Procon-RJ diz que começará a fiscalizar na segunda-feira casos de desabastecimento de água no Rio


Não é com lata d’água na cabeça, como Maria, a personagem imortalizada numa marchinha dos anos 50, composta quando o Rio atravessava uma crise de abastecimento. Mas é quase. Todos os dias, a dona de casa Eva Maria, moradora de Benfica, tem sido obrigada a carregar dois baldes azuis por quase meio quilômetro para conseguir água numa fonte pública no Largo do Pedregulho. Como ela, moradores de 17 bairros da cidade, onde vive um milhão de pessoas, estão enfrentando uma penúria que pode se estender até as vésperas do Natal e comprometer a ceia. A Cedae diz que o problema na Estação do Lameirão, que está operando com apenas 75% de sua capacidade, só deverá ser resolvido em 20 de dezembro, quando já estará publicado o edital que selará a venda da companhia, previsto para o dia 18. Enquanto o drama não chega ao fim, os prejuízos se acumulam: carros-pipa, denunciam consumidores, já aumentaram seus preços em até 180%.

Apesar de o problema afetar os cariocas há quase duas semanas, o Procon estadual somente nesta sexta-feira anunciou providências. O órgão informou que começará na próxima segunda-feira a fiscalizar diferentes pontos da cidade. Se forem encontradas irregularidades na atuação da Cedae, serão instaurados processos que podem resultar em multa para a empresa.

— É muito sacrifício. Eu estava indo tomar banho na casa de parentes, em Vila Isabel, e trazia água de lá para abastecer a casa. Agora, venho na fonte todos os dias para encher os baldes. É um absurdo. A Cedae não cumpre com a obrigação do abastecimento, mas nós temos que pagar a conta todo mês. É muito errado — diz Eva Maria de Carvalho.

Moradora da Rua Marechal Aguiar e há duas semanas sem água nas torneiras, a professora Fátima Bastos, de 66 anos, conta que, na semana passada, comprou um carro-pipa por R$ 250. Ontem, levou um susto quando tentou encomendar outro: o preço tinha saltado para R$ 700. O jeito foi improvisar e usar a água armazenada na piscina para atenuar o problema. Mas, com uma mãe de 89 anos que tem atendimento de home care, Fátima sabe que, mais cedo ou mais tarde, terá que encarar a conta.

— As enfermeiras chegam à minha casa e não podem tomar banho, o que deveria ser o certo devido à pandemia de Covid-19. Olha o risco que estamos correndo — alerta a professora.

Funcionários da Cedae abastecem a Clínica da Familia Dona Zica, em São Francisco Xavier
Funcionários da Cedae abastecem a Clínica da Familia Dona Zica, em São Francisco Xavier Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Apesar do desabastecimento na rua, um funcionário da Cedae esteve no local ontem de manhã para realizar a medição dos hidrômetros. O técnico em eletrônica Rafael Garcia, de 38 anos, ficou revoltado. Com a pia cheia de louças acumuladas, ele diz que paga em média R$ 120 por mês.

— É até vergonha dizer, mas ontem (quinta-feira) eu não consegui tomar banho. Não tinha uma gota d’água. Tenho dois filhos pequenos, e é ainda mais complicado. Já fiquei acordado uma madrugada inteira para ver o horário em que a água ia cair. Foi 4h30, e durou cerca de 20 minutos só. E para piorar ela veio num fio, fraquinha — conta Rafael.

Dono de um bar na Zona Norte, João Vicente Sobrinho diz que, justamente quando acreditou que conseguiria ganhar fôlego financeiro, após meses sem clientes por conta da pandemia, reclama que agora sofreu novo baque.

— Passei meses com o meu bar fechado e sem trabalhar. Depois dessa crise, vem agora a Cedae complicar ainda mais. Pego água na fonte para lavar as louças, usar no vaso sanitário e limpar o chão. Para cozinhar e beber, compro água mineral. Foram R$ 200 nos últimos 15 dias — conta ele, que carrega, numa bicicleta, 30 baldes por dia.

No bairro São Francisco Xavier, a Clínica da Família Dona Zica está sem fornecimento regular de água há cerca de dez dias. Desde então, segundo funcionários, a Organização Social (OS) que administra a unidade comprou dois carros-pipa. Mas, no início da tarde desta sexta-feira, por volta das 14h, foi um caminhão da Cedae que descarregou 15 mil litros de água na cisterna do local.

— A água cai durante poucos minutos do dia e, mesmo assim, vem sem força alguma — conta uma funcionária, sem se identificar.

De acordo com um motorista da Cedae, cada equipe tem feito até quatro viagens por dia com caminhões de capacidade de dez e 15 mil litros. Esse é o máximo de entregas por conta do tempo que se leva para realizar cada abastecimento, em torno de três horas.

Rodízio no abastecimento

A Elevatória do Lameirão está com três de seus sete motores fora de operação. Por conta disso, a Cedae criou, após ser pressionada pelo Ministério Público do Estado (MPRJ) e pela Defensoria Pública estadual, um gabinete de crise. Ontem, na primeira reunião do grupo, que conta com a participação da Agência Reguladora de Saneamento (Agenersa) e de especialistas da Fiocruz e da UFF, a diretoria da companhia se comprometeu a apresentar um mapa com o planejamento das manobras, para dar transparência ao rodízio que tem sido feito entre os bairros para que nem todos sejam afetados simultaneamente.

— Eles disseram que vão avançar na divulgação sobre essas manobras. São questões que precisam ser aprofundadas. Qual o critério de escolha? Por que os bairros da Zona Norte são os que mais sofrem? Agora, a cobrança será muito forte. Esse espaço será usado para transmitir os questionamentos da sociedade — afirmou o defensor público Eduardo Chow.





Fonte: G1