Retorno do Colégio Pedro II só em 2022 é motivo de angústia para pais e alunos


RIO — “Mamãe, por que não posso voltar para a escola?”, pergunta todos dias Geovanna Ferreira Feitoza, de 9 anos, aluna do 4º ano do campus São Cristóvão do Colégio Pedro II. A mãe, Micheli Braz Ferreira, que tem outros três filhos e mora com a família numa casa de apenas um quarto em Bento Ribeiro, não tem resposta para dar à menina. Ela corre para concluir dois anos letivos em 2021 e só deve voltar à sala de aula em março de 2022, conforme decisão da reitoria do Colégio Pedro II, mesmo diante do retorno das atividades presenciais em outras redes. Assim como muitos dos 13 mil alunos distribuídos em 472 turmas do colégio federal — que tem 14 unidades no Rio, além do Centro de Referência em Educação Infantil —, Geovanna hoje sofre com crises de ansiedade.

Por dia, ela tem cerca de 40 minutos de aula síncrona (com professor ao vivo). O restante do conteúdo é composto por gravações e documentos. Na última quinta-feira, ela tentava estudar na cozinha, usando internet de vizinho. Por duas semanas, a família ficou sem acesso à internet, e Geovanna não pôde acompanhar as aulas. De quarta para quinta, ela ficou até 1h da madrugada em frente à tela tentando colocar as atividades em dia. O resultado de todas as dificuldades caiu como uma bomba na cabeça da criança, em recuperação do 3º ano.

Protesto: Pais e alunos do Pedro II protestam pela volta às aulas presenciais no Centro do Rio

— Ela ficou duas semanas sem enviar as atividades, e, sem impressora, ela faz os exercícios copiando tudo no caderno. Liberaram agora um auxílio de duas parcelas de R$ 125, que não dá para pagar uma internet de qualidade. Era recepcionista, fiquei desempregada, e hoje ganho R$ 1.200 como agente comunitária. Meu marido, motorista de ônibus, também perdeu o emprego na pandemia. Não posso pagar internet para a minha filha nem comprar o material que pedem para pesquisas, enquanto a escola tem laboratórios. Prefiro comer — diz, emocionada, Micheli, revelando que colocar os filhos no Pedro II, referência em ensino há 138 anos, sempre foi um sonho. — Eu luto para a minha filha estudar lá desde que ela tinha 3. Nossa prioridade sempre foi dar a eles um ensino de qualidade, que agora está indo embora pelo ralo.

Duas horas ao vivo por dia

As decisões tomadas ao longo da pandemia pela reitoria, comandada por Oscar Halac, acabaram contrariando muitas famílias e criando um clima de guerra. Em 2020, apenas os alunos do 3º ano do ensino médio contaram com disciplinas no sistema remoto, a partir de setembro. O restante faz dois anos em um. E as aulas ao vivo hoje não passam de 2h por dia: já foram de menos de 1h, mas, neste caso, a reitoria se dobrou à pressão dos pais.

No último ano do ensino médio, João Lucas Alves dos Santos, de 18 anos, morador da Praça Seca e estudante do campus Humaitá, se viu obrigado a tomar uma decisão difícil: ser reprovado.

— Não vou entregar atividades nem fazer a prova final. Vou repetir porque, se eu sair do Pedro II, que é uma boa escola, não vou ter base suficiente para o Enem. Fora que não tenho recursos para pagar cursinho no ano que vem — conta ele, que estuda com um tablet do trabalho do pai, vendedor.

João Lucas em casa com os seus livros: ele quer repetir o 3º ano para se preparar melhor para o Enem
João Lucas em casa com os seus livros: ele quer repetir o 3º ano para se preparar melhor para o Enem Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

João Lucas, que quer fazer faculdade de História ou Economia para ser professor, precisou de tratamento psicológico para aplacar crises de pânico provocadas pela pressão do ensino remoto, com o qual tinha que lidar em meio ao barulho constante de tiroteios:

— Minha internet não é das melhores, mas ainda assim sou muito privilegiado. Há alunos que nem internet têm. Grupos de pais viabilizaram celulares e tablets, mas poucos. A escola deu auxílio para os alunos acessarem a internet, uma medida honrável, mas o valor também não é suficiente.

