Tentativa da Prefeitura do Rio de vender escola em Copacabana pode acabar nos tribunais


“Eu me sentia uma princesa, dentro de um castelo, quando eu estudava aqui. Foram vários sonhos realizados nesta escola. Eu estudei, me formei, os meus filhos também passaram por aqui e agora os meus netos estudam aqui. São três gerações de Cícero Penna. Uma vida inteira. A única coisa que espero é que eles não cometam essa doideira de derrubar uma escola para construir prédio. Isso seria acabar com a história do nosso bairro e da nossa cidade. Seria também um tremendo desrespeito com todos nós”. O discurso, com os olhos marejados, é da pedagoga Madalena Maria Santana Gomes Araújo, de 63 anos. Sentada em um dos bancos de cimento em frente à Escola municipal Cícero Penna, na Avenida Atlântica, em Copacabana, ela foi uma das 21 crianças do Jardim de Infância em uma das turmas em 1962. Então com 4 anos, dona Madalena só ficou na unidade de ensino por um ano. Mudou-se de escola, mas fez questão de educar seus três filhos no mesmo local. Hoje, ela teme que a escola venha a baixo após a decisão da Prefeitura do Rio de colocar o imóvel à venda.

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Assim como dona Madalena, ex-alunos, pais e responsáveis pelos estudantes da Cícero Penna passaram a peregrinar em frente à unidade de ensino desde que a venda iminente veio à tona. Sem respostas, eles se limitam a admirar o casarão histórico e imploram para que a negociação do espaço não seja concretizada. Enquanto isso, a Sociedade Amigos de Copacabana, a associação de moradores do bairro, se articula em várias frentes para frear, inclusive na Justiça, a intenção de Eduardo Paes (DEM) de se desfazer do terreno doado pelo médico Theodorico Cícero Ferreira Penna, em 1920. De acordo com o testamento, o poder público teria de usar a benfeitoria como espaço educacional. Pais e moradores do bairro também criaram um abaixo-assinado que será entregue à Câmara dos Vereadores nos próximos dias.

– Eu recebo essa notícia com uma tristeza muito grande. Dói na alma saber que estão destruindo sonhos. Destruindo o futuro de crianças, muitas delas com neurodivergência (enfermidades como dislexia, autismo, déficit de atenção, transtorno obsessivo-compulsivo e psicose). A escola cuida muio bem dessas crianças e adolescentes. Vão interromper o tratamento? – questiona dona Madalena, que completa:

– A minha filha tem autismo e estudou aqui na década de 1990. Foi naquela época que a (Escola) Cícero Penna começou esse movimento inclusivo. Os alunos não são separados. O serviço é maravilhoso. O que vão fazer com essas crianças? Mandá-las para outros bairros seria um prejuízo educacional e social. Como vamos explicar para uma criança com autismo, por exemplo, que ela nunca mais vai ver o amiguinho porque a escola foi vendida? Aqui,essas crianças já estão adaptadas. Peço que o prefeito Eduardo Paes tenha consciência e pena.

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Já o secretário municipal de Fazenda e Planejamento, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, tem argumentado que a prefeitura tem o direito de administrar da forma mais racional seu patrimônio, e que outra escola seria construída. Mas não se sabe onde nem quando ela seria erguida. Para vender o imóvel, é necessária a autorização da Câmara dos Vereadores, onde a proposta já enfrenta resistências. O presidente da Câmara, Carlo Caiado (DEM), e o vereador e ex-prefeito César Maia (DEM) apresentaram projeto propondo o tombamento da escola. Até agora, 37 vereadores já assinaram a proposta.

O projeto foi publicado no Diário Oficial, nessa quarta-feira. No entanto, a votação ainda não foi pautada na Câmara. Fontes afirmam que a discussão “não deve demorar, já que (a proposta) é do (Carlo) Caiado e ele, como presidente, controla a pauta”. A expectativa é que a proposta de tombamento seja votada já na próxima semana.

Herdeiros na briga: Descendentes de Cícero Penna vão tentar impedir que prefeitura venda escola em Copacabana

A expectativa é que os vereadores pró-tombamento se valham de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2017, que mudou de posição no que se refere à possibilidade de tombamento por iniciativa do Poder Legislativo. Enquanto não se tem uma decisão sobre o prédio, a associação de moradores estuda ajuizar uma ação na Justiça para impedir o desejo de Paes. A disputa pode parar nos tribunais.

– Estamos analisando uma judicialização e uma representação no Ministério Público. Entendemos que existe uma violação da última disposição legal do antigo proprietário. Ele doou esse terreno para a prefeitura com a condição de que fosse (usado como) uma escola. Eu entendo que é uma violação da última vontade do falecido. Anos depois da doação o município resolve mudar sua destinação? – afirma Horário Magalhães, presidente da associação de moradores de Copacabana: – Independentemente de questão jurídica, é uma falta de respeito com a vontade do doutor Cícero Penna, que fez a doação com motivação educacional.

Mães têm medo de que filhos fiquem sem estudar

Cerca de 660 alunos estudam na Escola municipal Cícero Penna, somando os três turnos. Atualmente, 20 crianças autistas recebem atenção especial na unidade de ensino. Uma delas é Guilherme Souza Petiche Moreira, de 11 anos. Ele mora com a mãe, a desempregada Maria Elisabete da Silva Souza, de 40 anos, na comunidade da Ladeira dos Tabajaras. Guilherme necessita de uma mediadora, o que a escola disponibiliza. Hoje, dona Beth teme que o filho seja deslocado para outra escola e não receba o carinho e a atenção necessários. Nesta quarta-feira, segurando um pequeno cartaz, mãe e filho pediam que o espaço não fechasse as portas.

