Prédio do Automóvel Clube pode abrigar hotel após quase 20 anos de abandono no Centro do Rio


O imponente prédio do antigo Automóvel Clube do Brasil, no número 90 da Rua do Passeio, tombado desde 1965, há quase 20 anos deixou de chamar atenção apenas pela sua exuberante fachada em estilo neoclássico do século XIX e passou a ser protagonista da imagem de abandono da região central da cidade. A construção, de mais de 167 anos, tem estado em frangalhos por pelo menos uma década, sendo alvo de sequentes invasões e ocupações de pessoas que acabam, inclusive, correndo risco no local, cada dia mais degradado internamente — com constantes quebras de rebocos e vitrais. A situação, no entanto, pode estar próxima de mudar, de acordo com o prefeito Eduardo Paes. Nesta quarta-feira, durante a cerimônia de sanção do projeto Reviver Centro, que pretende modernizar e levar moradia à área, Paes revelou que há a possibilidade real de o local virar um hotel em breve. Isso porque há interesse de uma empresa do segmento de hostels, que visitou as instalações este mês.

— Nós estamos tentando negociar. Ali, há uns anos atrás, o vereador e ex-prefeito Cesar Maia tomou uma atitude importante que foi de trazer aquele patrimônio para o município, mas nós não conseguimos viabilizar nada que o setor privado tivesse interesse. Agora, uma grande rede hoteleira, há duas semanas atrás, visitou ali e está pensando em fazer um empreendimento hoteleiro ali, uma rede de hostels. Nesse momento, o que a gente está tentando é conter essas invasões e ocupações que acontecem ali — contou Eduardo Paes, sem revelar o nome da empresa.

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O prefeito ressaltou que a prefeitura tem conhecimento da grande quantidade de prédios históricos e clássicos que estão abandonados na área do Centro. Segundo ele, a solução passa exatamente pelo interesse e intervenção do setor privado.

— Infelizmente, não faltam prédios históricos abandonados no Centro. Mas o que eu tenho muita convicção é de que esse é um processo sem volta de requalificação da região. E quem faz isso é o setor privado. Não dá para esperar que o Poder Público vá recuperar ou reconstruir todos os prédios, abrir comércio… Não há dinheiro que resista. Aliás, quando você tem a cidade degradada, você arrecada menos. Então, o objetivo é esse: com a chegada de pessoas, com novos empreendimentos, vem aí um ciclo virtuoso, as coisas vão acontecendo, as pessoas vão abrindo novos negócios: supermercado, padarias, lojas, comércio e por aí vai — acrescentou o prefeito.

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Nesta quarta, o secretário de Planejamento Urbano da prefeitura, Washington Fajardo, também celebrou a sanção do Reviver Centro, numa área que, segundo ele, não pode ficar vazia, por conta de sua beleza e importância histórica.

— Estamos numa vanguarda para a gente começar a repovoar o Centro histórico, e é a partir do crescimento da população nessa área que a gente vai construir uma centralidade sustentável e que seja coerente com essa beleza que é representada nessa área. É uma beleza, mas que não nos enganemos: o Centro do Rio representa também a beleza da civilização brasileira. Não faz sentido que esse lugar seja vazio de população e é isso que deseja o Reviver Centro, que a gente possa reocupar e que a gente tenha no século XXI um Centro coerente com o nosso povo, com a cidade do Rio de Janeiro e com o nosso tempo.

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Prédio do Automóvel Clube do Brasil: mais de 167 anos de história

O prédio do Automóvel Clube do Brasil foi projetado inicialmente como residência em meados do século XIX. Consta nos arquivos do governo do RJ, em texto do historiador Artur Rodrigues, que, em 1845, foi alugado para ser utilizado como o recém criado Cassino Fluminense, um dos mais importantes salões da capital imperial, palco dos principais bailes de corte. Com o sucesso do empreendimento, em 1854 o imóvel foi comprado em definitivo, passando por uma reforma que duraria até 1860, sob o comando de Luis Hoxse, quando ganharia os contornos neoclássicos que, em parte, podem ser vistos hoje.

  • Em 1890, o prédio – do então Cassino Fluminense – chegou a abrigar o Congresso após a proclamação da República e consequente convocação da Assembleia Constituinte Republicana, no período das sessões preparatórias.
  • A partir de 1900, o edifício começou sua relação com os donos de automóveis: passou a abrigar o Clube dos Diários, composto pelos poucos donos de carros da época. Em 1910, eles adquirem o prédio em definitivo. É nesse ano, inclusive, que uma nova reforma, sob o traço do arquiteto Joseph Gire, resulta na instalação da porte-cochère metálica na entrada e pela ornamentação de estilo eclético.
  • Em 1924, o clube se funde ao Automóvel Clube do Brasil, passando por novas reformas, com a construção, por exemplo, do jardim de inverno no interior do prédio e de salões laterais, hoje destruídos pelo abandono.

Presidente João Goulart, o Jango, no Automóvel Clube, em 30 de março, um dia antes de sua derrubada
Presidente João Goulart, o Jango, no Automóvel Clube, em 30 de março, um dia antes de sua derrubada Foto: Acervo O GLOBO

  • Em 1964, o prédio continuou sendo utilizado como um espaço de lazer e serviu como ponto de encontro de políticos e base para comícios. Um deles, histórico, foi o último do ex-presidente João Goulart, durante um evento militar, em 30 de março daquele ano, considerado por historiadores como o estopim do golpe militar. Em 1965, o prédio é tombado pelo estado do RJ.
  • Depois disso, o prédio continuou abrigando o Automóvel Clube do Brasil por mais de 30 anos, assumindo a função de posto do Detran-RJ nos anos1990.
  • Em 1996, no entanto, o prédio foi alugado para a instalação do Bingo Imperial, que remetia à época do Cassino Imperial, mas passava longe em termos de glamour. Logo, a população local se mostrou contra o Bingo e fez diversos protestos, até que o edifício foi leiloado e comprado pelo próprio município do Rio.
  • A prefeitura, então, agora detentora do imóvel, em 2003, novamente entregou a administração do prédio ao Automóvel Clube do Brasil. Com dificuldades financeiras, no entanto, no ano seguinte, o prédio prédio foi esvaziado e, desde então, está em estado de abandono.

Em março de 2002, quando o prédio abrigava o Bingo Imperial: casa foi assaltada
Em março de 2002, quando o prédio abrigava o Bingo Imperial: casa foi assaltada Foto: Celso Meira





Fonte: G1