Um ano após a assinatura dos três primeiros contratos da concessão por blocos do saneamento no Estado do Rio, em entrevista ao Extra, o presidente da Cedae, Leonardo Soares, conta que a companhia precisou rever seu plano de negócios, enxugando gastos e até vendendo serviços para as empresas privadas, que estão em 63 dos 92 municípios fluminenses. Ainda com a responsabilidade de captar, tratar e vender a água, a estatal tem investido para garantir um produto livre da geosmina, que atormentou os consumidores durante dois verões.
O que tem sido feito para evitar a volta do odor e gosto ruins na água provocados por geosmina?
Quando a gente chegou, tinham na nossa prateleira pelo menos 11 propostas para solucionar a questão da geosmina. Tudo o que não iria funcionar este ano tirei da frente. Naquela ocasião, a coleta da água era feita, o material era levado para um laboratório fora daqui (da ETA Guandu) para que o exame fosse feito. Ficávamos sabendo do resultado sete dias depois, quando a água já estava na casa das pessoas. Começamos a adotar soluções para ter esse monitoramento. Hoje, em menos de 15 minutos, sabemos o que tem na água. Trouxemos um microscópio super potente da Alemanha, reformamos nossos laboratórios de análises químicas daqui e da Tijuca, qualificamos pessoas.
Que outros equipamentos compraram?
Contratamos junto à LG Sonic, empresa holandesa, oito boias. Agora, está sendo instalada mais uma por causa de estudo batimétrico. Instaladas na lagoa de captação de água do Guandu, elas têm plaquinhas, captam energia e são alimentadas por energia fotovoltaica (utiliza a radiação solar para gerar eletricidade). As boias conversam entre si por Internet das Coisas (IoT). Duas têm sensores de clorofila, temperatura, oxigênio, que medem a qualidade da água. Elas geram relatórios e jogam dentro do telefone da gente. Isso permite o acompanhamento das características da água quase que on time. Em termos de ação, essas boias tem um ultrassom de baixa frequência, que cria uma espécie de barreira física, com a função de manter as algas submersas. Como não emergem a superfície, as algas não pegam sol, não fazem fotossíntese, não proliferam, não geram bactérias.
Há mais medidas adotadas para evitar a volta da geosmina?
O nosso foco é muito em segurança hídrica. Já vínhamos fazendo a transposição de 1.200 litros por segundo do Rio Guandu (mais frio e limpo do que o Paraíba do Sul) para nossa lagoa de captação, o que tinha demonstrado funcionalidade. Triplicamos essa capacidade. Hoje, sempre que se diagnostica algum problema na água, ligamos um botão e retomamos o bombeamento. Conseguimos bombear até 4.600 litros por segundo. E mexo com dois elementos. Um é que a água começa a ser revolvida, e água parada contribui para a alimentação das algas e a geração da geosmina. Outro é que resfrio a água, entre 4 e 5 graus. O calor favorece a proliferação das algas.
Ainda corremos o risco de termos geosmina na água?
Repetidas as condições que deram origem aos problemas do passado, seguramente a gente não terá geosmina na água que chega ao consumidor. Já não tivemos geosmina no último verão. As boias foram instaladas no início de março. Houve uma proliferação de algas depois de as boias serem colocadas, que foram combatidas com capacidade e eficiência. Agora, não sei o que vai acontecer com a natureza. Mas temos um plano de contingência desenhado.
O que mudou na Cedae um ano após a assinatura dos três primeiros contratos dos leilões de concessão (o quarto, do bloco 3, foi firmado em março último)?
Fizemos uma grande reestruturação administrativa. Foi necessário refazer nosso plano de negócios e desenhar um plano estratégico para a empresa. Implantamos mudanças e ajustes em razão da diminuição do tamanho do nosso serviço. Antes, nosso investimento era muito diluído. Tínhamos 11 milhões de quilômetros de rede de distribuição, que, se não der problema todo o dia, tem alguém mentindo. Hoje, estamos focados na captação e no tratamento da água. Isso tem viabilizado direcionar os investimentos para a segurança hídrica, a captação e o tratamento da água. E fizemos vários ajustes internos, fizemos dois PDVs (Programas de Demissão Voluntária) e desligamos quase 1.500 pessoas.
Haverá mais dispensas?
O que estamos fazendo é uma grande redução no pagamento de horas extras. Nos últimos três meses, diminuímos em 25% o valor pago.
A Cedae continua tendo altos salários? Ainda tem empregado ganhando R$ 80 mil?
Nossa média salarial é de R$ 4 mil. Tem salário que chega próximo, mas não alcança R$ 80 mil, que é fruto de incorporações, de direitos adquiridos ao longo da vida, que a legislação atual não permite mais.
Não teriam mais mil pessoas para sair?
Quando se fez o leilão das concessões, alguém estimou que o quadro necessário da Cedae seria de pouco mais de duas mil pessoas. Naquele momento, ninguém contava que a Cedae acumulava uma grande quantidade de hora extra, e que a companhia abriria novos negócios. Hoje, temos cerca de 3.200 empregados (em 2020, eram 5.045). Existe a possibilidade de sair como de entrar mil pessoas. O cenário precisa ser reanalisado, nos próximos seis, sete meses, quando nossos novos negócios estarão maduros.
Quais são esses negócios?
Temos vendido para as novas concessionárias, por exemplo, prestação de serviços de análise química da água. E isso pode ser vendido não só para elas, como para o resto do Brasil e do mundo. Fazemos também aferição, manutenção e certificação de hidrômetros, além de grandes reparos de adutoras e de sistemas hidráulicos de uma forma geral. Só no primeiro trimestre, esses novos negócios renderam cerca de R$ 30 milhões.
