Pesquisa da Comlurb mostra impacto da crise e da pandemia no consumo dos cariocas


O lixo pode revelar muito sobre a realidade socioeconômica de uma população. O que é jogado fora pelos cariocas mostra que a crise causada pela pandemia ainda impacta nos padrões de consumo no Rio. Estudo realizado pelo centro de pesquisas da Comlurb indica que o descarte de matéria orgânica residencial manteve-se abaixo do registrado antes da chegada da Covid-19. Isso significa mais reaproveitamento e menos desperdício. Por outro lado, o vidro segue acima do verificado antes do isolamento social, possivelmente justificado pelo aumento do consumo de bebidas alcoólicas.

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Na casa da vendedora Lúcia Silva, de 39 anos, a rotina foi alterada após o marido, o autônomo Marcos Silva, de 42, perder o emprego em maio do ano passado. Ele era supervisor de uma lanchonete no Centro do Rio, que fechou as portas no início da pandemia, e não conseguiu se restabelecer.

— Passamos a aproveitar mais os alimentos. Antes, jogávamos muita coisa fora que hoje utilizamos numa sopa ou num ensopadinho. Precisamos nos adaptar depois que meu marido ficou desempregado. E tudo está mais caro. Nossa renda não permite mais que o lixo vá para o caminhão com sobras que ainda podem ser aproveitadas e servidas à mesa. As dificuldades trouxeram essa lição para nós — conta Lúcia, mãe de dois filhos.

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Conforme a pesquisa no lixo domiciliar, esse cuidado com os alimentos vem desde o ano passado, quando, em março e abril, pela primeira vez, os bairros da Zona Sul apresentaram percentuais de matéria orgânica superiores aos das zonas Norte e Oeste. Já em 2021, os números voltaram ao padrão histórico, e os lixos coletados na Zona Norte tiveram mais restos de alimentos (47,78%), com predominância no bairro de Irajá, do que a Zona Sul (39,27%).

Fonte: Centro de pesquisas da Comlurb
Fonte: Centro de pesquisas da Comlurb Foto: Editoria de Arte

— Houve perda do poder de compra e maior presença das pessoas em domicílio, o que permitiu a organização do consumo da comida preparada em casa. Além disso, com a redução do isolamento social, os moradores da Zona Sul, que possuem maior poder aquisitivo, passam a fazer refeições em restaurantes e bares, não mais em casa — explica Bianca Ramalho Quintaes, gerente do departamento do Centro de Pesquisas da Comlurb.

Outro destaque é o aumento gradativo no componente “outros”, que está relacionado a máscaras descartáveis e papéis sanitários. Segundo Bianca, esse aumento teve início em 2020 e continua crescendo no primeiro semestre de 2021, demonstrando preocupação com a higiene e que há mais pessoas com síndrome gripal.

Fonte: Centro de pesquisas da Comlurb
Fonte: Centro de pesquisas da Comlurb Foto: Editoria de Arte

Além disso, após perder destaque para o papel no ano passado, o que não acontecia havia 14 anos, o plástico voltou a ser o principal componente reciclável do lixo em 2021. O descarte de papel tinha apresentado grande crescimento no início da pandemia. Já o vidro permaneceu com valores altos, que têm sido registrados desde o início da pandemia.

— Em abril e maio de 2020, houve aumento do componente papel, representado pelas embalagens dos serviços de entrega de comida, como, por exemplo, pizzarias e hamburguerias. No entanto, com a flexibilização do distanciamento social e a volta de recicladores informais (aqueles que recolhem lixo nas ruas antes da passagem da Comlurb), observou-se uma diminuição gradativa na coleta de papel/papelão de 16,86%, em abril e maio de 2020, para 9,88%, de janeiro a agosto de 2021. Além disso, há mais garrafas de bebidas alcoólicas nos resíduos domiciliares, com destaque para as de maior teor alcoólico, como cachaça, uísque e vodca — detalha.

Doação de roupas no lixo

Outra curiosidade é o maior percentual de roupas velhas e panos de modo geral nos bairros próximos à região central, como São Cristóvão, Lapa e o próprio Centro. Nessa área, os têxteis correspondem a 3,77% da composição do lixo. Isso é quase o triplo do registrado na Zona Sul, que soma 1,27% desses materiais.

— A população em situação de rua aumentou demais. As pessoas recebem doações de roupas e descartam as antigas ali mesmo — explica Bianca.

Caroline Aquino e os avós Marizia dos Reis e José dos Reis aproveitam tudo: contenção de gastos e melhor uso dos alimentos
Caroline Aquino e os avós Marizia dos Reis e José dos Reis aproveitam tudo: contenção de gastos e melhor uso dos alimentos Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

O gari João Luis, de 42 anos, trabalha há 19 no centro de pesquisas. Ele acredita que a redução da quantidade de matéria orgânica poderia ser maior.

— É um desperdício grande. São alimentos que poderiam ser aproveitados. Legumes, frutas, pacotes de pães e de biscoitos cheios… é triste, sabendo que muitos não têm o que comer. Em casa, não jogamos quase nada fora. Levo esses ensinamentos para minhas filhas — conta ele, que completa: — Só de olhar, sabemos de onde o lixo vem. Seja pela marca ou embalagem e o tipo de descarte. Regiões mais humildes têm lixos mais revirados por catadores.

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Na casa da publicitária Caroline Aquino, de 25 anos, contenção de gastos e otimização dos alimentos têm sido o mantra de toda a família. Ela, que mora com os pais e os avós paternos em Olaria, na Zona Norte do Rio, conta que a crise trouxe dificuldades financeiras, superadas pela criatividade.

— Estamos sempre pesquisando receitas com cascas de frutas e legumes, pensando em como não desperdiçar nada, não jogar no lixo o que ainda nos serve. Também passamos a pedir menos refeições por aplicativo, para economizar, deixando os supérfluos para datas especiais ou um fim de semana no mês — ensina.





Fonte: G1