‘Vou cantar-te nos meus versos’; Cristo Redentor inspirou clássicos da música brasileira


RIO — Cidade de inquestionável vocação musical, o Rio de Janeiro é berço de diversos ritmos que ajudaram a moldar a alma brasileira — como o samba, a bossa nova, e o funk. O Cristo Redentor, maior símbolo da carioquice, é um “muso” inspirador para muitos compositores e é frequentemente enaltecido em versos de canções antigas e novas, o que comprova que o “Noventão” continua encantando poetas e artistas com a sua singular beleza.

Oito anos após a inauguração da estátua que, de braços abertos, abençoa a cidade, o cantor Francisco Alves lançou, pela gravadora Odeon, a marchinha “Cidade Brinquedo”, cuja composição é de Silvino Neto e Plínio Bretas. Animada e altiva, a canção enaltece o monumento: “O Cristo Redentor é uma medalha pequenina no rosário imenso da colina…”

Depois, nos anos dourados da Bossa Nova, o Cristo foi homenageado pela perfeccionista e minimalista arte de João Gilberto. O cantor lançou, em seu segundo álbum, a canção “Corcovado”, de Tom Jobim, referência ao morro que serve de pedestal ao Redentor. Junto com a Bossa Nova, a música ganhou o mundo, e tem uma versão em inglês, “Quiet Nights”, que foi interpretada pela então esposa de João Gilberto, Astrud Gilberto.

Ainda passeando pelo ritmo da bossa, em 1963 é lançado o “Samba do Avião”, composição e interpretação de Tom Jobim, artista mais famoso dentro e fora do Brasil na segunda metade do século XX. Trata-se de uma declaração de amor à cidade, a letra relata a experiência feliz e prazerosa de quem está pousando no Rio e avista o Cristo, que recepciona quem chega à cidade, como num abraço.

No carnaval, o monumento mais famoso do país também surge e sambas e marchinhas. Em 1963, por exemplo, o Império Serrano, tradicional agremiação de Madureira, apresentou o enredo “Rio de ontem e de hoje ou Exaltação a Mem de Sá”. No samba-enredo, que enaltece as maravilhas do Rio, tem um trecho afirmando que a cidade é abençoada pelo Cristo Redentor.

O belo monumento fica marcado na memória de todos que com ele se encontra, prova disso é o Gilberto Gil, ao retornar do exílio, no começo da década de 1970, lançou o disco “Expresso 2222”, que tem uma música homônima no álbum citando a imagem.

Gilberto Gil e a filha Preta Gil no Cristo Redentor 29-09-2017
Gilberto Gil e a filha Preta Gil no Cristo Redentor 29-09-2017 Foto: Reginaldo Teixeira

Essa canção é uma homenagem ao trem pego por ele para sair da cidade onde morou na infância, Ituaçu, interior da Bahia, em direção a capital Salvador. Na letra, Gilberto Gil expressa a sua adesão as vanguardas estrangeiras e faz menção à estátua: “Dizem que parece o bonde do morro do Corcovado daqui. Só que não se pega e entra e senta e anda, o trilho é feito um brilho que não tem fim”.

Presença cotidiana na vida de muitos cariocas, o Cristo é citado em canções que tratam das mudanças da cidade. Na canção “Carta a Tom 74”, escrita por Vinícius de Moraes e musicada por Toquinho, se rememora as características do apartamento, em Ipanema, na Zona sul do Rio, onde Tom Jobim morou e compôs diversas obras, a letra trata, inclusive, das mudanças do bairro que, com o seu crescimento vertical, o impediu de ver o Cristo Redentor da janela.

Já com cinquenta anos, o Cristo Redentor foi citado de maneira crítica pelo Rock Brasil nos anos de 1980, período da redemocratização. Em “Alagados”, por exemplo, o Cristo Redentor é comparado com a elite carioca: “A cidade que tem seus braços abertos no cartão-postal, mas com os punhos fechados na vida real”.

Já com Cazuza, o Cristo, que é citado em um dos álbuns mais politizados do artista, é apresentado como um “cicerone” dos brasileiros desesperançados pela pobreza. Na letra, Cazuza, em parceria com Gilberto Gil, questiona a proteção do Redentor: “Estranho o teu Cristo, Rio, que olha tão longe, além. Braços sempre abertos, mas sem proteger ninguém”.

Belchior também fez sua homenagem ao monumento mais famosos do Brasil. Em “Paralelas”, canção presente no disco “Coração Selvagem“, de 1977, o cearense de Sobral escreve um dos versos mais bonitos em referência a uma das sete maravilhas do mundo contemporâneo: “No Corcovado quem abre os braços sou eu”.

Em 2006, Chico Buarque lança o disco “Carioca”, em que homenageia sua cidade natal. Na faixa 1, “Subúrbio”, ele descreve a região que nada tem a ver com a “Cidade Maravilhosa”, e acrescenta que “Lá até Jesus está de costas”, ressaltando o fato de que a imagem do Cristo Redentor está voltada de frente para a Zona Sul e de costas para a Zona Norte.

Papa Francisco em visita ao Rio em 2013
Papa Francisco em visita ao Rio em 2013 Foto: Jorge Saenz

E, por fim, a visita do Papa Francisco por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, em 2013, teve um hino que canta o gesto de acolhida do Cristo Redentor. A música, composta por Irmã Miria Kolling, afirma que o povo brasileiro acolhe o Pontífice com amor, como o Cristo, que está no alto do corcovado, de braços abertos como que para um caloroso abraço.





Fonte: G1