na contramão das novas restrições no Rio, BRT continua com ônibus superlotados e aglomerações


Moradora de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, a diarista Lamede Alves, de 48 anos, acorda todo dia antes de o sol raiar para chegar a tempo no seu serviço, na Taquara, também na Zona Oeste. E, todo dia, por falta de alternativa, se depara com o mesmo drama: o medo de pegar um ônibus lotado na estação BRT Mato Alto, em Guaratiba, e ser contaminada pelo coronavírus em meio às aglomerações.

— É horrível. Tenho muito medo de me infectar e não poder trabalhar — diz ela. — Já fiquei duas semanas sem poder trabalhar depois de me derrubarem na correria para pegar o ônibus. Não temos seguro, não temos nada. Vamos para o médico sozinhos, ficamos sem trabalhar, perdemos um dia de trabalho e perdemos dinheiro. Sou diarista, trabalho por diária — desabafou a mulher, suando na fila das catracas, às 6h48m desta quinta-feira.

No dia em que a Prefeitura do Rio publicou um decreto restringindo o horário de funcionamento de diversos serviços e estabelecimentos para tentar conter o avanço da Covid-19 na cidade, o que se viu no corredor Santa Cruz do BRT, o mais movimentado do sistema, foi uma operação na contramão: mais uma manhã de aglomerações, veículos superlotados e desrespeito às regras de segurança sanitária. Embora o município tenha decidido, nesta quinta-feira, limitar a atividade de bares e restaurantes e proibir eventos em boates, salões e casas de shows, o novo decreto não traz nenhuma nova determinação a respeito dos transportes públicos, que continuam funcionando normalmente.

A chef de cozinha Verônica Azevedo, de 44 anos, usa o modal diariamente para ir de Campo Grande, onde mora, ao Recreio dos Bandeirantes, onde trabalha. Depender do BRT para fazer o trajeto durante a pandemia foi “péssimo”, diz ela.

— Quero que melhorem as condições. Os ônibus têm que parar de pegar fogo, e também está difícil de aguentar a superlotação. Mas tenho esperança de que vai melhorar.

Ônibus lotados e em má condição de preservação são problemas recorrentes no sistema BRT
Ônibus lotados e em má condição de preservação são problemas recorrentes no sistema BRT Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Nesta quarta-feira, o prefeito Eduardo Paes anunciou uma intervenção da prefeitura no comando do BRT, que sairá das mãos da concessionária que administra o sistema atualmente. Com a transição contratual, que a prefeitura deve consolidar em até quatro meses, Paes prometeu aumentar o tamanho da frota disponível no consórcio Santa Cruz, além de intensificar, com o auxílio da Guarda Municipal e dos agentes da Secretaria de Transportes, o controle sobre as medidas de segurança sanitária. Contudo, embora a fiscalização na área contasse com reforço nesta quinta-feira, as imagens das filas de embarque e do interior dos ônibus capturaram o que já se tornou normal no BRT: usuários sendo transportados “como gado”, como o próprio prefeito definiu.

Com o apoio da Polícia Militar, dois grupamentos da Guarda Municipal, o GET Oeste e a 13ª IGM (responsável pelo monitoramento da região), patrulhavam os arredores da estação às 6h15m. Ao todo, eram cinco viaturas da GM e duas da PM, além de uma patrulha da Secretaria de Transportes. Num dia como qualquer outro, apenas duas viaturas da GM atuariam no local, disseram os funcionários da corporação. Segundo eles, no entanto, o esquema especial desta manhã não teve a ver com o respeito aos protocolos sanitários, mas com uma suposta manifestação que estaria marcada para acontecer no local. Embora nenhum protesto tenha ocorrido, os usuários não deixaram de demonstrar indignação com o descuido das autoridades frente ao risco de contaminação pelo coronavírus. Empoleirados em ônibus cujas portas sequer se fechavam, os usuários faziam sinal negativo com as mãos para as câmeras das equipes de imprensa.

Segundo funcionários da estação, apesar da crescente insatisfação dos usuários, o serviço do modal piorou nos últimos meses. A frota diminuiu devido às más condições dos veículos, que costumam apresentar problemas frequentes, dizem eles. Na manhã desta quinta-feira, as principais linhas que passam pela estação ou partem dela — as expressas 13 (Mato Alto x Alvorada) e 12 (Pingo D’Água x Alvorada) e a paradora 25 (Mato Alto x Alvorada) — operavam com intervalos de 15 a 20 minutos. Frequência insuficiente para o atendimento da demanda da estação, segundo os funcionários. Ela interliga passageiros de três regiões bastante populosas da Zona Oeste: Campo Grande, Santa Cruz e Barra da Tijuca.

No Terminal Santa Cruz, apesar do movimento moderado, uma fila de cerca de 30 pessoas, muitas delas sem máscara, atravessava o interior da estação por volta das 8h15m desta quinta-feira. Na bilheteria, o pedreiro Fábio Nascimento, de 42 anos, preparava-se para encará-la. Ele pega o BRT todo dia rumo à Barra da Tijuca, onde trabalha.

— O serviço está horrível. Tumulto, ônibus quebrados, tudo quebrado. Temos que rezar, pedir muito a Deus para chegar ao destino. E também tem o medo de pegar Covid — diz ele.

Com a intervenção da Prefeitura, Fábio espera que os maiores problemas do modal sejam resolvidos em breve:

— A esperança é a última que morre, né? A prioridade é melhorar as condições dos ônibus. O número de carros também tem que aumentar, para dar vazão.

Mudança contratual

Na quarta-feira, dia 3, Paes disse que a prefeitura assumirá a administração do BRT, em substituição ao que ele mesmo promoveu em 2010, durante seu primeiro mandato. De acordo com o prefeito, o município vai gerir o serviço enquanto busca realizar uma licitação para que uma nova empresa administre o transporte, hoje à cargo do consórcio BRT. O objetivo do movimento é tentar solucionar os problemas que assolam o transporte coletivo da cidade, agravados com a pandemia da Covid-19.

Paes afirmou que, quando inaugurado, o sistema do BRT contava com 400 ônibus. Hoje, ele alega que são apenas 200 em circulação. O prefeito também citou a situação das estações fechadas e afirmou que já comunicou o consórcio sobre a decisão da prefeitura.

No BRT, sofrerão intervenção os consórcios Transcarioca (operação a partir da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, na Zona Oeste); Santa Cruz (Campo Grande, Santa Cruz e outros bairros da Zona Oeste) e Internorte (bairros da Zona Norte). Eles são membros da BRT Rio, uma sociedade de propósito específico (SEP) formada em 2019 para gerir o serviço.

O prefeito acrescentou que já conversou com o Ministério Público estadual sobre o tema, e disse que será feito um aditivo ao contrato. Segundo ele, ainda não há uma data para o início do processo de gestão pela prefeitura, mas há expectativa por parte do município de que a transição aconteça em até quatro semanas.





Fonte: G1