Projeto em Maricá é modelo de testagem para Covid


“Bom dia, sou a enfermeira Sabrina, da Secretaria municipal de Saúde. Nós fazemos testagem do coronavírus e gostaríamos de saber se a senhora aceita ser testada.” A cena aconteceu na primeira semana de dezembro em Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Mas deveria se repetir diariamente em todo o Brasil.

Trata-se da busca ativa de infectados pelo coronavírus, com teste de RT-PCR, o chamado “padrão-ouro” dos exames para Sars-CoV-2. Recomendada pela OMS, ela permite identificar os portadores assintomáticos e conter surtos antes que eles se amplifiquem e perpetuem a pandemia de Covid-19, explica o coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Amílcar Tanuri.

Testagem de Covid-19 em casa de Maricá: projeto Sentinela percorre bairros do município seguindo um modelo de rastreamento
Testagem de Covid-19 em casa de Maricá: projeto Sentinela percorre bairros do município seguindo um modelo de rastreamento Foto: Gabriel Monteiro / Extra

Tanuri idealizou o projeto Sentinela de Maricá Covid-19 em parceria com o Instituto de Ciência e Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM) e a Secretaria municipal de Saúde da cidade.

O Sentinela está em sintonia com o trabalho do Centro de Triagem e Diagnóstico para a Covid-19 da UFRJ, que também testa com PCR os contactantes de pessoas positivas. Busca-se o retrato mais preciso possível do perfil epidemiológico da cidade e identificar áreas de risco de surto antes que estejam estabelecidas, diz Celso Pansera, presidente do ICTIM.

O trabalho atende à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). De tão conhecida pelos cientistas, se tornou mantra da pandemia: teste, teste, teste. Identificar os infectados, rastrear seus contatos, isolá-los e a todos os contaminados por eles.

O mote é conhecido, mas nem por isso praticado no Brasil, afirma o professor da USP Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil, que monitora e projeta a evolução da pandemia no país, não ligado ao Sentinela. Em âmbito nacional, a busca ativa é rara, e 60% dos exames são os testes rápidos sorológicos, que de nada servem para encontrar as infecções agudas, que propagam o coronavírus. Ou seja, são inúteis para conter a pandemia.

— Isso sem falar que o Brasil testa (ainda) menos agora — destaca Alves. — A partir de agosto, inexplicavelmente, o número de testes no país caiu cerca de 15% a 20% por mês. O que faz com que tenhamos um volume de internações nos hospitais incompatível com o número de casos informados pelos governos. É uma forma de maquiar a gravidade da expansão da pandemia.

O resultado do primeiro ciclo do trabalho em Maricá, concluído em outubro, mostrou que 0,6% da população estava positiva (via teste de PCR) e outros 8,2% haviam sido expostos ao vírus (resultado da sorologia). Ou seja, mais de 90% da população estava suscetível ao coronavírus. Os casos estavam concentrados em Inoã, distrito vizinho a São Gonçalo, um dos municípios fluminenses mais atingidos pela nova onda da Covid-19.

— Isso permitiu orientar políticas públicas e de contenção em outubro. Vimos por onde a doença estava entrando em Maricá — frisa Tanuri.

O trabalho do Sentinela é associado ao do Laboratório Central Dr. Francisco Rimolo Neto, ligado ao ICTIM. Desde o fim de maio, ele já testou 11 mil amostras, a maioria vindas das tendas de testagem pela cidade. Thiago Frauches é o coordenador do laboratório, que funciona numa casa provisória, mas nem por isso para.

Um novo ciclo do trabalho foi iniciado em neste mês, num momento em que a Covid-19 se espalhou ainda mais. E a enfermeira Sabrina dos Santos Rosa distribuiu saudações na manhã de quarta-feira, 2 de dezembro, como tem sido rotina. Numa das casas do bairro de Araçatiba, quem atendeu foi dona Maria de Lurdes de Moraes, de 78 anos.

Com um sorriso de satisfação, abriu as portas para Sabrina e sua colega Eliane Silveira dos Santos, voluntária residente de medicina.

— Quero me testar. Não tenho sintoma, mas fico preocupada. Nas poucas vezes em que vou ao mercado, volto irritada com as pessoas sem máscara — diz Maria de Lurdes.

A família dela, como a de muitos brasileiros, passará o Natal separada. Os netos que moram na França não virão ao Brasil e tampouco Maria de Lurdes, a filha e o genro poderão viajar. Enquanto durar a pandemia, essa será a rotina de Maria de Lurdes, presa em seu jardim florido.

— Aqui, só quem voa são os passarinhos — lamenta.

No mesmo bairro mora a família de Daiana Souza Moura, de 34 anos, uma tosadora de cães, que também pouco sai de casa. Ela mora com o marido, o filho e uma cunhada e está sintomática.

— Que bom que vocês vieram e vou poder me testar. Não estou nada bem. Há quatro dias tenho febre, tosse seca, dores e um cansaço que não me deixa — diz Daiana, que perdeu o paladar e olfato.

Daiana tem saído pouco, mas ficou oito dias acompanhando um neto internado e acha que se infectou no hospital. O resultado do teste rápido de anticorpos, empregado para medir o percentual de população que já foi exposta, dá negativo. Ela ainda terá que esperar o resultado do PCR, que não fica pronto na hora.

Tanuri frisa que a meta do Sentinela é acompanhar os pacientes positivos, para avaliar o desfecho dos casos, com análise do tempo de desaparecimento de sintomas.

— A experiência de Maricá é um bom exemplo. Mas é um caso até agora isolado — salienta Tanuri. — Precisamos muito testar no Brasil.



Fonte: G1