Pegos de surpresa, moradores da Favela do Lixão, em Duque de Caxias, têm construções demolidas pela prefeitura


A recepcionista Ana Cláudia Santos, de 26 anos, saía de casa para trabalhar, às 7h, quando um vizinho fez o alerta. Era preciso correr porque uma retroescavadeira iria derrubar sua casa. Moradora da Favela do Lixão, em Duque de Caxias, ela está entre as cerca de 20 famílias que podem ter a casa demolida pela prefeitura.

A ação ocorreu nesta quarta-feira. Segundo moradores, o subsecretário municipal de Urbanismo e Habitação, Rafael Quaresma, chegou à comunidade com funcionários da prefeitura e policiais militares para iniciar a demolição das moradias. Eles entraram por um dos acessos do Lixão, na Avenida Governador Leonel de Moura Brizola, e utilizaram uma retroescavadeira.

— Chegaram de surpresa dizendo que quem ainda não estava morando tinha que sair na hora. Quem já estava morando tinha o prazo de 48 horas. Mas não nos apresentaram papel nenhum. Só depois, preencheram à mão uma intimação. A gente é pobre, mas não é burro. Se estamos errados por construir de forma irregular, eles estão errados de não avisar — contou Ana, que se mudou há tres meses para a casa que está construindo há mais de um ano.

Ana Claudia mostra a intimação feita à mão por funcionários da prefeitura
Ana Claudia mostra a intimação feita à mão por funcionários da prefeitura Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

Os funcionários da prefeitura chegaram a demolir duas construções, mas foram impedidos por moradores de seguir com a derrubada de outras moradias. A primeira construção a ir ao chão foi da dona de casa Tânia Regina da Silva, de 56 anos. Ela e o marido tinham erguido um cômodo e uma garagem.

— Vi pela janela quando o pessoal da prefeitura chegou. Pedi para deixarem eu tirar os materiais de construção. Mandaram eu ser rápida porque estavam com pressa. Quando derrubaram, fiquei com o coração na mão. É muito triste. Tem dinheiro investido. É pouco, mas é nosso, do nosso suor.

Tânia viu o cômodo que construiu com o marido ser derrubado
Tânia viu o cômodo que construiu com o marido ser derrubado Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

Morador da comunidade, o assistente social Michael Gervásio, de 42 anos, disse que a área pertence à Marinha do Brasil e era uma ciclovia. Ele contou ainda que, embora as construções sejam irregulares, a prefeitura deveria ter avisado com antecedência aos moradores:

— Essas construções foram feitas de forma irregular. As pessoas estavam cientes de que corriam esse risco (de demolição), como já aconteceu em 2013. Mas a prefeitura não deu nenhum aviso com antecedência.

Jennifer Assumpção com a intimação feita à mão por funcionarios da prefeitura
Jennifer Assumpção com a intimação feita à mão por funcionarios da prefeitura Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

Nesta quinta-feira, o clima era de tensão com a possibilidade do retorno dos funcionários da prefeitura. A vendedora Jennifer Assumpção de Lima, de 20 anos, se mudou há três meses para a quitinete que está construindo há quase dois anos. No imóvel, ela mora com o marido e a filha, de 9 meses. Ela conta que teme voltar para o aluguel:

— Estava difícil pagar aluguel e com bebê pequeno. Por isso, viemos para cá, mas ainda estamos terminando de construir. Se eu tiver que sair, só tenho a casa dos meus pais, mas eles também moram em uma quitinete.

Na Rua Projetada L, além das construções irregulares, há imóveis que foram entregues pelo poder público. Mas moradores reclamam que faltam serviços básicos à população.

— Aqui não tem iluminação pública. À noite é um breu. Não tem coleta de lixo. A gente não quer luxo. Só quer, como pobre, ter dignidade — afirmou Ana Cláudia.

A Secretaria de Obras, Urbanismo e Habitação (SMOUH) de Duque de Caxias informou que a ação deflagrada nesta quarta-feira (30) na Favela do Lixão foi realizada em conjunto com as secretarias de Transportes e Serviços Públicos e de Políticas de Segurança, Infraestrutura Urbana e Gestões Tecnológicas com agentes da Guarda Municipal e apoio do 15º BPM (Caxias)para impedir a construção irregular no local.

Ressaltou que nenhuma moradia foi demolida e que a ação visou áreas com obras irregulares em fase inicial sem moradias. A secretaria disse ainda que o local é uma bacia de acúmulo de águas pluviais para controle de enchentes na região, inclusive nas comunidades do Lixão e Vila Ideal, e que as três moradias existentes no local foram preservadas e os moradores convidados a comparecer à Subsecretaria de Habitação para cadastro nos programas habitacionais do município.

A secretaria informou que no local da bacia a prefeitura construiu comportas e precisa manter a área do entorno livre para que possa realizar regularmente a manutenção do trecho receptor das águas. Com relação à retirada de lixo, o Departamento de Limpeza Urbana informou que um caminhão coletor compactador de pequeno porte faz coleta regularmente na comunidade.

A Marinha informou que a área citada não lhe pertence.





Fonte: G1