Numa Praia de Copacabana esvaziada, desejos de um 2021 mais leve e com vacina


RIO – Até as oferendas a Iemanjá estão mais tímidas nestas horas que antecedem um réveillon de distanciamento social no lugar dos abraços. Sem festa da virada logo mais à noite, uma Praia de Copacabana relativamente vazia (inclusive para um dia normal de sol no Rio) dá a cara da despedida de um 2020 em que o mundo precisou se reinventar para sobreviver à pandemia do novo coronavírus. Não tem balsa sendo preparada para o espetáculo dos fogos, nem grupos de turistas acampados e bebemorando desde cedo à espera da contagem regressiva. Aquele tradicional clima de comemoração dá vez a semblantes mais sérios, como se esta fosse uma data comum. Mas, de frente para o mar, num dia em que um arco-íris coloriu o céu depois de uma pacada de chuva, os desejos para o Ano Novo, esses sim, continuam a ser emanados. E a maioria vibra na mesma sintonia: com pedidos de Saúde e pela chegada ao país da vacina para conter a Covid-19.

Foi um dos pensamentos de Carlos Vagner Santos, de 56 anos, ao entrar no mar depois de anos sem um mergulho. Cadeirante, ele foi levado pela família para um 31 de dezembro de renovação imergindo na águas salgadas. Nos primeiros minutos ao sabor das ondas, ele confessa que foi tomado pela tensão – esse mesmo sentimento que não vai embora desde que as primeiras pessoas adoeceram na China. Mas, nos braços do filho, não demorou a relaxar. E então se pôs a agradecer, não só por ter superado 2020, mas também por estar ali, usufruindo do sol, nove anos depois de ouvir do médico, já sem o movimento das pernas, que ele só teria mais um mês de vida.

– Esse foi um banho de agradecimento. Até tomei um caldo numa onda mais forte. Mas foi bom demais. Fazia um bocado de tempo que não sabia o que era isso. Para entrar 2021 melhor, que venha logo a vacina para todos nós – dizia Carlos, que àquela altura era só sorriso.

Família leva Carlos Vagner Santos, que é cadeirante, para banho de mar no último dia do ano
Família leva Carlos Vagner Santos, que é cadeirante, para banho de mar no último dia do ano Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto

Mesma felicidade que ficava evidente nos olhos do filho dele, o jovem Kaio Café, de 20 anos. Ele não mora mais no Rio, foi para Sorocaba em busca das oportunidades do rico interior paulista. Sempre que possível, no entanto, volta a sua terra natal. Num desses retornos, foi com o pai para um passeio de caiaque no Posto 6. Desta vez, propôs levá-lo para nadar.

– Dentro d’água, lembrei que, quando era criança e ele ainda não era cadeirante, era meu pai quem me trazia para o mar, carregado nas costas. Hoje, isso se inverteu. É gratificante compartilhar essa experiência com ele – dizia Kaio.

Enquanto a família vivia seu momento todo particular, os termômetros de rua marcavam 35 graus, às 13h, antes da pacanda de chuva forte que caiu sobre o bairro esta tarde. Ainda sob o calor escaldante, guardas municipais faziam ronda na praia para coibir o estacionamento de quem não fosse morador do bairro, em cumprimento de uma determinação do prefeito em exercício, Jorge Felippe, que, desde o primeiro minuto desta quinta-feira, suspendeu cerca de 3 mil vagas em ruas de Copacabana. Pelo mesmo decreto, mais tarde, às 20h, também é previsto o fechamento de toda a orla e a redução do transporte público, incluindo o fechamento do metrô.

Devotos deixaram oferendas a Iemanjá na Praia de Copacabana ainda no início da manhã
Devotos deixaram oferendas a Iemanjá na Praia de Copacabana ainda no início da manhã Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

Para muitos, a medida ajudou a desencorajar que areias ficassem lotadas. Até havia pontos de aglomeração, como na área próxima ao Costão do Leme. Nada, porém, que sequer lembrasse outras vésperas de réveillon. Moradora do bairro, a jornalista Maria Fernanda Gurgel resolveu até antecipar sua tradição de, todo fim de ano, jogar flores ao mar em oferta a Iemanjá. Era um ritual repetido sempre por volta das 17h de cada 31 de dezembro. Desta vez, ela foi mais cedo, ao meio-dia, porque temia que a orla estivesse cheia demais.

– Mas, ao chegar aqui, fiquei impressionada com a praia vazia. E isso é maravilhoso, porque a pandemia continua aí, fazendo vítimas – afirmava ela.

A mãe dela teve Covid e, recentemente, ela perdeu a amiga Christina Rodrigues, atriz do Zorra Total, que ficou dias numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Rio à espera de um leito de CTI para pacientes com coronavírus. Em seus pedidos para 2021, não tinha como ser diferente, mais ações para reverter a pandemia estiveram entre as prioridades.

– No início, acreditei que teríamos mais empatia, que a mentalidade das pessoas mudaria diante do que vivemos. Mas, diante das festas lotadas e de um presidente dizendo “e daí” para agilizar a vacinação, digo que, em vez de um feliz Ano Novo, espero um 2021 mais suave. Desejo a conscientização de todos, uma mudança interna das pessoas. E vacina, pelo amor de Deus. É o que o povo brasileiro quer – clamava ela.





Fonte: G1