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Pais e alunos angustiados com o ensino remoto do Pedro II, considerado precário, lideram um abaixo-assinado que, até sexta-feira, já tinha mil nomes. Ontem de manhã, estudantes e familiares fizeram um protesto em frente à unidade do Centro. A volta das aulas presenciais já ocorreu nas redes privada e municipal do Rio — na estadual, deve acontecer em novembro.

Por e-mail, a pró-reitora de Ensino do Colégio Pedro II, Eliana Myra, disse que, para ajudar alunos em vulnerabilidade, em 2020 foi distribuído o estoque de merenda e foram repassadas três parcelas de R$ 400 de auxílio emergencial. E foi oferecido a esses estudantes auxílio para aquisição de tablet ou celular e para pacotes de dados e chips. Segundo alunos, o “auxílio tablet” foi de R$ 600; para internet, este ano estão sendo entregues quatro parcelas de R$ 125.

De Campo Grande, Daniele Cristina Melo Avancini, que trabalha como mediadora na rede municipal de ensino, é mãe de três filhas, sendo que somente a mais velha, Raphaela, de 12 anos, aluna do 7º ano do campus Realengo do Pedro II, está sem ir à escola. Uma filha frequenta uma unidade municipal, e a mais nova, especial, é bolsista numa escola particular. Para que Raphaela estudasse, Daniele complementou do bolso o auxílio do colégio, comprando um tablet adequado ao ensino remoto.

— A gente tira da própria carne para as crianças estudarem — diz Daniele, que hoje vê um abismo educacional entre a filha e outras crianças no 7º ano, algo impensável antes em se tratando do Pedro II. — Em quatro meses, ela teve que completar o sexto ano. Em julho, teve quase um mês de férias. Até dezembro, ela termina o sétimo ano, com poucas horas de aula por dia. O que as crianças estão sendo obrigadas a fazer, na verdade, é supletivo.

“Retorno seguro de todos”

A pró-reitora do Pedro II destaca que em 2020 os alunos tiveram “800 horas de acolhimento” e diz que uma instrução normativa voltada para a administração pública federal (que trata do direito ao trabalho remoto de funcionários com mais de 60 anos, obesos, fumantes e com uma série de doenças) “os privaria de um número considerável de servidores, inviabilizando o retorno presencial com 100% do alunado”.

Ela nega falta de organização para o retorno, como acusam pais. “Os campi já compraram máscaras e álcool em gel”, diz ela, concluindo: “Sem alijar ninguém do processo, retornaremos em 2022, quando, com certeza, já teremos condições sanitárias ainda mais favoráveis para um retorno seguro de todos”. Também federal, o Cefet/RJ anunciou que a previsão é voltar com aulas presenciais em abril de 2022. Já o CAp-UFRJ retomou no dia 13 em sistema híbrido.

No último dia 19, a Justiça Federal negou um pedido do Ministério Público Federal para que as aulas sejam retomadas no Pedro II. A favor da reabertura das escolas públicas desde outubro de 2020, o pediatra Daniel Becker, do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e membro do comitê científico da prefeitura, classifica a situação do Pedro II como “desesperadora” e “injustificável num colégio de excelência”.

— Entendo que haja dificuldades para o Pedro II reabrir, mas é preciso um enfrentamento em nome da saúde física e mental das crianças — ressalta o pediatra. — Depois do ar livre, a escola é o ambiente mais seguro que tem por conta dos protocolos. Não podemos cometer o erro de 2020 agora, com a pandemia num nível inédito de tranquilidade.

Enquanto isso, algumas famílias recorreram a explicadoras e cursinhos para evitar mais danos ao aprendizado. Enfermeira do Hospital do Fundão, Patricia Floriano teve que dobrar sua carga de trabalho para cobrir essas despesas extras com o único filho, Miguel, de 13 anos, do 7º ano do campus Realengo.

— O Pedro II está sendo sabotado. Abandonaram os alunos, que não têm estímulo para estudar e estão com um programa curricular reduzidíssimo — revolta-se a mãe.

Aluno exemplar, mas que hoje enfrenta obstáculos para absorver o conteúdo on-line, Miguel faz um apelo:

— Como um colégio tão bom consegue ficar numa situação dessa? É frustrante porque gosto de ir para a escola, e faz muita falta aprender de forma convencional. E todos nós temos que aprender: educação é nosso direito básico.





Fonte: G1