Mabel trabalha em uma empresa que vasculha a internet para remover as piores imagens disponíveis online. Mabel diz que tenta remover as piores imagens de abuso infantil online para ajudar a tornar a internet mais segura
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Em casa, ela é uma avó amorosa que adora brincar com os netos, mas no trabalho Mabel precisa assistir ao conteúdo “abominável”, nas palavras dela, de abuso sexual infantil disponível na internet.
Ela trabalha para uma das poucas organizações autorizadas a pesquisar ativamente conteúdo indecente online, no intuito de ajudar a polícia e empresas de tecnologia a remover as imagens.
A Internet Watch Foundation (IWF) ajudou a tirar do ar um número recorde de quase 300 mil páginas da web no ano passado, incluindo imagens geradas por inteligência artificial (IA), cujo número quase quintuplicou em um ano.
“O conteúdo é horrível, não deveria nem ter sido criado, para começar”, diz Mabel, que é ex-policial.
“Você nunca se torna imune a isso, porque no fim das contas todas essas crianças são vítimas, é abominável.”
Mabel — nome fictício para proteger sua identidade — está exposta a algumas das imagens mais pervertidas e horríveis disponíveis online. Ela afirma que sua família é sua principal motivação para desempenhar esta função.
Mabel, que é natural do País de Gales, se autodenomina uma “disruptora” — porque impede que gangues criminosas compartilhem vídeos e imagens de abuso para ganhar dinheiro.
Mabel faz sessões mensais de terapia para ajudá-la a lidar com o fato de ver algumas das piores imagens online
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Os analistas da IWF trabalham em anonimato para que se sintam seguros e protegidos daqueles que se opõem ao seu trabalho, como as gangues criminosas.
“Não há muitos empregos em que você vai trabalhar de manhã, e faz o bem o dia todo, além de irritar pessoas realmente mal-intencionadas, então eu tenho o melhor dos dois mundos”, afirma Mabel.
“Quando removo uma imagem, estou impedindo fisicamente que pessoas mal-intencionadas acessem essas imagens.”
“Tenho filhos e netos, e só quero tornar a internet um lugar mais seguro para eles”, ela acrescenta.
“Em uma escala mais ampla, colaboramos com as agências de aplicação da lei ao redor do mundo para que possam iniciar uma investigação, e talvez deter as gangues.”
O IWF, com sede em Cambridge, no Reino Unido, é uma das três únicas organizações do mundo com autorização para pesquisar ativamente conteúdo de abuso infantil online e, no ano passado, ajudou a tirar do ar 291.270 páginas da web, que podem conter milhares de imagens e vídeos.
A fundação também informou que ajudou a remover quase cinco vezes mais imagens de abuso sexual infantil geradas por inteligência artificial no ano passado do que no ano anterior — foram 245 em 2024, contra 51 em 2023.
No mês passado, o governo do Reino Unido anunciou quatro novas leis para combater as imagens geradas por inteligência artificial.
Tamsin McNally acredita que o trabalho de organizações como a IWF é mais importante do que nunca
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O conteúdo não é fácil de ver. Tamsin McNally e sua equipe de 30 pessoas sabem bem disso. Mas também sabem que seu trabalho ajuda a proteger as crianças.
“Fazemos a diferença, e é por isso que eu faço isso”, diz a líder da equipe.
“Na segunda-feira de manhã, entrei no canal de denúncias, e havia mais de 2 mil denúncias de membros do público afirmando que haviam se deparado com esse tipo de imagem. Recebemos centenas de denúncias todos os dias.”
“Espero realmente que todos vejam que isso é um problema, e que todos façam sua parte para impedir que isso aconteça.”
“Gostaria que meu trabalho não existisse, mas, infelizmente, enquanto houver espaços online, haverá a necessidade de trabalhos como o meu”, ela avalia.
“Quando conto às pessoas o que eu faço, muitas vezes elas não conseguem acreditar que esse tipo de trabalho existe. Depois, elas perguntam: por que você quer fazer isso?”
Muitos moderadores de empresas de tecnologia entraram com processos na Justiça contra as companhias, alegando que o trabalho havia destruído sua saúde mental — mas a fundação afirmou que seu dever de cuidado era “padrão ouro”.
Os analistas da instituição fazem terapia mensal obrigatória, reuniões de equipe semanais e contam com apoio regular ao bem-estar.
“Há essas coisas formais, mas também informais — temos uma mesa de sinuca, jogos, quebra-cabeças, sou uma grande fã de quebra-cabeças —, onde podemos fazer uma pausa, se necessário”, acrescenta Mabel.
“Todas essas coisas combinadas ajudam a nos manter aqui.”
A BBC conversou com a equipe da IWF em uma visita a seus escritórios em um complexo empresarial tranquilo e arborizado nos arredores de Cambridge
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A IWF tem diretrizes rígidas que garantem que telefones pessoais não sejam permitidos no escritório ou que qualquer trabalho, inclusive e-mail, não seja levado para fora.
Apesar de ter se candidatado para trabalhar lá, Manon — nome fictício para proteger sua identidade — não tinha certeza se era um trabalho que ela conseguiria fazer.
“Eu não gosto nem de assistir a filmes de terror, então não tinha certeza se seria capaz de fazer o trabalho”, conta Manon, que tem vinte e poucos anos.
“Mas o apoio que você recebe é tão intenso e abrangente que é reconfortante”, ela acrescenta.
“De qualquer forma, você está tornando a internet um lugar melhor, e acho que não há muitos empregos em que você possa fazer isso todos os dias.”
Ela estudou linguística na universidade, o que incluiu trabalhos sobre linguagem online e aliciamento, e isso despertou seu interesse pelo trabalho da fundação.
“Os criminosos podem ser descritos como tendo sua própria comunidade — e, como parte disso, eles têm sua própria linguagem ou código que usam para se esconder à vista de todos”, explica Manon.
“Poder aplicar o que aprendi na universidade em um cenário do mundo real, e conseguir encontrar imagens de abuso sexual de crianças, e impedir essa comunidade, é realmente satisfatório.”
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