os perfis dos cariocas na pandemia da Covid


A pandemia do novo coronavírus fez o carioca se recolher. Mas, passados oito meses do início do isolamento social, a situação mudou. De um lado, resiste ainda a turma, cada vez menor, que segue à risca a quarentena e só sai de casa para o estritamente necessário. De outro, há os que ignoram completamente a Covid-19 e passaram a se aglomerar, sempre sem máscara, sem se importar com o amanhã. No meio de dois comportamentos extremos, há quem tenha flexibilizado, mas, diante do aumento recente de casos da doença, resolvido dar um passo para atrás e voltado a se isolar. A cidade que sempre lutou para deixar de ser partida está agora mais fragmentada do que nunca.

— Tem gente ainda com muito medo, que desenvolve até paranoias, sem sair para nada. Mas também estamos vendo que muitas pessoas sentem falta de contato físico. É o jeito do carioca abraçar, cutucar. Diante dessa impossibilidade, muitos estão flexibilizando. É por exaustão que o cariocas se arriscam — acredita a psiquiatra Magda Vaismann, lembrando que o jovem, por natureza, tem pouco medo da morte e é o que mais se aglomera.

Para o psicanalista Nilson dos Reis Domingues, outro fator tem levado os cariocas a ter comportamentos tão distintos. Para ele, falta uma política clara sobre a doença:

— Vivemos num país em que governantes dizem que não está acontecendo nada, o que leva a uma descrença na doença. Muitas pessoas só passam a acreditar quando perdem alguém próximo.

A psicanalista Tânia Coelho enxerga um cansaço coletivo:

— Mas muitas pessoas não têm maturidade ou autocontrole. E é razoável também tentar entendê-las.

A psiquiatra Maria Francisca Mauro diz que é preciso refletir sobre o coletivo:

— É uma questão de empatia, da reflexão de cada pessoa sobre sua responsabilidade pelo coletivo. Faz parte dos valores de cada pessoa. Há quem acredite que o seu bem-estar, a sua vontade, é maior do que o de qualquer outro.

Desde o início da pandemia na cidade do Rio, mais de 129 mil pessoas já foram infectadas pelo vírus e quase 13 mil morreram em decorrência da doença. Nesta quinta-feira, a capital fluminense teve 797 novos infectados e 51 mortos pela Covid-19. Já o Estado do Rio registrou 108 mortes e 2.118 novos casos do novo coronavírus entre quarta e quinta-feira. A média móvel de óbitos, na comparação com 14 dias atrás, cresceu 152%, o que indica tendência de aumento no contágio da doença — pelo terceiro dia seguido — por estar muito acima dos 15%, margem que indica estabilidade. Ao todo, são 334.514 infectados e 21.806 vidas perdidas desde o início da pandemia, em março, em território fluminense.

A seguir, veja relatos de quem vive a pandemia de formas diferentes no Rio de Janeiro.

Dona Aldarli com a neta Luiza na varanda de casa
Dona Aldarli com a neta Luiza na varanda de casa Foto: Luiza Moraes

A isolada

“Saí pela última vez de casa no dia 23 de março. É uma doença assustadora”

Moradora da Tijuca, a aposentada Aldarli de Castro Madeira, de 75 anos, não põe os pés na rua desde o início da pandemia:

— Saí pela última vez de casa no dia 23 de março. É uma doença assustadora, e tenho medo. Só fui tomar a vacina da gripe, como todo ano, e voltei. Depois, não fui mais para lugar algum. Fiquei completamente isolada com minha neta Luiza, de 8 anos. Meu filho e minha nora também moram comigo e têm feito as compras de mercado e providenciado os meus remédios. Eles trabalham na rua, mas são cuidadosos e, quando saem, é de carro. Tenho doença pulmonar e diabetes, então tenho muito receio de ser contaminada pelo coronavírus. Dentro de casa, também tomamos cuidados. Passo álcool gel nas compras, não recebi visitas, e os sapatos ficam na porta. Sinto falta de ir à rua, mas tenho passado esse tempo com a minha neta. Tomo conta dela, brinco, ajudo a estudar e faço a comida. No meu tempo livre, leio bastante. Não tenho ideia de quando essa fase vai acabar, ainda por cima com essa possibilidade de segunda onda, e quero me resguardar ao máximo.

Thiago Pereira vende empadinhas na Tijuca e só usa máscara para não afastar os clientes
Thiago Pereira vende empadinhas na Tijuca e só usa máscara para não afastar os clientes Foto: Luiza Moraes

O despreocupado

“Sei que é obrigatório o uso de máscara, mas chega uma hora que enche o saco”

O ambulante Thiago Pereira, de 28 anos, flexibilizou o isolamento até as últimas consequências— só usa máscara quando não tem jeito. Vendedor de empadinhas na Tijuca, ao lado da estação Uruguai do metrô, ele confessa que cansou de tantos cuidados:

— No começo da quarentena, eu estava mais focado, tomava todas as prevenções e ficava em casa. Mas com o tempo não teve como. Acabei desleixando mesmo, tive que trabalhar para sustentar a família, tenho uma filha pequena. Tenho certo receio da doença, mas não tenho mais medo não.

Ele conta que só usa a proteção no rosto quando necessário, para não afugentar os fregueses:

— Quando chega cliente é que uso a máscara, o álcool em gel, para eles não se sentirem desconfortáveis. Mas a maior parte do tempo fico sem a proteção mesmo. Volto de bicicleta para casa também sem máscara. Também já voltei a sair para me divertir. Fui a uma festa de aniversário e a um evento lotado, com todo mundo sem máscara. A única coisa que faço é evitar ver minha avó para não colocá-la em risco. Sei que é obrigatório o uso da máscara, mas chega uma hora que enche o saco.

Giulia saiu de casa e reencontrou amigos, mas, com o tempo, retomou as medidas restritivas
Giulia saiu de casa e reencontrou amigos, mas, com o tempo, retomou as medidas restritivas Foto: Luiza Moraes

A arrependida

“Eu já estava surtando”

Giulia Terra, de 22 anos, que mora com a mãe e a avó, de 76 anos, é do grupo dos que “surtaram”, relaxaram e, depois, se arrependeram: flexibilizou as medidas restritivas para reencontrar os amigos, mas, vendo os números da Covid-19 piorarem, voltou atrás e retomou os cuidados:

— No início, fiquei completamente isolada e com muito medo, principalmente pela minha avó. Meus amigos chegaram a viajar e me convidaram, mas eu não fui, estava seguindo bem certinha a quarentena. Em agosto, voltei a sair, mas nada absurdo. Os números de casos estavam caindo, já estava todo mundo na rua, e eu já estava surtando. Comecei a ir na casa de alguns amigos, viajei para São Pedro d’Aldeia e fui a alguns bares em Botafogo, que não estavam lotados. Não fui pra aglomeração, sabe? Só que, no início desta semana, o pai de uma amiga teve o teste para Covid-19 positivo. Eu tinha tido contato com ela pouco antes. Foi desesperador. Fiquei isolada dentro de casa, com medo de ter pego e passar para minha avó e para minha mãe. Meu teste deu negativo. Passei a refletir melhor, a doença parece cada vez mais próxima. Estou apreensiva com a possibilidade de segunda onda. Não vou voltar em barzinho tão cedo.





Fonte: G1