres da Antártica

Segundo Bertazzo, a iniciativa dá continuidade a uma linha de pesquisa iniciada nos anos 1980 por Jair Putzke e Antonio Pereira Batista, também da UNIPAMPA.

Hoje, tenho o privilégio de dar continuidade a essa linha de pesquisa, junto com o professor Jair Putzke, mantendo viva essa tradição científica e ampliando o conhecimento sobre a biodiversidade antártica, essencial para entendermos resiliência, evolução e adaptação da vida em condições extremas ”, afirma Fernando.

30 dias isolados

As coletas ocorreram na Ilha Livingston, onde a equipe ficou ” cerca de 30 dias completamente isolados, acampados em barracas, sem internet e comunicação limitada com o continente ” enfrentando ventanias acima de 100 km/h  e chuvas que danificaram o acampamento.

Cientistas acamparam por cerca de um mês na Ilha Livingston
Fernando Augusto Bertazzo-Silva/Reprodução

Cientistas acamparam por cerca de um mês na Ilha Livingston

Foi uma jornada longa e desafiadora ”, relata Fernando. Ele ainda comenta que a experiência foi um teste de resistência física e mental, mas também uma “uma experiência única de viver num dos laboratórios naturais mais puros do planeta ”, conta o pesquisador.

O material foi transportado em mochilas por trilhas geladas e, já no Brasil, passou por análises morfológicas e moleculares.

Foram examinados detalhes como o formato dos esporos, cores e estruturas microscópicas específicas, além do sequenciamento de DNA. O processo de confirmação levou cerca de dois anos e culminou com a publicação do artigo na revista Mycological Progress.

Futuro da pesquisa

Além da relevância ecológica, os pesquisadores veem potencial biotecnológico nessas espécies.

Fungos que vivem em ambientes extremos costumam produzir compostos únicos, com possíveis aplicações na medicina e na indústria.

Contudo, Bertazzo ressalta que qualquer avanço nesse sentido depende do trabalho de base realizado pelos taxonomistas, os profissionais que descrevem e classificam as espécies.

Sem esse trabalho de base, não há como avançar em pesquisas aplicadas. É por isso que a atuação de biólogos taxonomistas é essencial e precisa ser valorizada ”, explica.

A equipe pretende continuar monitorando as regiões pesquisadas, buscar novas espécies e avançar em estudos sobre o potencial desses organismos.

A Antártica ainda guarda muitos segredos. Queremos compartilhar esse conhecimento com a sociedade e contribuir para a valorização da ciência brasileira ”, finaliza Bertazzo.

O estudo faz parte da tese de doutorado de Bertazzo e foi realizado pelo Laboratório de Taxonomia de Fungos da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), em parceria com os projetos TERRANTAR e PERMACLIMA da Universidade Federal de Viçosa (UFV). 

Também contribuíram para o trabalho: Alice Lemos Costa, Cassiane Furlan-Lopes, Maricia Fantinel D’Ávila, Evelise Leis Carvalho, Jair Putzke e Carlos Ernesto Gonçalves Reynaud Schaefer.



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