Dom Sérgio da Rocha em 1986, com a sobrinha recém-nascida nos braços, dois anos após ser ordenado padre, em Matão (SP), e quase 40 anos depois, Cardeal Arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil
Um menino esperto e falante, nascido na Fazenda São José, em Dobrada, cidade tranquila do interior de São Paulo, com cerca de 9 mil habitantes, está hoje no Vaticano, se preparando para o conclave que vai escolher o próximo Papa, e figura entre os cardeais considerados favoritos ao posto.
Dom Sérgio da Rocha nasceu em 21 de outubro de 1959, quando Dobrada ainda era Distrito de Matão, município a 12 quilômetros que, na época, recebia parte da população dobradense a procura de trabalho.
A reportagem do iG esteve em Dobrada nesta semana. A cidade tem pouco mais de 8 mil habitantes e pouco – ou quase nada – tem de diferente da época em que o hoje cardeal nasceu.
Chama a atenção que se antes havia Fazendas de cana-de-açúcar, laranja, café, feijão e arroz cercando a cidade, essa produção diversificada foi acabando, prevalecendo hoje praticamente apenas a cana-de -açúcar.
Dobrada (SP): quase 9 mil habitantes e economia baseada na cana-de-açucar
Nos anos de 1960, Dobrada foi emancipada a município, depois de uma longa batalha política assumida por moradores que viam na emancipação política-administrativa uma oportunidade de desenvolvimento.
Dobrada, no entanto, ainda é uma cidade pequena, pacata, com boa parte da população estudando e trabalhando nas cidades maiores da região, repetindo o que ocorre há décadas.
De Dobrada para Matão
Foi justamente no período de emancipação de Dobrada que Rubens da Rocha decidiu deixar a Fazenda São José e se mudar para Matão com a esposa, dona Aparecida Veronese da Rocha, e os três filhos pequenos – João, Osvaldo e o caçula Sérgio.
Na cidade vizinha, o patriarca da família assumiu um cargo de servidor público na prefeitura, os filhos foram crescendo e também buscando trabalho.
Os dois mais velhos seguiram para o setor da metal urgia. Já o caçula, Sérgio, foi trabalhar em uma gráfica.
Aqui, uma conicidência com algo que cercaria o futuro do jovem: o Papa Francisco também trabalhou em uma gráfica, em Buenos Aires, na Argentina, antes de ser ordenado padre.
Município de Dobrada; cidade pacata com cerca de 9 mil habitantes
Mas o trabalho de Sérgio nesse local foi por pouco tempo. O jovem já sabia qual era sua vocação.
E em Matão, no dia 18 de agosto de 1984, pouco antes de completar 25 anos, foi ordenado padre, na Igreja Santa Cruz.
Vocação desde criança
Desde muito cedo, segundo seus familiares, Dom Sérgio já demonstrava sua vocação sacerdotal, influenciado principalmente pela mãe, que era católica fervorosa.
“Ele acompanhava minha tia e minha mãe; as duas irmãs eram ministras da igreja. Ele também se envolvia com as atividades, foi coroinha. E a família sempre incentivou essa vocação”, conta seu primo, Venicio Ramos, que mora em Dobrada.
O primo guarda fotos de Dom Sérgio em vários momentos da sua vida na igreja.
“Só o fato dele estar lá no conclave, sendo apontado como um dos possíveis sucessores do Papa Francisco, que era seu amigo, já é muito importante, porque coroa todos esses anos de trabalho e de dedicação ao sacerdócio”, enfatiza Ramos ao iG, acrescentando que a proximidade com o Vaticano vem da época ainda do Papa João Paulo II e depois do Papa Bento XVI.
Venicio Ramos, primo de Dom Sérgio da Rocha, que mora em Dobrada (SP)
“Mas, realmente, do Papa Francisco ele era mais próximo”, ressalva, apontando a participação de Dom Sérgio no Conselho de Cardeais, o chamado C9, criado em 2023 pelo pontífice, com nove cardeais da sua mais estrita confiança. “Ele é um dos nove conselheiros do Papa”, enfatiza.
Ramos conta também que, por conta dos compromissos assumidos com a igreja, Dom Sérgio vai pouco a Dobrada. O último encontro com o primo ocorreu recentemente e bem rápido, há um mês.
“Ele veio rapidamente para o sepultamento do seu irmão João, no fim de março. Ficou poucas horas e já retornou para a Bahia”, conta.
Influência da mãe
A influência da mãe, falecida há cerca de 7 anos, e o grande interesse pelas atividades da igreja na infância fazem parte das memórias de Sônia da Rocha, cunhada de Dom Sérgio, casada com seu irmão Osvaldo.
