Pais e professores da rede pública de Niterói denunciam crise na educação do município


Professores e pais de alunos da rede pública denunciam a falta de estrutura nas Unidades Municipais de Ensino Infantil (UMEI) de Niterói. Em carta aberta ao público, docentes da UMEI Professora Denise Mendes Cardia relatam como descaso das autoridades, o desmonte da educação pública na cidade e as condições precárias de aprendizagem, com salas superlotadas, falta de professores de apoio especializado para acompanhar a demanda de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e profissionais mal remunerados e sobrecarregados pela escassez de pessoal.

A diretora da Secretaria de Assuntos Educacionais do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) em Niterói, Milena Monteiro, explica que “a falta de profissionais é um problema recorrente na rede” e a crise no sistema de ensino público da cidade se deve à má gestão dos recursos pela municipalidade e sua inércia em pensar o retorno efetivo às aulas, após 2 anos de pandemia, o que gerou novos problemas e agravou os já existentes.

“A questão do sucateamento da educação não é novidade em nenhum governo, mas Niterói é um município rico e que possui recursos para sanar as dificuldades que se apresentam. Mesmo com a alta arrecadação, a cidade mantém o piso salarial dos professores abaixo do piso nacional, o que é um absurdo, afinal o piso é uma garantia constitucional e por isso deve ser respeitado. Niterói vive sob o slogan de ” Cidade Educadora”, portanto, um salário digno e que honre com o previsto em lei é o mínimo que se espera.”, sustentou ela.

Ainda de acordo com a diretora do Sepe, “a oferta de uma educação de qualidade exige a manutenção dessa educação. O trabalho em qualquer condição precária não pode gerar bons resultados, sobretudo quando direcionado às crianças. Espaços com brinquedos, merenda de qualidade, profissionais capacitados, salas com quantidade máxima de alunos respeitada, rotina de planejamento para os educadores e condições de trabalho para todos os profissionais que atuam na escola. O universo infantil exige uma rotina específica de cuidados, pois as crianças nessa etapa da vida precisam ter suas condições e necessidades respeitadas.”

Contudo, como mostram os relatos de pais de alunos da Escola Municipal Anísio Teixeira, em São Domingos, esses cuidados não vêm sendo tomados pela Fundação Municipal de Educação (FME), órgão responsável pela gestão do ensino no município. Mãe da Maria Clara, de 9 anos, uma criança com altas habilidades e que, portanto, precisa de acompanhamento pedagógico especializado, a autônoma Fernanda Soares de Oliveira expressou sua preocupação com o ensino da filha. “A escola é uma excelente escola, era pra ser a menina dos olhos de Niterói, porque é uma escola integral, com profissionais capacitadíssimos, só que eles estão sobrecarregados por conta da falta de professores de apoio.”

“Estão exaustos, cumprindo tarefas e tapando buracos que na verdade deveriam estar sendo preenchidos com mais pessoal. Às vezes eles não têm hora pra almoçar, porque tem crianças que não podem ficar sozinhas e, por isso, precisam de um professor tomando conta para que o outro possa almoçar. Tem pais que estão buscando as crianças mais cedo na escola e às vezes nem levando porque não tem professor de apoio e isso é constrangedor. Como mãe, me preocupa muito, porque a profissional que deveria estar com a Maria Clara na hora da sala de recursos, está ocupada socorrendo ou cobrindo outros professores e, com isso, ela fica sem atendimento e é complicado porque vemos a mudança no comportamento dos nossos filhos.”, finalizou Fernanda.

O astrônomo Wailã de Souza Cruz, pai da Isadora, de 8 anos, uma menina down, que assim como Maria Clara também estuda na Anísio Teixeira e possui necessidades educativas especiais, ressaltou a importância do professor de apoio nas salas de aulas, não só para o desenvolvimento de crianças NEE, mas para o funcionamento da dinâmica de ensino como um todo. “Além de ser um direito, o professor de apoio é uma pessoa fundamental para a turma toda, pois, além de possibilitar um melhor aprendizado para a criança com deficiência, retira uma sobrecarga do professor que precisa atender a todas as crianças da turma e na maioria das vezes não vai conseguir dar uma atenção que esse aluno necessita.”, destacou ele.

O servidor público lotado na Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro também fez questão de expressar sua indignação com a situação. “O ambiente de aprendizagem deve ser o mais harmonizado possível para que toda e qualquer criança possa ter seu desenvolvimento pleno. Porém, o que estamos vendo em Niterói e também no Brasil inteiro é um descaso muito grande com a educação pública e seus profissionais. Nossas crianças estão sendo negligenciadas justamente no momento que o apoio deveria ser máximo devido a pandemia. Está sendo muito ruim ver que muitas delas não estão se desenvolvendo como poderiam e como sempre, em um momento de crise, as pessoas com deficiência são as primeiras e as mais afetadas. Muitas das crianças com deficiência precisam de professores de apoio e a falta desses profissionais está prejudicando muito nossas crianças e isso é angustiante, pois sabemos o quanto é importante para nossos filhos estarem na escola e ter o apoio adequado para isso.”, afirmou.

