Passageiros esperam mais de meia hora para viajar ‘quicando’ em ônibus do Rio


Parte de um pacote de ações anunciadas pela Prefeitura do Rio para melhorar o serviço de transporte por ônibus no município, a licitação para escolher um gestor independente do sistema de bilhetagem eletrônica será realizada hoje. Enquanto as melhorias não chegam, os passageiros penam. Para muitos, a rotina se resume a uma longa espera no ponto, seguida, não de alívio, mas de uma viagem “quicando” em veículos sucateados e sem ar. Ou pior, quando a espera se estende ainda mais, depois de o ônibus “passar voado”, sem parar para o embarque.

— Os motoristas passam pelo ponto que nem doidos, voados mesmo, e a gente, que sofre no ponto esperando quase meia hora, muitas vezes perde — conta a cabeleireira Leni Jorge, de 53 anos, sobre o 394 (Cinelândia-Realengo), que ela usa terça e quinta para ir do Catumbi, onde mora, até o Centro, onde faz um curso.

Leni Jorge esperou ontem o 394 por meia hora
Leni Jorge esperou ontem o 394 por meia hora Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

O 397 (Campo Grande-Cinelândia), diz ela, é “outro caos”, sempre superlotado:

— Já peguei ônibus em que eu não conseguia nem colocar o pé no chão direito, de tão cheio.

Na Central, um homem que preferiu não se identificar listou quatro linhas com condições precárias: 315 (Castelo-Recreio), 393 (Candelária-Bangu), 386 (Candelária-Mariópolis) e a 397. No 315, ele disse que já viu motorista circulando com o câmbio avariado:

— Todas essas linhas têm carros nas últimas. Nessa aqui, eu já andei com a marcha quebrada. A sensação é de medo. Quem garante que tem freio?

Ônibus da linha 848 com porta que não fecha
Ônibus da linha 848 com porta que não fecha Foto: Extra

Longa espera é seguida de viagem em ônibus sucateados
Longa espera é seguida de viagem em ônibus sucateados Foto: Marcia Foletto / Extra

Quem também reclama do 397 é a doméstica Helena Ribeiro, de 53 anos, que mora no Rio da Prata, em Campo Grande, e usa o 397 três vezes por semana para ir ao médico, no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Centro. A espera no ponto é de pelo menos meia hora, por um ônibus que chega “aos pedaços”.

— O ônibus não tem banco, a porta não fecha. Eu vim quicando até aqui, porque o motorista disse que o carro estava quebrado. Senti dor na coluna. Estamos largados na Zona Oeste.

Helena Ribeiro espera meia hora pelo 397, que chega com bancos quebrados e porta que não fecha
Helena Ribeiro espera meia hora pelo 397, que chega com bancos quebrados e porta que não fecha Foto: Márcia Foletto / Extra

O pesadelo da recepcionista Kamila Pires, de 25 anos, é ter que pegar a linha 847 (Rio da Prata-Campo Grande) para ir ao trabalho. Ela conta que um carro em que estava já quebrou no meio do caminho, quando ía de Campo Grande para a Tijuca. E não foi a única vez:

— Já quebrou ônibus várias vezes no meio do caminho. A gente sofre demais. Eu só tenho essa opção para ir para a Tijuca.

Kamila Pires no 847: “Já quebrou ônibus várias vezes no meio do caminho”
Kamila Pires no 847: “Já quebrou ônibus várias vezes no meio do caminho” Foto: Marcia Foletto / Extra

O técnico de manutenção Edmilson Silva, de 50 anos, faz baldeação do trem para a Linha 321 (Bancários-Castelo) para ir ao trabalho, no Caju, e também sofre no transporte sucateado:

— Os carros não têm ar, as cadeiras são quebradas, as janelas não têm mais as borrachas que evitam o barulho, ou seja, parece que tudo vai se quebrar quando está andando. Os puxadores que existem para caso de emergência não existem mais.

Edmilson da Silva pena nos trens do ramal Japeri e nos ônibus municipais do Rio
Edmilson da Silva pena nos trens do ramal Japeri e nos ônibus municipais do Rio Foto: Marcia Foletto / Extra

Toda segunda e quarta-feira, Ana Claudia Lisboa, de 42 anos, sai de Del Castilho para levar o filho ao Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência, no Centro. Com Maicon, de 3 anos, no colo, ela espera em média 40 minutos o 296 (Irajá-Central) na volta para casa.

— Para pegar o 298 (Acari-entral), eu andaria 30 minutos. Com ele no colo, é horrível. É como não ter outra opção — diz.

Ana Claudia com o filho no colo espera o 296 por mais de meia hora
Ana Claudia com o filho no colo espera o 296 por mais de meia hora Foto: Marcia Foletto / Extra

Respostas

A Secretaria Municipal de Transportes disse que tem cobrado dos consórcios que operem com a frota determinada. Segundo a SMTR, 294 linhas foram incluídas no sistema de aplicação automática de multas com base no GPS. Sobre o estado da frota, afirmou fazer fiscalizações rotineiras e que os ônibus em mau estado podem ser multados, lacrados e recolhidos.

O Rio ônibus alegou que a crise, potencializada pela pandemia, e as tarifas congeladas levaram a essa situação, em que muitas empresas faliram ou estão em recuperação judicial.

Licitação do sistema de bilhetagem

Em meio a uma batalha jurídica com entidades entre outras representantes das empresas de ônibus, a prefeitura realiza hoje a licitação para gestão da bilhetagem dos ônibus. Ontem à tarde, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, que alegava irregularidades na licitação. Um dos argumentos da entidade é que em 2010, ao realizar a primeira concessão dos ônibus, a prefeitura previu que o controle da bilhetagem seria mantido com a Riocard, ligada aos empresários que desde os anos 1980 fazem a gestão do sistema de transporte.

A expectativa da Secretaria municipal de Transportes, Maina Celidonio, é que o novo sistema comece a operar pelos corredores do BRT, sob intervenção da prefeitura desde março.

Maina conta que três empresas pediram esclarecimentos sobre o edital, mas que só durante a licitação será possível saber quantos grupos vão participar. O que se sabe é que a Riocard — que chegou a conseguir liminar para participar da licitação que foi posteriormente revogada — está fora. O município argumenta que um mesmo grupo empresarial não pode controlar a operação dos ônibus da cidade e ser responsável pela bilhetagem, que na prática permite controlar quanto os consórcios faturam e a demanda por cada linha da cidade.

Sob controle dos atuais operadores, o modelo atual da bilhetagem esteve no centro das denúncias das Operação Ponto Final, desdobramento da Lava-Jato, que investigou pagamentos de propinas para agentes públicos por parte de empresários. Ao prestar contas às concessionárias, a Riopar Participações, que controlava o Riocard, servia repassava verbas adicionais para compensar empresas que pagavam propinas a deputados estaduais e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE).





Fonte: G1