A Cedae teve que se reinventar…
A Cedae teve que refazer seu plano de negócios, e montou também um centro de inovação socioambiental para o desenvolvimento de soluções, especialmente aquelas que dizem respeito às atividades da companhia, como a de dar tratamento ao lodo consequente do tratamento da água, que tem riqueza energética. Lá, estão desenvolvendo, por exemplo, sensores de medição de parâmetros de qualidade da água em tempo real, a fim de aperfeiçoar o processo de dosagem de insumos químicos. Inauguramos o laboratório em fevereiro. Já temos nove e estamos indo para 13 startups incubadas nesse nosso centro, que fica no prédio sede. Ajudamos a fazer o protótipo, testamos e a botamos as soluções para funcionar. Depois, montamos uma SPE (Sociedade de Propósito Especifico). A Cedae fica com 12% do que resultar do negócio, e o restante é da startup dona da solução.
O que vocês enxugaram, já que perderam clientes com as concessões (a Cedae hoje só distribui água e coleta esgoto em 17 dos 92 municípios do Rio)?
Temos três grandes gastos, que colocamos uma lupa para observação: pessoal, produto químico e energia elétrica. Somos o maior consumir do estado de energia elétrica (R$ 490 milhões por ano). Acabamos de concluir um processo, uma PMI (Proposta de Manifestação de Interesse) para um projeto de eficiência energética. A partir de 2023, teremos redução de 20% da nossa despesa com energia elétrica. Na questão dos produtos químicos, cito a geosmina. No último verão, gastei cerca de R$ 60 milhões no combate às causas e deixei de adquirir R$ 165 milhões em carvão ativado, para brigar com os efeitos. Economizei R$ 100 milhões. Na questão do pessoal, quando pego R$ 400 milhões e pago quem aderiu aos PDVs de uma vez, no ano seguinte estará na minha receita.
Houve mudança nas licitações?
Cada diretoria da empresa tinha uma estrutura de licitação. Identifiquei demandas comuns e centralizei. Com isso, conseguimos melhores preços e otimizamos os processos.
E quanto a papel?
Não eliminei o papel, mas acabei com o processo em papel, que, agora, é todo eletrônico. Também acabei com copos plástico da sede e de alguns prédios, no mês passado. Vamos fazer isso unidade por unidade. Num primeiro momento, a medida não trouxe redução de receita. Ao contrário, tivemos que comprar garrafas e canequinha para os funcionários e fazer workshop de educação ambiental.
A Cedae reduziu muito sua cartela de clientes. Mas há devedores. Essa dívida vai ser cobrada?
Temos em torno de 16 bilhões em processos judicializados e não judicializados. Só judiciais são mais de 25 mil processos ativos. Vamos mais do que intensificar a cobrança. Contratamos escritórios de advogacia para atualizar, escriturar corretamente, limpar nosso balanço. Tem processo que prescreveu, gente que morreu.
Estão fazendo um pente fino …
Sim. E vamos cobrar o que pudermos e buscar acordos. Já aprovamos uma métrica judicial para cada tipo de causa. No ano passado, depois de adotada essa métrica, conseguimos levantar R$ 284 milhões.
Quanto a obras, a maior é a do Guandu 2, certo?
Em 2017, começamos a negociar o financiamento desse projeto (R$ 2 bilhões) com a Caixa Econômica. Foi feita terraplanagem num pedaço muito grande. Montamos o canteiro de obras e, no momento, estamos fazendo a macrodrenagem. Essas obras levam mais três anos para terminar. Ao seu final, vamos produzir, num primeiro momento, mais 12 mil litros por segundo água.
E quanto a investimentos futuros?
A Cedae tinha, no seu histórico, um investimento médio de 1,5% de seu faturamento, que era da ordem de R$ 6 bilhões por ano. Hoje, temos um faturamento previsto de pouco menos de 3,5 bilhões por ano. Diminuímos muito a nossa receita. Mas fizemos enxugamentos. Isso vai permitir que, no ano que vem, a gente consiga investir R$ 500 milhões, ou seja 15% de nossas receitas próprias, além de R$ 500 milhões oriundos da Caixa.
A Cedae, que chegou a dar prejuízo em 2020, voltou a dar lucro. Como deve fechar este ano?
No primeiro semestre deste ano nosso lucro líquido foi de R$ 323 milhões (no mesmo período do ano passado foi de R$ 86 milhões). Estou trabalhando com uma perspectiva entre R$ 400 milhões e 500 milhões no fim do ano de lucro líquido.
O abastecimento do estado é muito dependente do rio Paraíba do Sul. A Cedae pensa em alternativas?
Essa dependência do Paraíba do Sul não é um problema, como muitos suscitam. Tanto não é problema que estamos construindo o Guandu 2. A estação do Guandu tem capacidade para captar e tratar 43 mil litros de água por segundo. Pelo Paraíba do Sul, passa mais do dobro disso de água. Recebemos água do Guandu e do Paraíba do Sul. Temos água para atender, entre 50 e 100 anos, a população do estado a oeste da Baía de Guanabara. Onde está nosso problema de segurança hídrica de longo prazo? A Leste da Baía de Guanabara. Perto de Sapucaia, há um braço do Paraíba do Sul e um desvio. Até o fim deste ano, vou licitar projeto básico e estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira. Essa é uma obra que a Cedae não consegue fazer sozinha. Terá que ser feita em parceria. O projeto conceitual é pegar a água desse desvio natural, ter uma queda de 200 metros de altura, que gere uma usina de energia na base, e construir um túnel em rocha até a captação do sistema Imunana-Laranjal (São Gonçalo). Com a obra geramos energia e aumentamos de 7 mil para 37 mil litros por segundo a quantidade de água para abastecimento.
Fonte: Portal G1