Perto dos 90 anos, Cristo Redentor ganha biografia sem lugar para lendas e mitos


RIO — A primeira pessoa a idealizar uma imagem de Cristo no topo do Corcovado foi a Princesa Isabel. Após a assinatura da Lei Áurea, abolicionistas a procuraram com a proposta de eternizar em estátua a “redentora”, como fora apelidada por José do Patrocínio. A princesa, gentilmente, recusou a ideia. E mais: em 2 de agosto de 1888, o então ministro dos Negócios, José Fernandes da Costa Pereira Júnior, em nome de Sua Alteza, pediu à Comissão Organizadora do monumento que fosse modificada a homenagem para “uma estátua do Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro redentor dos homens, que se fará erguer no alto do morro do Corcovado”.

Déficit habitacional: Em 20 anos, quase cem novas favelas surgiram na cidade do Rio, aponta IPP

Mesmo documentado o episódio acima, quem ficou com as glórias de primeiro a sonhar com um Cristo no alto da montanha carioca foi o padre francês Pierre-Marie Bos. Em 1903, ele registrou o desejo num poema. Essa é só uma das lendas em torno do monumento que o jornalista Rodrigo Alvarez acaba de derrubar no livro “Redentor” (Globo Livros). Amanhã, às 10h, ele participa de uma live de lançamento ( transmissão pelo YouTube, Facebook e Instagram do GLOBO) com o padre Omar Raposo, reitor do Santuário Cristo Redentor, mediada por Joana Dale, do GLOBO.

Ao iniciar a pesquisa para a primeira biografia sobre a estátua que é uma das sete maravilhas do mundo moderno e está prestes a completar 90 anos — em 12 de outubro —, Alvarez se deparou com uma história cheia de fantasia e lacunas.

Vistoria: De 141 imóveis públicos vistoriados em trecho do Centro, 40% estão vazios ou subutilizados

— Nunca se fez a sério uma biografia sobre o Cristo. Nada completo ou isento. Ao apurar as informações sem qualquer viés, descubro um monte de bobagens. Nem a Igreja sabia que a primeira a ter a ideia foi a Princesa Isabel. Criou-se o mito do padre Bos, francês — conta o jornalista, autor da série best-seller “Aparecida”, “Maria” e “Milagres”.

Iluminação

A pesquisa de Alvarez desmente ainda que o inventor Guglielmo Marconi apertou, da Itália, o botão que iluminaria o Cristo na sua inauguração, via sinal telegráfico.

Rodrigo Alvarez
Rodrigo Alvarez Foto: Divulgação

— Essa é uma mentira do Chatô (o jornalista Assis Chateaubriand). Tentaram fazer isso, mas o sinal nunca chegou. O engenheiro Gustavo Corção apertou o botão, da estação de Jacarepaguá, para iluminar o Cristo — conta.

No livro, Alvarez, que vive em Miami, narra, através de uma escrita que parece conversa com o leitor, que a ideia de fazer o monumento é retomada após o Papa Leão XIII, na virada do século, convocar as igrejas a celebrar o Cristo Redentor, com a cruz e o planeta em suas mãos. A Argentina atendeu o pedido em 1902. O Cristo carioca, afirma Alvarez, nasceria depois, dentro de um contexto nacionalista, através de monarquistas revoltados com a República, que iniciam uma campanha pela obra em fevereiro de 1921. O projeto seria materializado mais tarde sob a liderança de dom Sebastião Leme, ficando de vez ligado à Igreja.

Feirão: Edifício A Noite, Mercadinho São José e antiga sede da Ancine: conheça os 168 imóveis da União ofertados no feirão do Rio

Padre Omar, tema do capítulo final, se surpreendeu com a força do cardeal:

— O livro conta a história do Cristo também do ponto de vista político. Há apoios que até então não eram lembrados de maneira honrosa, como a presença, a inteligência e a estratégia do cardeal Leme.

Alvarez ressalta que, no trabalho, jogou luz sobre uma injustiça histórica: a da participação do escultor parisiense Paul Landowski, referência art déco dos anos de 1920, na obra de arte que é o Redentor.

— Virou um escultor maldito, excluído da história também por não ser brasileiro — diz ele, que destaca ainda o papel do engenheiro carioca Heitor da Silva Costa.

O livro
O livro Foto: Divulgação

O jornalista volta ao passado para explicar o porquê dos conflitos entre a Igreja e órgãos públicos federais: quando o presidente Epitácio Pessoa cedeu a área para a estátua, não criou uma via de acesso. Apesar da crise, Alvarez afirma: o Cristo nunca foi tão bem cuidado e, hoje, cumpre seu propósito religioso, por muito tempo esquecido.

— O alto do Corcovado sempre foi lugar de proteção. No começo, proteção militar, de vigilância da chegada de navios. Talvez não tenha sido por acaso erguerem o Cristo lá em cima — frisa o autor.





Fonte: G1