Sem água, moradores do Rio usam fonte pública, reservatório de piscina e carro-pipa


A dona de casa Eva Maria de Carvalho, de 55 anos, tem precisado sair de casa todos os dias, caminhar cerca de 400 metros e carregar dois baldes d’água de uma fonte no Largo do Pedregulho, em Benfica, Zona Norte do Rio. Na Rua Marechal Aguiar, moradores também estão sem receber água nas torneiras há duas semanas. A professora Fátima Bastos, de 66 anos, tem usado a água armazenada na piscina para amenizar o problema. Mesmo assim, as dificuldades ainda são muitas: a mãe de Fátima, com 89 anos e a saúde bastante debilitada, precisa de cuidados médicos com atendimento de home care.

— As enfermeiras chegam à minha casa e não podem tomar banho, o que deveria ser o certo devido à pandemia de Covid-19. Olha o risco que estamos correndo — alerta Fátima, que revela ainda a dificuldade para comprar carro-pipa. — Os preços subiram, quase dobraram. O primeiro custou R$ 250. O segundo que tentamos comprar já estava por R$ 700. Mas a empresa acabou cancelando a entrega depois. Com isso, o tempo de espera está bem maior. Achamos hoje um por R$ 450. Na Cedae, o carro-pipa é prometido para daqui a cinco dias.

A professora Fátima usa água da piscina nos vasos sanitários de casa
A professora Fátima usa água da piscina nos vasos sanitários de casa Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Apesar do desabastecimento na rua, um funcionário da Cedae esteve no local na manhã desta sexta-feira para realizar a medição dos hidrômetros. Na casa do técnico em eletrônica Rafael Garcia, de 38 anos, a pia cheia de louças acumuladas é o retrato da crise trazida pela falta d’água. Na rua, o preço médio da conta é de R$ 120/mês.

— É até vergonha dizer, mas ontem (quinta-feira) eu não consegui tomar banho. Não tinha uma gota d’água. Tenho dois filhos pequenos e é ainda mais complicado. Já fiquei acordado uma madrugada inteira para ver o horário em que a água ia cair. Foi 4h30, e durou cerca de 20 minutos só. E para piorar ela veio um fio, fraquinha — conta Rafael.

Rafael não consegue tomar banho e nem lavar as louças em casa
Rafael não consegue tomar banho e nem lavar as louças em casa Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Crise da água além da pandemia de Covid-19

Com problemas de abastecimento que atingem pelo menos 17 bairros do Rio, além da cidade de Nilópolis, Baixada Fluminense, moradores têm se virado para cumprir as atividades. É com a água que sai da fonte no Largo do Pedregulho que a dona de casa Eva Maria toma banho e lava louças. Para cozinhar e beber, compra água mineral.

— É muito sacrifício. Eu estava indo na casa de parentes, em Vila Isabel, tomar banho e trazia água de lá para abastecer em casa. Agora, venho aqui todos os dias para encher os baldes. Isso é um absurdo. Eles não cumprem com a obrigação do abastecimento, mas nós temos que pagar a conta todo mês. É tudo muito errado — diz.

O comerciante João Vicente Sobrinho, de 49 anos, é dono de um bar em Benfica, na Rua São Luiz Gonzaga. Ele acreditou que o momento seria de retomada profissional. Mas os últimos dias têm sido difíceis.

— Passei meses com o meu bar fechado e sem trabalhar. Passada parte dessa crise, vem agora a Cedae e complica mais. Essa água aqui da fonte é para lavar as louças, usar no vaso sanitário e limpar o chão. Para cozinhar e beber, compro água. Foram R$ 200 nos últimos 15 dias — conta ele, que carrega, numa bicicleta, 30 baldes por dia.

Clínica da família sem água

No bairro São Francisco Xavier, Zona Norte do Rio, a Clínica da Família Dona Zica está sem fornecimento regular de água há cerca de dez dias. Desde então, segundo funcionários, a Organização Social (OS) que administra a unidade comprou dois carros-pipa. Mas no início da tarde desta sexta-feira, por volta das 14h, foi um caminhão da Cedae que descarregou 15 mil litros de água na cisterna da clínica.

— A água cai durante poucos minutos do dia e mesmo assim ela vem sem força nenhuma, aí não conseguimos armazenar. Estamos usando carro-pipa desde então — conta uma funcionária, sem se identificar.

Caminhão-pipa da Cedae abastece clínica da família que está sem água
Caminhão-pipa da Cedae abastece clínica da família que está sem água Foto: Diego Amorim / Agência O Globo

A Secretaria municipal de Saúde (SMS) do Rio informa que, por conta das ações da Cedae, recebe carros-pipa para garantir que os serviços sejam mantidos e não haja prejuízos aos atendimentos de saúde.

De acordo com um motorista da Cedae, cada equipe tem feito entre três e quatro viagens por dia com caminhões de capacidade de 10 e 15 mil litros. Esse é o máximo de entregas que a estatal consegue fazer por conta do tempo excessivo para realização do serviço, que às vezes pode demorar até três horas, a depender do local solicitado.

Gabinete de crise e solução em 20 dias

Em meio a uma pandemia de Covid-19 e ao calor, a falta de água é em razão de um problema na Elevatória do Lameirão. O reparo da Cedae se estende por mais de uma semana. O problema afeta um milhão de pessoas. Com três motores fora de operação, a elevatória trabalha com 75% de sua capacidade. A Cedae tem feito manobras para tentar não deixar áreas desabastecidas, como uma espécie de rodízio. Contudo, moradores indicam que a medida tem se mostrado ineficaz.

A pevisão de normalização do abastecimento é entre 20 e 25 dias.

O Ministério Público do Estado (MPRJ) e a Defensoria Pública estadual pressionaram a Cedae a respeito da transparência de todas as medidas adotadas para minimizar os efeitos. Diante desse movimento, a companhia anunciou a criação de um gabinete de crise para tratar das medidas para minimizar os impactos dos problemas na elevatória.

— Cobramos providências, que são para ontem, emergenciais. A Cedae nos passou poucas informações sobre como tem funcionado o rodízio. Mas ainda é obscuro. Precisa ser mais transparente. Os procedimentos de solução precisam ser colocados em prática o quanto antes, para o bem da população — explica o defensor Eduardo Chow, que participou da reunião junto também com representantes e especialistas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fiocruz.

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Fonte: G1