Ligada ao SUS (Sistema Único de Saúde) e gerida pela Secretaria de Saúde de São Paulo, a Rede Lucy Montoro vai começar a usar exoesqueletos. Adquiridos por US$ 200 mil, os equipamentos permitem que pacientes com deficiências motoras severas andem, agachem, se movam para os lados e até subam degraus.
Os modelos são do mesmo tipo que viralizou ao ser usado pela senadora Mara Gabrilli (PSD), que ficou tetraplégica em 1994 após sofrer um acidente de carro.
A tecnologia que chegará até o final de junho à instituição especializada em tratamentos avançados de reabilitação em São Paulo foi desenvolvida pela startup francesa Wandercraft.
A parlamentar falou a Tilt sobre como usar o exoesqueleto a fez reviver memórias e levou “de volta ao passado, quando corria maratonas”.
É como se meu corpo reconhecesse o movimento e estivesse pronto para andar novamente depois de 28 anos do acidente que me deixou tetraplégica. A sensação pode ser resumida em uma palavra: liberdade Mara Gabrilli, senadora (PSD)
A experiência fez Gabrilli refletir a respeito de sua condição e como ela se conecta com a forma como nós nos enxergamos. A história humana, inclusive do ponto de vista evolutivo, possui relação direta com a possibilidade de ficar de pé, diz ela. Não por acaso, os seres humanos são bípedes, acrescenta.
Ela vê com bons olhos que governos estaduais pelo Brasil afora possam seguir a atitude de São Paulo e implementem exoesqueletos.
Quando a gente investe em saúde e qualidade de vida entre a população, estamos também cuidando dos cofres públicos. Investir em tecnologia de saúde garante sustentabilidade para o nosso SUS. É olhar para a saúde como um todo. Gestores públicos com essa visão vão trabalhar para ter exoesqueletos em seus centros de reabilitação Mara Gabrilli
A mágica por trás exoesqueleto
Os modelos que chegarão ao Brasil chamam-se Atalante. Com vida útil projetada de cinco anos, os aparelhos podem ser usados por pacientes de até 90 kg. Eles funcionam assim:
- Trajes robóticos, os exoesqueletos são acoplados ao corpo humano para reativar e ajudar na movimentação;
- Quando “veste” o exoesqueleto, o usuário dispensa andadores e conta com um sistema de controle de equilíbrio que dá maior estabilidade. Ainda que se incline, o paciente não vai cair porque o robô mantém seu equilíbrio;
- O equipamento é programado para funcionar base nos objetivos do paciente;
- A tecnologia usa a força do próprio corpo para permitir que o paciente ande; o modelo não funciona com captação de impulsos cerebrais, já que não há eletrodos conectados ao cérebro.
- Pode ser usado por pessoas com lesão medular, Parkinson, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, traumatismo cranioencefálico, entre outras doenças ou condições que impactam os movimentos.
É uma estrutura mutável personalizada para o paciente com base na altura e no comprimento da perna, com 12 graus de liberdade e movimento motorizado de assistência variável. Os algoritmos de firmware e software são uma tecnologia inteligente que cria uma marcha cinemática ou fisiológica correta para pacientes com base em suas medições Gary Viles, vice-presidente de operações comerciais da Wandercraft nas Américas
O exoesqueleto pode virar um equipamento de uso pessoal?
As configurações personalizadas para cada paciente são feitas no tablet com sistema “WanderTouch”. Nele é possível verificar a quantidade de passos, as vezes em que agacharam, tempo de uso e até qual perna necessitou de mais assistência.
Demorou mais de dez anos para chegar onde estamos e seis anos para chegar ao ponto de conseguir levantar o primeiro paciente da posição sentada com segurança. A versão de hoje levou uma quantidade enorme de engenharia, testes, validação e estudos clínicos para provar a viabilidade e usabilidade Gary Viles
A tecnologia não está disponível em larga escala. Linamara Rizzo Battistella, professora da USP e idealizadora da Rede Lucy Montoro, aponta que o desejo é no futuro permitir que pacientes levem exoesqueletos para casa da mesma forma como ocorre hoje com cadeiras de rodas motorizadas.
“Por enquanto, é uma tecnologia de treinamento para desenvolvimento da melhora clínica. Mas no futuro será um equipamento de uso pessoal”, diz Battistella.

Mara Gabrilli
Imagem: Divulgação
Indicada para pacientes adultos, a versão do exoesqueleto usada pesa entre 8 kg e 9 kg. “Há significativamente mais pacientes adultos com lesões e doenças neurológicas do que pacientes pediátricos”, afirmou Viles, da Wandercraft.
O futuro: produção no Brasil?
Para Linamara Rizzo Battistella, os custos —US$ 200 mil pelos dois exoesqueletos— são altos por se tratar de ferramentas ainda muito ligadas à pesquisa e em poucas unidades.
Efetivamente este não será o valor final. Foi algo que coloquei como ponto de honra junto ao fabricante. Não posso negar o conhecimento que foi colocado no equipamento, mas precisamos ver como trazer esse produto a um custo ajustável para o sistema público Linamara Rizzo Battistella, idealizadora da Rede Lucy Montoro
Para a professora, um mercado competitivo é essencial para o campo da pesquisa. Tanto é que ela propõe que a produção seja feita no Brasil para baratear a ferramenta e torná-la mais acessível. “Nós temos tecnologia e material para isso.”
Se eles [a Wandercraft] não quiserem produzir no Brasil, nós vamos fazer os nossos. A gente produz aviões, não vamos produzir exoesqueletos? Eles fizeram um modelo que é maravilhoso, mas quem fez a primeira geladeira não evitou que outro fornecedor também fizesse. foi a mesma coisa com o Henry Ford e os carros Linamara Rizzo Battistella
A médica pontua ainda que o manuseio do exoesqueleto exige um treinamento, que depende de tempo de adaptação, mas que, no caso da Rede Lucy Montoro, os profissionais já estão preparados para operar a tecnologia francesa.
A Wandercraft está atualmente trabalhando em uma versão pessoal que pode ser levada para casa. Além de Estados Unidos, França e agora Brasil, a empresa pretende expandir seu mercado e levar o exoesqueleto para a Alemanha e Espanha.