A sociedade israelense só começará a se recuperar depois que todos os reféns voltarem para casa
Meirav Roth, psicanalista que coordena equipes responsáveis pelo atendimento psicológico de centenas de israelenses impactados diretamente pela guerra, precisa de ombros largos. E embora os tenha, nem sempre está preparada para situações cotidianas que escancaram o nível de trauma vivido pela sociedade à qual pertence.
“Há poucas semanas, eu atendia a esposa de um ex-refém do Hamas. Durante a sessão, ele telefonou. Ela atendeu com um simples ‘como vai?’. Ao ouvir a voz dele do outro lado da linha, caí no choro. Naquele momento, eu não estava protegida pela armadura da minha profissão. Me emocionei com aquela experiência humana tão simples: uma esposa que, depois de tantos meses, pode finalmente perguntar ao marido como ele está.”
Meirav abraçou a tarefa hercúlea de criar núcleos de trabalho e coordenar equipes compostas por centenas de profissionais — psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, assistentes sociais, entre outros — para atender pessoas que têm pouco em comum, além do fato de terem sido atingidas diretamente pelo massacre promovido pelo Hamas e pela guerra que se seguiu.
A psicanalista Meirav Roth: “A única diferença entre os judeus do Holocausto e os reféns de agora é que Israel existe”
Por ter sido um evento sem precedentes na história mundial, não há protocolos médicos previamente estabelecidos. Os tratamentos vêm sendo ajustados em campo, à medida que os profissionais aprendem, criam estratégias e formulam teorias que organizem minimamente a experiência humana vivida nos últimos 18 meses.
Reabilitação mental
Curar o corpo físico é tarefa simples diante do desafio de criar uma jornada de cura para a alma de milhares de pessoas. Crianças sequestradas e mantidas longes de seus pais por semanas, pais que viram seus filhos serem assassinados diante de seus olhos, mulheres submetidas a abusos morais e sexuais recorrentes — são histórias que exigem respostas urgentes, mas cuidadosas.
Por seu esforço em organizar informações e desenvolver sistemas de orientação para os profissionais de saúde mental, Meirav foi recentemente premiada pela International Psychoanalytical Association, em reconhecimento ao tratamento de emergência criado para atender esses (e outros) grupos de sobreviventes de tragédias.
Mas há um obstáculo central à plena reabilitação mental da sociedade israelense: o fato de ainda haver 59 reféns sob custódia do Hamas — 24 deles vivos, segundo se sabe. Essa ausência impede o encerramento da experiência traumática e, portanto, a entrada em uma nova fase: a do verdadeiro processo de recuperação.
Quebra-cabeça incompleto
Como em um quebra-cabeça, é preciso reunir todas as peças para que se forme uma imagem completa. Saber que ainda há pessoas reféns de um grupo terrorista sádico mantém a sociedade inteira em estado de urgência sufocante.
Meirav explica esse sentimento com uma analogia vinda da própria história de sua família:
“Meu avô sobreviveu a vários campos de concentração. Ele usou cada milímetro da sua energia para se manter vivo até os últimos dias da guerra, acreditando que reencontraria sua família. Mas, momentos antes da libertação, os nazistas o mandaram para a câmara de gás. Hoje, se não trouxermos nossos reféns de volta, corremos o risco de repetir essa história. A única diferença entre os judeus do Holocausto e os reféns de agora é que Israel existe.”
Eles precisam voltar. Hoje. Agora.
IG Último Segundo