Reconhecida nacionalmente pela educação de excelência, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) também é conhecida por ser a primeira universidade pública a implementar o sistema de cotas raciais no Brasil. No entanto, a política pública instaurada pela faculdade, e replicada por todo o país, tem recebido ataques racistas. Na última semana, dois casos de racismo aconteceram no campi da UERJ de São Gonçalo – destinada para a formação de professores -, o que tem trazido desconforto aos servidores e alunos da faculdade.
De acordo com a diretora da unidade, Ana Santiago, os dois recentes casos têm direta relação com as cotas raciais. O primeiro caso, que aconteceu na última sexta-feira, (6) foi dentro de uma sala de aula, onde uma aluna teria sido vítima de ofensas racistas vindas de outra aluna.
“Aconteceu em sala de aula, tem várias testemunhas. Uma aluna que fez menção a questão das cotas numa discussão com outra aluna”, iniciou a diretora. “A aluna desceu, foi para a nossa assistência social e fizemos a orientação legal. Antes de mais nada, se ela entendeu que a questão foi racial, se foi uma manifestação de discriminação racial, era importante ela fazer o registro na polícia. Muito aflita e impactada, ela não quis ir na sexta-feira, aí foi na segunda-feira com a assistente social acompanhando e o professor que estava na sala de aula. Então, essa primeira etapa da assistência é que foi dada.”, explicou Ana.
Ainda segundo Ana Santiago, já foi iniciado um protocolo interno para apurar este primeiro caso também dentro da universidade. ‘A segunda etapa foi que pedimos para ela protocolar internamente o acontecido, entregou junto com a cópia do B.O. E aí vamos começar a tramitar a situação”, completou.
Na quarta-feira (10), enquanto discutia o assunto com o conselho departamental da unidade, a diretora foi surpreendida com mais um caso de racismo, esse que tomou conhecimento da comunidade e foi parar nas redes sociais.
Adesivos com mensagens discriminatórias foram colados no banheiro masculino | Foto: Divulgação
“Ontem [quarta-feira], nós tivemos reunião com o conselho departamental da unidade, que é a maior instância decisória da unidade, nós levamos o caso e, quando estávamos falando da situação, mandaram para a gente a foto do cartaz que estava dentro do banheiro masculino. Imediatamente, eu pedi para o administrador sair do conselho e ir ao banheiro e já não estava lá.”, explicou Ana sobre o segundo caso.
De acordo com Ana, já foram separadas as imagens de câmera de segurança que dão acesso ao banheiro masculino e outras providências estão sendo tomadas. “Agora, nós separamos a imagem da câmera que dá acesso ao banheiro, sabemos mais ou menos o intervalo de hora que isso aconteceu e vamos ter também que perguntar para a reitoria quais encaminhamentos nós temos que tomar porque nossa maior preocupação é não cometer equívoco”.
A diretora vê os ataques às cotas raciais como uma negação aos dados que comprovam o sucesso da implementação da política na universidade.
“A cota é uma luta antiga, como os próprios alunos falam: ‘cota não é esmola’. A cota é uma política pública de reparação social, e as pesquisas realizadas na UERJ sobre os resultados das cotas mostram o sucesso. Agora, sucesso para quem? Sucesso para quem, durante séculos, se viu alijada do espaço público de formação universitária. Então, muitos descontentes são aqueles que estão se sentindo prejudicados, mas o rendimento, a participação… tem dados que mostram que a cota é irrefutável em termos de política pública bem sucedida. A cota é um sucesso como política pública.”
No Facebook, o Conselho Departamental da FFP divulgou uma nota de repúdio sobre os casos de racismo e ataque às cotas raciais e informando que a direção está tomando as medidas cabíveis dentro do processo.
Confira na íntegra a nota divulgada pela UERJ FFP:
“A Constituição de 1988 é um divisor de águas contra a discriminação no Brasil.
O Art. 3º, inciso IV, estabelece que “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. OArt. 5º afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Em função dessas diretrizes gerais, inúmeras leis foram promulgadas ao longo dos anos para garantir esses princípios e direitos. A Universidade Pública tem como função social fundamental defender esses princípios.
Infelizmente, a legislação, fruto da luta social, ainda não garantiu que a sociedade brasileira assuma, na sua integralidade, a igualdade como princípio. A luta, portanto, persiste e deve ser contínua até que a discriminação, em todas as suas formas, seja aniquilada do convívio social.
Nesse sentido, os recorrentes episódios de discriminação vivenciados na FFP são extremamente graves, incompatíveis com a legislação, com o ambiente acadêmico e com princípios éticos.
A Direção da FFP, no Conselho Departamental reunido em 10 de agosto de 2022, informou à Comunidade acadêmica as ações institucionais tomadas, destacando as orientações de registro de ocorrência do ato (acompanhado pela Assistente Social e por Docente) e o apoio ao ato de repúdio realizado no dia 09 de agosto.
Além disso, recebido o registro interno e a cópia do Boletim de Ocorrência, encaminhará a documentação, via SEI, para a reitoria, PR1, PR4 e Procuradoria, solicitando orientação sobre o encaminhamento institucional a ser dado.
Ressaltamos, na referida reunião, que infelizmente não existe normativa interna para a apuração da conduta de alunos. A existência de uma regulamentação que estabeleça procedimentos de apuração (sindicância), inquérito e níveis de punição urge ser debatida e aprovada. Tal inexistência exige que a direção da Unidade consulte a Administração Central sobre os procedimentos frente aos flagrantes delitos.
Em flagrante sinal de agressão e enfrentamento, um cartaz racista e criminoso foi afixado na unidade durante a reunião do Conselho Departamental. Intolerável!
O Conselho Departamental deliberou, a partir desses esclarecimentos e contexto, por uma moção de repúdio a qualquer ato discriminatório nas dependências da FFP.
A Direção e o Conselho Departamental se comprometeram em atuar para coibir e punir os responsáveis por qualquer atitude discriminatória na FFP, obedecendo aos trâmites legais.
Exaltamos o compromisso político e institucional das universidades públicas e, historicamente da UERJ, em defesa da diversidade humana.
Não há espaço para discriminação no Brasil!
Não há espaço para discriminação na Universidade Pública!
Não há espaço para a discriminação na FFP!
Direção da FFP
Conselho Departamental da FFP”
Fonte: O São Gonçalo