“Desde pequeno, ele sempre queria comprar santinhos e vivia na igreja acompanhando minha sogra. Era bonito ver a sua vocação. Meu sogro também apoiava”, conta Sônia.
Altar da Paróquia São Francisco de Paula, em Dobrada, onde Dom Sérgio da Rocha foi batizado
O pai de Dom Sérgio faleceu no dia 15 de março de 2000 e a mãe, em 23 de março de 2018.
Sônia ressalta que a trajetória de Dom Sérgio na igreja é motivo de muito orgulho para a família, que, ao longo dos anos, esteve presente nos principais momentos.
Ela e o marido Osvaldo, que residem em Matão, estiveram no Vaticano, em 2016, acompanhando a posse de Dom Sérgio como cardeal, criado pelo Papa Francisco.
“Ele é muito apegado à família. Sempre que é possível, estamos juntos. E nos falamos sempre. Ele me ligou no último domingo para dizer que vai ficar um tempo incomunicável, por causa do conclave. Mas, a cada 15 ou 20 dias, ele me liga para saber como estamos. É uma pessoa muito agradável, gosta de contar histórias e dar risada”, descreve a cunhada.
Cardeal Dom Sérgio da Rocha, com 21 anos, carrega a sobrinha Ana Cláudia
Outra qualidade marcante do cunhado que ela aponta é a honestidade.
“Gosta das coisas corretíssimas e é responsável ao extremo”, completa Sônia. “Essa possibilidade dele ser Papa, com certeza, é uma benção de Deus, é o Espírito Santo iluminando. Todos nós estamos muito honrados, finaliza a cunhada de Dom Sérgio.
A trajetória
No mesmo ano em que foi ordenado padre, quatro meses depois, Dom Sérgio da Rocha recebeu a Ordenação Presbiteral na Matriz da Paróquia Senhor Bom Jesus de Matão, na Diocese de São Carlos.
Cardeal Dom Sergio da Rocha, ao lado do amigo Papa Francisco
Em 2001, foi nomeado como bispo auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza (CE), pelo Papa João Paulo II. Em 11 de agosto do mesmo ano, recebeu a Ordenação Episcopal, assumindo como lema “Omnia in caritate” (Tudo na Caridade).
Em 31 de janeiro de 2007, veio a nomeação, pelo Papa Bento XVI, para arcebispo coadjutor da Arquidiocese de Teresina (PI), iniciando o pastoreio em 30 de março de 2007 e, pouco mais de um ano depois, em 3 de setembro de 2008, assumiu a Arquidiocese como Arcebispo Metropolitano.
No dia 15 de junho de 2011, foi nomeado, ainda por Papa Bento XVI, Arcebispo Metropolitano de Brasília, tendo sido acolhido na Catedral Metropolitana em 6 de agosto daquele ano.
Dom Sérgio da Rocha, em 2001
Em 19 de novembro de 2016, foi nomeado Cardeal pelo Papa Francisco no Consistório realizado na Basílica de São Pedro. Ele recebeu o anel cardinalício, o barrete vermelho e o titulo de cardeal-presbítero de Santa Cruz na Via Flaminia, tomando posse da sua igreja titular em 23 de abril de 2017.
Entre as muitas funções desempenhadas como cardeal, foi presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 2015 a 2019, e relator geral da XV Assembleia dos Bispos, em 2018, que teve como tema a juventude.
Permaneceu na Arquidiocese de Brasília até 2020, ao ser nomeado, pelo Papa Francisco, Arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil, em 11 de março. A posse aconteceu no dia 5 de junho, na Catedral Metropolitana de Salvador (BA).
Dom Sérgio é o único brasileiro a integrar o Conselho de Cardeais, o chamado G9, grupo consultivo de nove cardeais criado pelo Papa Francisco no início de 2023, com a tarefa de auxiliar o pontífice na gestão da Igreja e no projeto de revisão da Cúria Romana.
Formação
Dom Sérgio da Rocha é mestre em Teologia Moral pela P ontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, e doutor pela Academia Alfonsiana da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, em 1997.
Trabalhou como diretor espiritual, professor e reitor do seminário diocesano de Filosofia de São Carlos, exercendo as mesmas funções também no seminário de Teologia da diocese. Desempenhou várias outras funções na diocese de São Carlos.
Foi ainda professor de Teologia Moral na Pontifícia Universidade Católica de Campinas(1989-2001) e colaborou, em Porto Velho (RO), no Projeto Missionário Sul I / Norte I e na Escola de Teologia Pastoral de São Luiz de Montes Belos (GO), Igreja Irmã da Diocese de São Carlos.
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