A ficção soviética e a realidade do Brasil


Filme de Andrei Tarkovsky mostra um mundo poluído e onde se morre facilmente

No último fim de semana resolvi assistir a uma das obras primas do cinema da antiga União Soviética. O filme era “Stalker” do cineasta Andrei Tarkovsky. Um clássico da ficção científica filmado entre as ruínas da poderosa União Soviética. Estranhamente, muitas das imagens desse filme de ficção apocalíptico me fizeram pensar no Brasil de hoje. Parece que não importa se o regime é de esquerda ou de direita, os estragos que ele causa são sempre parecidos.

Morto prematuramente, Tarkovsky foi um cineasta aclamado no mundo inteiro. E até hoje o cinema de Hollywood tenta copiar seus filmes sem muito sucesso. Sua primeira ficção científica, Solaris, teve um remake com o George Clooney, dirigido pelo Steven Soderberg. Não ficou melhor do que o original. “Stalker” ganhou uma imitação americana, chamada “Aniquilação”, estrelada pela Natalie Portman. E o que era um drama psicológico na versão original virou simplesmente um “filme de monstro” cheio de efeitos especiais.

Tarkovsky não gostava de efeitos especiais, ainda que tenha usado alguns em “Solaris”. Em Stalker ele resolveu abolir as trucagens e filmar tudo ao vivo num cenário de ruínas abandonadas. Primeiro ele pensou em rodar o filme em uma mina que não estava mais sendo explorada. Mas houve um terremoto imprevisto e a mina desmoronou. Daí que ele mudou sua locação para uma usina hidroelétrica desativada, na Estônia, que, em 1979, quando o filme foi produzido, era parte da antiga União Soviética. Na mesma região havia uma fábrica de produtos químicos e um rio poluído que também viraram cenários do filme. O lugar estava tão cheio de venenos que o cineasta, e alguns dos atores, morreram de câncer alguns anos depois. E há quem diga que a doença foi provocada pela contaminação durante as filmagens de Stalker.

Os comunistas soviéticos tinham um descaso pelo meio ambiente muito semelhante ao dos capitalistas brasileiros. Quando vi as imagens do rio poluído, cheio de uma espuma química no filme do Tarkovsky, lembrei logo do nosso rio Tietê. Se estivesse vivo hoje em dia, e resolvesse fazer um remake do Stalker, Tarkovsky poderia vir filmar em São Paulo, com menos riscos do que na Estônia soviética. O único problema é que hoje o Brasil é o centro de uma epidemia, com meio milhão de mortos, e viver aqui ficou tão perigoso quanto morar em Chernobyl, que foi outro dos desastres soviéticos.

Mas voltemos ao filme do Tarkovsky. O Stalker do título é um guia que leva exploradores para uma região abandonada e muito perigosa. Um fenômeno desconhecido veio do espaço sideral e caiu naquele lugar, alterando a estrutura do espaço e do tempo. E o lugar passou a ser chamado de “zona”. O governo achou que o fenômeno era uma invasão alienígena e mandou soldados e tanques para o local. Mas eles nunca mais voltaram, morreram consumidos pela zona. Todavia, muitos curiosos conseguiram entrar naquele lugar e sobreviveram. Voltaram falando de uma sala mágica que existe no centro do fenômeno, onde todos os desejos são atendidos. O que levou outras pessoas a contratarem guias especializados, os Stalker, para atravessar os perigos da zona e chegar na sala dos desejos.

O filme narra uma dessas expedições onde o guia é contratado por um cientista e por um escritor desiludido que querem alcançar seus desejos ocultos. Ao contrário dos filmes modernos, Stalker é lento e cheio de diálogos filosóficos. Onde o escritor e o cientista discutem o sentido da vida e os problemas da sociedade moderna. A geração atual, acostumada com filmes feitos para pessoas com déficit de atenção de uma criança de quatro anos, provavelmente dormiria num filme desses. Mas é uma das obras primas do cinema e mostra que nossa realidade já esta muito perto do que era ficção no século passado.

Stalker: Nas ruínas da União Soviética





Fonte: Diário do Vale