– Eu estou muito triste, chocada e preocupada. Aqui foi um acolhimento para o meu filho e é aqui ele está começando a aprender as coisas: a ler, escrever e ter mais atenção. Para ele não é fácil. Até ele aprender as coisas é muito complicado – diz Beth, que completa:

– Aqui o meu filho tem amigos, professores excelentes. Fico muito preocupada, porque não sei onde vão colocar essas crianças. Aqui ele já tem uma mediadora. Será que na outra escola terá? Ao invés de vender, porque eles não constroem? Existem muitos prédios em Copacabana. Pra que derrubar uma escola para construir mais (prédios)? Não queremos a venda da escola. Escola não se vende, não se derruba. Peço que o prefeito raciocine.

Neimar da Silva e a filha Mariana Aparecida da Silva, de 9 anos
Neimar da Silva e a filha Mariana Aparecida da Silva, de 9 anos Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Na eventualidade de o imóvel ser vendido, o comprador poderia demolir o prédio (que tem três pavimentos) e construir um edifício de até 12 andares no lugar. O mercado imobiliário estima que o consumidor final pague cerca de R$ 30 mil pelo metro quadrado de um imóvel novo, já que não existem terrenos disponíveis hoje na Avenida Atlântica. Além da escola, a prefeitura pediu autorização para vender a casa que serviu de escritório para o senador Afonso Arinos e a sede da Secretaria municipal de Transportes, em Botafogo, e o Centro Esportivo Didi, na Avenida Balthazar da Silveira, no Recreio dos Bandeirantes.

— A prefeitura precisa de recursos. A escola seria realocada em um outro local com melhores instalações. O que estamos fazendo é dar uma melhor destinação ao nosso patrimônio — argumenta o secretário municipal de Fazenda, Pedro Paulo Carvalho Teixeira.

Nesta quarta-feira, a aposentada Neimar da Silva, de 60 anos, esteve no local para saber se a escola seria vendida. Foi informada de que a direção da instituição não poderia passar detalhes. Ela e a filha, a pequena Mariana Aparecida da Silva dos Passos, de 9 anos, voltaram para casa frustradas e com medo de uma possível mudança. A menina estuda na escola desde a educação infantil.

– Jamais eu poderia levar ela para estudar em outro bairro. Eu e o meu marido recebemos um salário mínimo cada e não teremos como pagar ônibus ou vans para levar ela para outra unidade de ensino. Não temos idade para pegar o vale idoso. A escola aqui é bem situada. Eu deixo a Mariana aqui e eu fico tranquila. Aqui eu sei que ela está bem. Eu não gostaria que essa escola fechasse. Eles já tinham mandado um e-mail para a gente ontem e hoje eu vim saber se era verdade. Espero que não vendam – destacou.

Karem Cristina Rodrigues Macedo, mãe de aluno da Cícero Penna
Karem Cristina Rodrigues Macedo, mãe de aluno da Cícero Penna Foto: Fabiano Rocha

Em conversa com a reportagem, funcionários da Escola Cícero Penna se dizem chateados com a postura do secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha Carneiro. É que, segundo eles, Ferreirinha não teria adotado uma posição mais incisiva para evitar que a escola seja vendida. O corpo técnico da escola está apreensivo com o possível despejo.

– A população local será a mais prejudicada. Principalmente os alunos com autismo. O que mais choca é a postura do secretário, que está inerte. Ele é tão a favor da educação que está calado. Uma escola com mais de 600 alunos está na iminência de ser fechada e ele segue mudo. Não fala nada – diz um funcionário.

Outro completa:

– A gente tenta acalmar os pais. Não sabemos o que será da escola amanhã. Vai ser um episódio lamentável a demolição de uma escola, para o município e para a gestão do Ferreirinha – diz outro servidor.

Procurado, Ferreirinha não comentou o caso.

A economista Giselda Marcolino
A economista Giselda Marcolino Foto: Fabiano Rocha

Abaixo-assinado

Desde a última segunda-feira, muitos pais, moradores e comerciantes de Copacabana passaram a distribuir pelas redes sociais um abaixo-assinado contra a venda da escola. Encabeçado pela economista Giselda Marcolino, que mora na Rua República do Líbano, a poucos passos do colégio, a petição já chegava a mais de 6.500 assinaturas nesta quarta-feira. O material será encaminhado para a Câmara dos Vereadores.

A economista critica a decisão de Eduardo Paes:

– Quando eu soube dessa vontade (de vender a escola) eu fiquei muito preocupada e chateada. Essa escola deve atender também até a classe média, já que ela é uma boa unidade de ensino. Mas, a massa que estuda lá é de crianças de comunidades da Ladeira dos Tabajaras (Copacabana) e Chapéu Mangueira (Leme). O prefeito vai construir outra escola onde? Aqui em Copacabana a coisa mais difícil é conseguir um terreno, por isso que ali custa milhões. Primeiro porque é num dos lugares mais nobres do Rio e segundo porque não tem espaços como aquele. Mesmo com a proposta dele de se fazer, que é transferir as crianças para outro lugar? Que outro lugar? Sabemos que esse outro lugar jamais será próximo a residência desses alunos. São crianças pequenas e que ficam na escola praticamente o dia todo para suas mães trabalharem. Por isso eu resolvi movimentar a causa. Ali é um espaço que vale milhões. Mas, poderá gerar bilhões para o município se formar crianças e jovens.

A fachada da Escola municipal Cícero Penna
A fachada da Escola municipal Cícero Penna Foto: Fabiano Rocha



Fonte: G1