Prefeitura do Rio poderá complementar tarifa dos ônibus para melhorar o serviço oferecido


A Prefeitura do Rio estuda mudar a relação com os consórcios que operam as linhas de ônibus convencionais e do BRT do Rio e não descarta, num processo de reorganização para que o sistema funcione de forma adequada e com controle do município sobre as receitas, que haja subsídios para a população ter um serviço de melhor qualidade. A hipótese de complementar a tarifa — descartada desde a licitação do serviço em 2010 — é levantada pela secretária municipal de Transportes, Maína Celidônio:

— O incentivo das empresas hoje é maximizar os lucros, diminuindo custos, num incentivo perverso, ainda mais com a pandemia, que reduziu o número de passageiros. Então, diminui o custo cortando a frota, tendo mais passageiros por ônibus pelo modelo atual. O que tem que fazer é mudar o modelo de remuneração — disse a secretária.

Em sua proposta de reorganizar o sistema de transporte coletivo na cidade há uma longa lista, que inclui revisão de parte do traçado do BRT Transbrasil (em obras desde 2014), discussões sobre a integração tarifária entre os diferentes modais e a revisão do programa de racionalização, implantado na gestão anterior do prefeito Eduardo Paes e que encurtou e eliminou linhas de ônibus. A secretária também pretende rever todos os trajetos das linhas de vans legalizadas, que complementam o serviço dos ônibus. Algumas soluções serão apontadas dentro do Plano de 100 dias do governo. Confira os principais pontos da entrevista.

O transporte por ônibus comuns e BRTs tem problemas, como linhas que desapareceram e falta de coletivos, entre outros. Qual prazo para reorganizar o sistema?

A gente está criando sistemas de monitoramento para realmente ter uma visão precisa da operação dessas linhas. Começamos a monitorar pelo GPS dos carros quais linhas estão de fato rodando e se a frota é a determinada. Ainda não temos isso em tempo real. Nesse momento, estamos estudando os dados acumulados de 4 a 14 de janeiro. Estamos montando esse sistema nos ônibus comuns e nos BRTs. E também estamos criando no BRT um questionário para avaliar junto aos usuários, mensalmente, as demandas deles no entorno das estações.

Mas a licitação do sistema (em 2010) previa o acompanhamento on-line pelo GPS, que foi lançado pela prefeitura (em 2013)…

Esses dados de GPS não vinham sendo usados de fato. A partir da análise desses dados vamos conversar com as empresas, verificar se faltam ônibus ou há defeitos no GPS em certas linhas. E estabelecer um plano para retomada (das linhas, onde for necessário) pressionando as concessionárias para melhorar os serviços. As tarifas estão defasadas, mas a discussão da climatização não permite reajustes (uma ação judicial movida pelo Ministério Público impede concessão de aumentos porque a frota não foi toda adaptada até 2016, como previsto inicialmente). A realidade é que nem juridicamente nem politicamente temos condições de aumentar tarifas, por conta da pandemia. Nem as empresas querem reajuste necessariamente por entenderem que vai contribuir para cair ainda mais a demanda de usuários.

Multar as empresas por causa do sumiço das linhas e o desrespeito da frota determinada, que se agravaram na pandemia, não tem surtido efeito. O que mais pode ser feito?

O que a gente vê como uma solução de médio prazo é mudar o modelo de remuneração. Todo risco está locado nas empresas. Cai a demanda e as empresas estão sozinhas nisso. Mas com o modelo que a gente tem —sem controlar a receita —é politicamente impossível dar qualquer subsídio. Isso passa pela licitação do sistema de bilhetagem eletrônica (hoje controlado pela Riocard, ligado às próprias empresas).

É a primeira vez que a prefeitura admite estudar subsídios para o serviço.

Esse modelo atual é insustentável, não gera os incentivos corretos. A gente precisa estudar um novo modelo de remuneração a médio prazo. Talvez por subsídios. É uma questão a ser estudada. Mas, o caminho e o ponto de chegada não temos ainda.

O contrato de concessão não prevê punições pelos serviços não cumpridos?

Minha preocupação não é o caminho jurídico mas prestar o serviço para o cidadão. Temos que estudar o melhor caminho para remodelar o sistema. A prefeitura acredita no cumprimento de contratos tanto de um lado como o de outro. A prefeitura não tem ônibus, garagens ou motoristas. A gente precisa buscar o melhor caminho para o sistema, garantindo o serviço. Encampação seria uma medida agressiva e aumentaria o risco de operar o sistema na cidade, elevando o custo das passagens.

De zero a dez, qual a nota que a senhora dá para o serviço dos ônibus na cidade?

Não vou dar nota. Como um todo é ruim, em todos os quesitos. Está muito aquém do serviço que a sociedade deseja. Há questões como frequência e qualidade. O sistema não tem previsibilidade.Ninguém sabe quando o ônibus passa. Tem problemas de qualidade, não há ar em toda a frota. E com a crise, o preço da tarifa pesa no orçamento das famílias.

Em plena pandemia, como evitar que os ônibus circulem lotados?

A gente entende que o o transporte público não foi desenhado em qualquer lugar no mundo para obedecer afastamentos de dois metros. As pessoas têm que ter práticas corretas. No Japão é proibido falar no transporte púbico, por exemplo. O uso de máscaras é importante. Estamos estudando regras a serem adotadas para a limpeza de ônibus e terminais.