Procurada pela reportagem do OSG, a professora Karina Blakeley, que leciona na Escola Municipal Anísio Teixeira, ratificou a fala dos responsáveis. “Nós professores a gente está em uma situação bem difícil, nós estamos nos sentindo muito desvalorizados, sem nenhum respaldo e não é só financeiramente não. O departamento médico está recebendo muita demanda de professores exaustos, professores adoecidos, com problemas psiquiátricos, porque a gente fica sobrecarregado, a gente não dá conta. Essa falta de pessoal, esse descaso, faz com que a gente tenha que se desdobrar em atividades, principalmente na nossa escola que é integral. É uma exaustão e uma desorganização sem fim.”, iniciou.

“As turmas estão lotadas, nós temos salas muito pequenas com um volume enorme de alunos, as crianças ficam abarrotadas e em vez de abrir mais unidades, eles estão lotando as escolas que já estavam cheias. O professor chega em casa esgotado e às vezes ainda tem que levar trabalho pra casa, porque a gente passa o dia inteiro em uma sala de aula lotada e não tem tempo de sair para uma correção já que não tem profissional que cubra em sala de aula e quando alguém fica doente, é a gente que tá tendo que suprir. Estamos deixando de tirar nosso dia de planejamento, que é de direito, para poder dar conta da demanda pela falta de professores e quando chega o final de semana estamos exaustos, com muitas tarefas para executar, sem apoio, e desmotivados por ter que falar sempre o óbvio sobre um assunto que deveria ser uma prioridade, que é a educação.”, concluiu Karina.

O Conselho Escola Comunidade (CEC) da instituição disse que vai enviar um ofício para a FME para esclarecer “a falta de professores de apoio educacional especializado, que compromete o funcionamento pleno das atividades desenvolvidas com alunos NEE e dificulta o processo de inclusão educacional dos mesmos, a falta de professores volantes, para cobrir o direito à faltas abonadas e tempo de planejamento garantidos por lei, o déficit permanente de cozinheiras escolares, a diminuição de verbas recebidas pela Escola para manutenção e aquisição de materiais de uso regular, como, materiais de higiene básica, limpeza, material de uso culinário, de uso pedagógico e afins e a necessidade de um profissional com formação em primeiros socorros, para atender as demandas da unidade escolar nos acidentes diários, durante o período que as crianças permanecem neste espaço.

O Sepe, por sua vez, informou que o sindicato vem monitorando as situações que acometem a educação infantil e outros segmentos que também apresentam diversas deficiências, como a falta de professores e estrutura adequada nas escolas e trabalha para pleitear as soluções necessárias. “Nós, do sindicato, pensamos a educação como um projeto de Estado e não uma política de governo. Entendemos e lutamos por uma educação digna para as classes populares e boas condições de trabalho para todos da escola e estaremos sempre em luta para que nossas pautas sejam respeitadas e atendidas. Tivemos reuniões com o secretário de educação e sua equipe, nas quais fomos enfáticos sobre a solução dos problemas que envolvem a educação infantil e temos, inclusive, uma ação [na Justiça] sobre o concurso de 2008, com a possibilidade de chamada desses profissionais, mas o governo insiste em recorrer [da decisão], trazendo morosidade ao caso e, em consequência, a impossibilidade de uma solução para todos.”, afirmou a entidade.

Em resposta à reportagem, a Prefeitura de Niterói informou que “a Educação Niterói vem empregando esforços para superar os desafios da educação especial. A Rede Municipal de Educação está realizando a contratação de 70 professores de apoio especializado que serão incorporados ao quadro para suprir as necessidades da Educação Especial a partir do segundo semestre. A previsão é que, até o fim do ano, o concurso público supra as contingências atuais do atendimento da Educação Especial.

A bidocência, caracterizada pela parceria entre professores do ensino comum e professores de suporte da educação especial, tem sido um dos focos de estudos com vista à resolução carência de professores na Rede Pública Municipal. Como consequência disso, foram criadas duas comissões especiais, através das Portarias nº 577/2022 e nº 578/2022, publicadas em maio, que têm como objetivo a elaboração dos editais do VII Concurso Público e de Contratação Temporária, que já está sendo executada”.

Sob supervisão de Marcela Freitas*

Fonte: O São Gonçalo