Prefeitura de Caxias faz intervenção em obra de Niemeyer e fecha marquise do Teatro Raul Cortez


Uma obra da prefeitura de Caxias fechou com tijolos a marquise do Teatro Raul Cortez, que é obra do arquiteto Oscar Niemeyer. A estrutura faz parte do Centro Cultural que leva o nome do arquiteto na na Praça do Pacificador e também inclui a Biblioteca Pública Leonel de Moura Brizola. O local tem sido usado como abrigo por pessoas em situação de rua. O bisneto do arquiteto Oscar Niemeyer, Paulo Niemeyer, que também assina o projeto do teatro, disse que a intervenção não foi autorizada pelo escritório de arquitetura da família.

— A gente espera que o prefeito possa voltar atrás na decisão, porque a passarela é um elemento importante do próprio prédio, e aquele muro descaracteriza a obra.

Terceiro maior palco do estado

A prefeitura de Caxias altera teatro criado por Niemeyer
A prefeitura de Caxias altera teatro criado por Niemeyer Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

O Teatro Raul Cortez tem capacidade para 440 pessoas e faz 15 anos de sua inauguração nesta próxima quinta-feira, dia 23. O projeto debrasileiro Oscar Niemeyer tem uma parede removível que permite que o palco se abra para a praça, e o público possa assistir aos espetáculos.

Sobre a obra, o próprio Niemeyer disse que o projeto o agradava particularmente. “Nele, adotei a ideia em que venho insistindo ao projetar um teatro – prevendo que as paredes de fundo do palco possam ser abertas para o exterior. Solução que, realizada neste teatro, comprova como é importante acolhê-la, com todo o entusiasmo”, disse o arquiteto à época. O Raul Cortez é considerado o terceiro maior palco do estado, atrás apenas do Theatro Municipal do Rio e do Teatro João Caetano.

Saimon Lucas Matias, de 21 anos, que vive no lugar com a mulher, Joyce Silva de Mello, de 18 anos, criticou a falta de políticas públicas de assistência social no município e a repressão com que a guarda municipal os trata.

— Eu vivo aqui embaixo há um ano. Estou correndo atrás de emprego, e está difícil. Eles só vêm aqui para tratar a gente mal, para humilhar. Por que vêm para reprimir a gente? Só porque eles dormem no ar-condicionado e a gente ao relento? Nós somos bichos? Nós somos pessoas! Não é porque a gente vive embaixo da marquise que a gente é bicho. Eles falam que estão dentro da lei, mas que lei é essa? — indagou.

Os dois foram viver na marquise do teatro depois que perderam a casa em uma comunidade.

— A gente perdeu nossa casa, ele perdeu o trabalho, não tinha como pagar aluguel mais — diz Joyce.

Também indignado com a obra, o ambulante Elias de Paulo, de 36 anos, se solidarizou com o casal. Ele relatou que morou sob a marquise do Raul Cortez por três anos.

— Eu já morei aqui na rua. O que eles estão fazendo é uma pouca vergonha. Se o prefeito viesse aqui com assistência social para ajudar as pessoas com emprego, creio que muitos não estariam na rua. Hoje não estou mais na rua, mas sei o que é isso. É muitas vezes não ter um alimento para comer. São poucos os que ajudam. Quando pede a alguém para pagar um salgado, muitos tratam mal, acham que a gente é marginal, criminoso. Quanto tempo tem o Raul Cortez e nunca pensaram em fazer muro debaixo da marquise! — afirmou.

Sem consulta à população

A técnica de enfermagem Ana Paula de Moura, de 47 anos, que integra o Conselho Municipal de Cultura diz que a sociedade civil não foi consultada sobre a obra no teatro, e considera dano ao patrimônio.

— Em nenhum momento, essa ação foi discutida com a sociedade. Está sendo feita de forma arbitrária pela prefeitura.

Para o fundador do grupo Movimenta Caxias, Wesley Teixeira, de 25 anos, a intervenção tem o objetivo de expulsar as pessoas em situação de rua da região.

— É uma obra que nitidamente vai tirar os moradores de rua dali. É uma obra que favorece mais a exclusão que a inclusão. A gente poderia discutir sobre um abrigo para as pessoas em situação de rua que não tem em todo o Primeiro Distrito (região de Caxias) — diz.

Prefeitura defende revitalização do espaço

Em nota, a Prefeitura de Duque de Caxias informou que as intervenções que estão sendo feitas no teatro integram o projeto de reforma do prédio, “e que todos os procedimentos legais junto ao escritório do arquiteto Oscar Niemeyer foram cumpridos, por exigência da Caixa Econômica Federal, responsável pela liberação dos recursos para a revitalização do teatro”.

A prefeitura acrescentou que “vem buscando recursos para as obras de revitalização e modernização do espaço público, degradado pelo tempo e pela falta de manutenção dos governos anteriores. Reforça também que as intervenções realizadas no local visam ainda a resguardar o patrimônio público e a segurança dos frequentadores”.

Acrescentou que cabos de energia ligados aos equipamentos do prédio têm sido “depredados e furtados, além da presença constante de usuários de drogas, causando não só prejuízos ao patrimônio público, mas também colocando suas vidas em risco. A depredação e ameaça de roubos de cabos de energia constam em boletins de ocorrências”. E disse que “os usuários de drogas e as pessoas em situação de rua são acolhidos em equipamentos públicos do município, como os Centros de Referência de Assistência Social e a Fazenda Paraíso, por exemplo.”

Confira a íntegra da nota:

“A Prefeitura de Duque de Caxias, através da Secretaria Municipal de Obras e Defesa Civil, informa que as intervenções que estão sendo feitasno Teatro Municipal Raul Cortez, localizado na Praça do Pacificador, Centro do município, fazem parte do projeto de reforma do prédio, e que todos os procedimentos legais junto ao escritório do arquiteto Oscar Niemeyer foram cumpridos, por exigência da Caixa Econômica Federal, responsável pela liberação dos recursos para a revitalização do Teatro.

A Prefeitura de Duque de Caxias ressalta ainda que, desde 2017, quando aatual administração municipal assumiu seu primeiro governo, vem buscando recursos para as obras de revitalização e modernização do espaço público, degradado pelo tempo e pela falta de manutenção dos governos anteriores. Reforça também que as intervenções realizadas no local visam ainda a resguardar o patrimônio público e a segurança dos frequentadores.

No local indicado, existe a passagem de cabos de energia ligados aos equipamentos do prédio, que frequentemente são depredados e furtados,além da presença constante de usuários de drogas, causando não sóprejuízos ao patrimônio público, mas também colocando suas vidas em risco. A depredação e ameaça de roubos de cabos de energia constam em Boletins de Ocorrências realizados pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, junto aos órgãos competentes. Vale acrescentar que, em Duque de Caxias, os usuários de drogas e as pessoas em situação de rua são acolhidos em equipamentos públicos do município, como os Centros de Referência de Assistência Social e a Fazenda Paraíso, por exemplo.”





Fonte: G1