Maína e o subprefeito da Zona Norte, Diego Vaz, durante inspeção no BRT Madureira
Maína e o subprefeito da Zona Norte, Diego Vaz, durante inspeção no BRT Madureira Foto: Hector Santos/Divulgação/Subprefeitura da Zona Norte

Ao assumir, a senhora fez viagens no BRT e anunciou que usaria o serviço por 15 dias para avaliar o sistema. Os problemas os passageiros já conhecem, quando virão as soluções?

Os problemas são diferentes entre as estações. A ideia é que tenhamos um sistema de monitoramento permanente e integrado. Só análise dos problemas pelas câmeras do centro de operações do BRT não é suficiente. A ideia é termos esse sistema implantado na meta de 100 dias do governo. Também estamos fiscalizando as garagens, para ter uma avaliação do estado de todos os ônibus. E, a partir daí conversar com o consórcio (sobre a frota). A questão é que ônibus não nasce em árvore. São necessários seis meses entre a encomenda e o veículo chegar. Se não tiver ônibus para circular é impossível solução a curto prazo (para a superlotação).

Como resolver a questão das estações no eixo da Cesário de Melo, que estão fechadas há três anos não só pelo vandalismo, mas também pela insegurança?

Estamos definindo com o consórcio um cronograma para reabrir todas as estações. A gente tem uma articulação com a Secretaria de Ordem Pública, mas certas estações nem guarda municipal pode resolver o problema. A questão da segurança pública (nessas estações da Cesário de Melo) não está circunscrita à prefeitura. O secretário Brenno Carnevale (Ordem Pública) está se articulando com o estado nesse sentido.

E sobre a implantação do BRT Transbrasil (Caju-Deodoro), já sabe como vai ser a operação do sistema? Como será a integração com os ônibus que vêm da Baixada e da Zona Oeste?

A gente analisou o projeto da Transbrasil e viu que existem alguns gargalos. E, é possível adicionar algumas obras para ter um funcionamento melhor. Estamos analisando como seria essa chegada ao Centro. Estamos conversando com o Estado e o BNDES para saber como será o uso comum dessa calha pelos serviços municipais e intermunicipais. Hoje do jeito que está planejado, o entorno da Rodoviária Novo Rio não tem condições de absorver usuários. Outro problema: não podemos ter modelos diferentes de ônibus usando as calhas. Os tempos de freagem dos BRTs e ônibus comuns são distintos e tem problemas de segurança. Isso terá que ser discutido com os municípios, pois vai exigir investimentos em articulados. Também não temos o plano operacional. Vamos discutir com estados e municípios.

O programa de racionalização, adotado na gestão anterior de Eduardo Paes e que encurtou e eliminou linhas, será reavaliado? O que deu errado na sua opinião?

Uma coisa que deu bem errado foi a comunicação das alterações. Como o usuário conhece o sistema, por hábito, quando muda isso sem um bom sistema de informação deixa o passageiro perdido. Foi o que aconteceu. E só piorou a previsibilidade do sistema. Algumas linhas podem voltar, sim. Mas tem que levar em conta que nem todas as demandas serão atendidas. Estamos levantado as demandas das linhas que a população quer de volta. E ver quais aquelas que são viáveis retornarem. Faz parte do nosso plano de 100 dias.

O sistema de vans também está desorganizado. As linhas existentes vão ser revistas?

A gente vai rever todo sistema em áreas defasadas que precisam de novas licenças. Outras áreas tiveram aumento de vans de forma indiscriminada. Mas ainda não temos esse prazo. Estamos priorizando as promessas de 100 dias de governo.

Há negociações com as outras concessionárias para termos tarifas integradas com metrô, trens e barcas. É possível garantir isso ao fim de quatro anos de governo?

O problema de integração entre serviços do estado e do município, de um modo geral, é difícil. Não sou política, sou uma técnica. Não posso, como município, garantir coisas que não sei se posso entregar. Ainda estamos tendo reuniões. Esse é um processo. Há outros problemas imediatos. As operadoras de transportes haviam deixado suas posições no Centro de Operações. Estão retornando para que possamos ter planos de contingência para o transporte.

Há planos de ampliar os corredores de BRS na cidade?

A gente gostaria muito de ampliar. Temos um diagnóstico de áreas engarrafadas no entorno do Centro onde esse serviço poderia ser implantado. São corredores com três faixas. Mas isso exigiria investimentos da CET-Rio em sinalização e fiscalização eletrônica. Não posso antecipar ainda por onde começaria. Não há como antecipar nada.

Com relação ao VLT há uma discussão judicial sobre complementação das tarifas, já que o sistema não alcançou o número de passageiros previstos na concessão. Como está isso?

Ainda não temos proposta para isso.

Qual o plano para a Linha Amarela, que teve a cobrança de pedágio suspenso por decisão judicial?

A prefeitura acredita que é importante cumprir contratos. A gente crê que o pedágio poderia voltar, mas o valor atual está muito elevado (R$ 7,50 antes da suspensão). Vamos negociar com a empresa para tentar um acordo judicial com uma tarifa menor. Hoje temos uma coleção de estudos feitos pelos diversos órgãos com cálculos diferentes. Estamos analisando esses estudos e vamos conversar com a concessionária para termos um preço justo. Essa é uma das questões que fazem parte dos planos de 100 dias.Vamos resolver isso até antes.

A senhora já anunciou que pretende taxar os aplicativos de transporte. Já houve algum avanço?

A gente não está recebendo dos aplicativos. A prefeitura tentou regularizar por decreto, que caiu. Os aplicativos têm que ser regulados segundo as regras definidas pelo STF. A gente precisa saber como eles operam. Eles precisam fazer parte do sistema viário. Para isso, precisamos ter controle sobre as receitas deles. Isso está em análise.





Fonte: G1