Antes das 6h30, a subida para a Vista Chinesa, pelo Horto, é um verdadeiro breu. De luz, só o pisca-pisca dos sinalizadores das bicicletas. E, nesse horário, elas podem chegar a centenas na Floresta da Tijuca, não importa a temperatura marcada pelos termômetros. É que a turma do pedal, assim como atletas de outros esportes ao ar livre no Rio, não tem medo do inverno carioca, mesmo nas manhãs em que ele é “quase glacial”. Ciclistas que frequentam a Vista Chinesa juram: na última onda de frio, a sensação térmica na descida, sempre em alta velocidade e com vento gelado no rosto, atingiu zero grau.
Para grande parte desses esportistas, a atual estação traz mais vantagens do que o verão no Rio, tão disputado pelos turistas.
— Pedalar com 30 graus é completamente diferente do que com 15 graus, como hoje — dizia, na última quarta na Vista Chinesa, Miguel Lasalvia, presidente da Comissão de Segurança do Ciclismo do Rio, que pedala há cinco décadas. — O clima mais ameno exige menos do corpo. O treino de bike no alvorecer propicia temperaturas de até 10 graus na Floresta da Tijuca, e ainda com paisagens lindas.
— O mais difícil é acordar! — se intromete um ciclista que assistia ao nascer do sol, que, nesses dias, tem brindado quem levanta da cama na madrugada com cores que vão do roxo ao laranja.
Luzes tão especiais são possíveis devido ao clima seco, sem chuva, e à baixa umidade, que permitem maior visibilidade. Esse espetáculo Bruna Brito, de 18 anos, não perde um dia sequer na Floresta da Tijuca. Há um ano e meio, no auge da pandemia, ela, que era completamente sedentária, experimentou o ciclismo. E não largou mais:
— Mudei minha vida por causa do esporte — diz ela, que desistiu de estudar física e começará fisioterapia devido ao pedal. — Nessa época, o desgaste é bem menor. E, quando está bem mais frio, é só colocar um casaquinho…
Sem tempo ruim
Há um ano e meio Mauro Sola Penna, de 52 anos, trocou a corrida pelo ciclismo, que em tempos de Covid vive um boom. Ele, que mora no Leblon, pedala “no mínimo seis dias por semana”:
— Nessa época, a gente sua menos. No verão, são cinco litros de água que se perde só subindo até a Vista Chinesa — comenta ele. — O frio atrapalha na subida, mas, por outro lado, temos agora o mais bonito nascer do sol.
Para os escaladores, não há melhor época no ano: entre eles, o inverno é unanimidade. A temporada do esporte no Rio começa no outono. Agora, nos fins de semana, as vias mais concorridas da Urca, maior complexo de escalada urbana do mundo, têm até “engarrafamento”.
— Quanto mais frio, melhor. Não estou falando de escalada no gelo. Mas, de Rio: aqui, o sol é o nosso grande inimigo — diz o escalador Ricardo Penna, de 59 anos, do Centro Excursionista Guanabara, que, no inverno, se dá ao luxo até de iniciar uma subida mais tarde, por volta das 8h, algo impensável no verão. — No inverno a gente consegue escalar montanhas grandes durante muito tempo. Dá para atingir 500 metros. No verão, a gente morre antes de chegar.
Para escaladores, é o inverno, sim, que tem a cara de vida ao ar livre no Rio:
— Verão no Rio é turista e praias lotadas — resume Penna.
Breno Scofano, de 37 anos, professor do Centro Excursionista Rio de Janeiro, explica que na estação mais quente há pedras com a face voltada para o sol, por isso, impossíveis de serem exploradas:
— No inverno, é melhor porque chove menos e tem menos calor. Dá para escalar o dia todo. No verão, só bem cedo e no fim do dia. Fora que no verão há risco de chuvas inesperadas que podem ser bem fortes e com raios. Por esses fatores, tem gente que praticamente só escala no inverno.
Até nas praias o inverno carioca é aplaudido. Às 6h, antes do nascer do sol, já tem gente fazendo aula de beach tennis na areia e de natação no mar. Para quem vê de fora, pode parecer que os nadadores estão congelando na água. Mas não é bem assim: por uma série de fenômenos, afirma o oceanógrafo David Zee, da Uerj, o mar pode ficar com temperatura mais agradável e maior visibilidade. Uma explicação está nos ventos do alto-mar que sopram em direção à costa e que arrastam águas superficiais para o litoral:
— Além disso, nessa época de seca, há menos saída de águas contaminadas do continente, fazendo com que o mar fique mais límpido — afirma Zee.
— Agora a água fica mais quentinha. É mais difícil sair do que ficar nela — brinca Lourenço Rocha, gerente da equipe Vem Nadar, na Praia Vermelha e em Copacabana.
Esse é um ponto a favor também para quem faz canoa polinésia, esporte praticado muito cedo. No clube Rio Va’a, na Urca, as canoas só não saem quando há ressaca. Com a febre do remo, no inverno as embarcações navegam completas.
— O horário das 6h é muito procurado pelas pessoas que depois trabalham. Às vezes, temos que recusar alunos — diz Alessandra Lincoln, vice-presidente do clube. — Antes, mal saía uma canoa no inverno. Há aquela preguicinha ao acordar, mas depois que levanta, o frio deixa de ser empecilho.
Que o diga o analista de sistemas Odilon Junior, de 38 anos, que só tem como praticar seu beach tennis em Copacabana às 6h:
—Treinar no inverno bem cedo é um desafio: o frio puxa para a cama — confessa ele, que, mesmo assim, não perde a motivação e a energia. — Sem calorão, a gente rende mais. E ainda ganha um nascer do sol deslumbrante!
Fonte: Portal G1