Refeições de famílias são retiradas de caçambas de alimentos descartados


É em meio às várias caçambas espalhadas pela Central de Abastecimento do Estado do Rio (Ceasa), em Irajá, na Zona Norte do Rio, que dezenas de pessoas disputam diariamente os alimentos descartados por comerciantes. Produtos que teriam como destino o lixo garantem a nutrição e sobrevivência de muitos, em meio à pandemia da Covid-19. Nos últimos meses, cada vez mais pessoas estão procurando a xepa da Ceasa em busca da única refeição do dia, segundo a direção do maior entreposto comercial da América Latina. Sensibilizados, empresários do local também estão garantindo o fornecimento de alimentos para quem não têm condição de comprar.

A diarista desempregada Maria José Viana, de 58 anos, que mora em São João de Meriti, tem recorrido às caçambas e às doações da Ceasa para alimentar a família. Sem receber ajuda do governo, a cada 15 dias e acompanhada de amigas e vizinhas, ela segue para o entreposto, que fica a cerca de 15 km de onde vive com uma filha e uma neta. Para conseguir ir até o espaço, ela tem que catar latinhas para pagar a passagem:

— Eu e a minha filha estamos desempregadas. Então, como eu vou fazer se os alimentos estão pela hora da morte? Antigamente, com uma faxina aqui ou ali, a gente conseguia comprar alguma coisa. Hoje, não. Então, com as latinhas que coleto, compro o básico: o feijão e o arroz. Com o troco, pago a passagem para cá.

Sob o sol forte e um calor escaldante, Maria não perde a fé de ver dias melhores:

— Venho aqui e pego batata, cenoura, chuchu. A fome não tem vergonha. Sou apenas grata por eu ter saúde para conseguir vir aqui e garimpar por alimentos. Pro futuro, eu só peço a Deus que a vacina chegue logo para que possamos ser imunizados e a vida voltar ao normal. Espero também que eu consiga arrumar uma faxina.

População carente revira lixo em busca de alimentos aproveitáveis
População carente revira lixo em busca de alimentos aproveitáveis Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

Atualmente, a Ceasa movimenta aproximadamente 180 toneladas de alimentos por mês. Segundo a direção do entreposto, por dia descarta-se em média entre três e quatro toneladas de resídios — não é contabilizado o que é orgânico e inorgânico. São 120 mil toneladas por mês. No entanto, a Ceasa acredita que mais da metade do que é jogado fora é material orgânico que não tem valor comercial e acaba indo parar na mesa de quem tem fome. Quem procura alimentos chega bem cedo, perambula por caçambas e até aguarda pela distribuição do que não for vendido. Ao longo do dia, muitos até conseguem hortaliças, frutas, verduras e legumes. Mas, “tem dia em que (os alimentos) não estão muito bons”, lembram pessoas que dependem dos produtos catados.

Rozana Moreira, chefe da Divisão Técnica da Ceasa, diz que a direção do local notou “o aumento de transeuntes” pedindo ajuda dentro da unidade. Ela afirma que lojistas acabam sendo solidários:

— O número de catadores aumentou e está aumentando dia a dia. Quem anda pelo mercado percebe.

Morador de Acari, casado e pai de dois, o carregador Cláudio Silva de Oliveira, de 35, trabalhava no espaço até o ano passado, mas foi demitido na pandemia. Hoje, ele é uma das dezenas de pessoas que recorrem ao local para não passar fome.

— Para sobreviver tenho que vir aqui todo dia e catar. Está aumentando a procura. Quando eu não estou no Ceasa, eu estou na rua catando papelão para conseguir pagar as contas. A gente tem que se arriscar. Vou fazer o quê? — resume.

Antes de o sol nascer, a auxiliar de enfermagem desempregada Marta Rodrigues Portilho, de 54, sai de casa em direção à Ceasa. O que é recolhido é usado para alimentar quatro pessoas.

— Levo batata, cebola, tomate. O que tiver as gente leva. Vamos rodando em todos os pavilhões. Depois dos legumes e verduras a gente vai para a parte dos ovos e dos peixes — diz.

A empregada doméstica Mônica Marques Ribeiro, 45, e a dona de casa Aline Marques Ribeiro, 38, passaram a frequentar a Ceasa há pouco mais de um mês. Elas caminham por mais de uma hora até o centro alimentício.

— A gente vem cedo, por volta das 8h, e ficamos até umas 19h, que é a hora do peixe. Lá ficamos na fila esperando — diz Aline.

Amiga de Mônica e Aline, a dona de casa Tatiane da Silva Santos, de 35, revira tudo em busca de alimentos.

— Preciso alimentar os meus quatro filhos. Tenho um de apenas sete meses. Quando eles pedem alguma coisa e querem comer, venho para cá. Tem dia que conseguimos arroz, manteiga. Mas, quando não conseguimos, vamos com os legumes e verduras que pegamos — conta Tatiane.

A Ceasa tem 550 lojistas distribuídos nos 54 pavilhões e 544 produtores que comercializam na área livre do entreposto. Estima-se que 30% dos empresários do espaço doem alimentos para o ‘banco de alimentos’. A inciativa beneficia principalmente moradores de comunidades. Por mês, são 10 toneladas de alimentos.

Um dos comerciantes parceiros do programa social é José de Souza da Silva. Dono de uma loja no local, ele diz que chega a doar até três toneladas de produtos.

— Sempre fizemos esse tipo de trabalho, mas intensificamos na pandemia. A população beneficiada aumentou. As doações dependem da disponibilidade dos produtos. Tem mês que temos condições de doar maior quantidade. Mas, em média doamos uma tonelada. Nesse momento, não podemos ficar nessa de esquerda ou direita. Esse é o momento de nos unirmos e ajudar essa gente passando fome.

A chefe da Divisão Técnica da Ceasa diz que muitas famílias estão procurando o banco de alimentos:

— Desde o ano passadp, cresceu bem. Capitamos os alimentos e repassamos para as pessoas e ONGs que estão necessitando.





Fonte: G1