Projeto de reflorestamento nas Ilhas Cagarras encerra plantio de mudas para expulsar ‘capim invasor’ e recuperar flora e fauna local


Há dez anos, o Projeto Ilhas do Rio atua na pesquisa e na conservação das Ilhas Cagarras e, desde 2014, faz o reflorestamento na Ilha Comprida — literalmente a mais comprida do arquipélago — com o plantio de espécies nativas de flora e o combate ao capim colonião, um invasor voraz. Com o avanço do trabalho, a “dinâmica da floresta” já conseguiu ser restabelecida, e hoje as árvores replantadas dão frutos, sementes germinam, e espécies originais da fauna, especialmente pássaros, retornaram. Na sexta-feira passada, a equipe liderada pelo biólogo Massimo Bovini realizou a última travessia prevista de mudas nativas, do continente para a ilha, e agora a expectativa é que a natureza continue com o trabalho. A pesquisa permanecerá com o monitoramento mensal.

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Os estudos de Bovini começaram ainda em 2012, com o levantamento de todo o inventário de flora do arquipélago. Ele chegou a uma lista de 190 espécies, sendo 14 ameaçadas de extinção, como bromélias, ervas e cactos. Uma das plantas, a Gymnanthes nervosa, não era coletada desde 1940 e era considerada extinta no Rio. Mas o biólogo, especialista em botânica, encontrou uma dessas árvores no cume da Ilha Redonda, e agora a espécie está na lista de “criticamente em perigo”.

— Há dez anos, não se conhecia nada das Cagarras, por isso passei os dois primeiros anos fazendo o inventário. Hoje, as espécies ameaçadas se beneficiam do nosso combate ao capim colonião — explica Bovini, professor do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, parceiro do projeto.

Pesquisadora carrega uma das mudas: com o fim do plantio, o projeto passará a monitorar mensalmente o crescimento das árvores
Pesquisadora carrega uma das mudas: com o fim do plantio, o projeto passará a monitorar mensalmente o crescimento das árvores Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

A velocidade com que o capim se reproduz praticamente inviabiliza a sua erradicação. Em 15 dias, a planta cresce cinco centímetros, destaca o biólogo. Por isso, ele classifica o trabalho de sua equipe como “de formiguinha”, mas se orgulha dos resultados já alcançados. Desde 2014, os pesquisadores e os monitores foram anualmente à Ilha Comprida com mudas de plantas nativas, como amendoeira — a que melhor se estabeleceu no local — e ingá da praia, ambas doadas pelo Horto municipal Carlos Toledo Rozzini e plantadas na última sexta. O lugar já ganhou mais de 350 mudas. Além disso, todo mês a equipe retorna para monitoramento e coleta de dados.

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Se nos primeiros plantios o índice de perda chegou a 60% das mudas, hoje, com mais conhecimento sobre as espécies, já se trabalha com uma proporção acima de 90% de sobreviventes. De dentro do barco, chegando à ilha, é possível ver a mudança de paisagem, com “manchas” verde-escuras, ou seja, árvores, se impondo em meio ao pasto verde-claro formado pelo capim.

— Temos plantas que já chegaram a três metros, então já estão bem estabelecidas, frutificando e florindo, o que atrai aves de volta, como o tiê-sangue, espécie nativa da ilha. Os pássaros comem o fruto, evacuam, a semente cai no solo e, assim, começa a dinâmica da floresta — afirma o biólogo, que prevê mais dois anos até que a paisagem chegue ao nível desejado de transformação. — Nossa ideia é que essas mudas de hoje (sexta-feira) encerrem a etapa do plantio. Esse trabalho é encarado como um projeto piloto. Ao fim, vou poder apresentar a metodologia adequada, o orçamento necessário e a técnica para o reflorestamento de uma ilha, que foi algo inédito no país.

Expectativa, agora, é que a natureza continue com o trabalho. A pesquisa permanecerá com o monitoramento mensal
Expectativa, agora, é que a natureza continue com o trabalho. A pesquisa permanecerá com o monitoramento mensal Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

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As mudas são plantadas em grupos de quatro e todas são marcadas para identificação e observações durante o monitoramento. O trabalho de sexta-feira teve um experimento novo: a introdução de um “sombrite”, uma tela que fará sombreamento em quatro núcleos, o que deve inibir o crescimento do capim, dependente do sol. A data da chegada do capim às Cagarras não é exatamente conhecida, mas pelo menos desde a década de 1970 tem-se conhecimento do colonião, que é originário da África, nas ilhas.

Morcegos, um bom sinal

Após ser criado para um edital da Petrobras, o Ilhas do Rio é atualmente patrocinado pelo WWF. As pesquisas são feitas por etapas, a depender da verba. O projeto ainda conta com as parcerias do ICMBio, a Colônia de Pescadores de Copacabana Z-13, o Museu Nacional e o Instituto Jardim Botânico.

Um dos estudos feitos na ilha, o da mastofauna (fauna de mamíferos), por exemplo, já encontrou resultados que indicam o impacto da revitalização das Cagarras. Desde o ano passado, a pesquisa coordenada pela bióloga Julia Luz encontrou 60 morcegos da espécie Tonatia bidens, considerada indicadora de qualidade ambiental. Os animais, carnívoros-insetívoros, foram capturados nas ilhas de Palmas, Cagarra e Redonda.





Fonte: G1