MP investiga mensagens que revelariam interferência política na nomeação de quadros na Prefeitura do Rio


RIO — Mensagens trocadas entre membros da Prefeitura do Rio, incluindo Marcelo Crivella e o então chefe da casa-civil, vereador e candidato a prefeito Paulo Messina (MDB) estão no centro de uma investigação do Ministério Público estadual. O conteúdo é investigado no âmbito da operação Hades, que revelou o suposto “QG da propina”. As conversas revelam uma possível interferência política de nomes ligados a Crivella na nomeação de quadros na prefeitura e na contratação de empresas. Em um dos diálogos, o próprio prefeito cobra o pagamento de uma das empresas investigadas na operação, como mostrou reportagem do RJ2, da “TV Globo”.

Messina assumiu a Casa Civil em janeiro de 2018 e permaneceu à frente da pasta até abril do ano passado. Nesse período, chegou a ser chamado nos bastidores de primeiro-ministro, pelos amplos poderes que detinha. O ex-secretário foi citado nas investigações da operação Hades, que apontou a existência de uma “disputa aberta por espaço no governo municipal” em busca de “ganhos provenientes de corrupção”.

Conforme revelado pelo EXTRA, O MP afirma que na prefeitura há “dois grupos adversários”: um formado por Rafael Alves, Marcello Faulhaber, Mauro Macedo e outros; e outro grupo liderado por Paulo Messina que, juntamente com vereadores do MDB e de outros partidos, estariam “ocupando e controlando cargos que lhes garantiriam somas de propina”.

Numa troca de mensagens entre Rafael Alves e Marcello Faulhaber, um deles diz: “Messina tomando dinheiro de todos empresários”.

Messina apresentou na semana passada, ao MP, as mensagens que trocou com diversos interlocutores da prefeitura, incluindo Crivella.

No dia 6 de agosto de 2018, Crivella enviou uma mensagem ao secretário pressionando-o para que publicasse no Diário Oficial do município a autorização para pagamento da empresa MKT Plus, investigada por pagamentos ao “QG da propina”. O prefeito diz: “Messina, qual foi o problema com a agência MKT?”. O então secretário responde: “Nenhum. O processo veio para publicação na sexta, mas não havia recursos disponíveis”. Então, o prefeito insiste: “Não precisa de recurso. A ideia é captar fora. Coloca valor simbólico”. Mas Messina contesta: “Precisa liberar recurso no orçamento”. Crivella encerra a conversa com uma ordem: “Publica amigo”.

Em outro diálogo, naquele mesmo mês, o prefeito trata da comissão de sindicância instalada para apurar as despesas com réveillon. Crivella teria direcionado a composição da comissão, em vez de orientar que ela fosse formada com membros independentes. “Messina, não esquece de publicar os membros da sindicância para apurar as despesas do réveillon. Precisam ser da Riotur. Marcelo Alves vai mandar os nomes amanhã”, escreveu o prefeito, referindo-se ao irmão de Rafael Alves e ex-presidente da Riotur. Marcelo comandou a pasta do Turismo até março deste ano, quando foi deflagrada a primeira fase da operação Hades. Naquela mesma troca de mensagens, Crivella insiste: “Tem que ser da Riotur”. E Messina responde: “Desculpe não ter visto”.

No aplicativo de smartphone por meio do qual foram feitas as trocas de mensagens, é possível identificar que o prefeito Marcelo Crivella mudou de celular três dias após a deflagração da primeira fase da operação Hades. Dois dias depois, mudou de número novamente.

As trocas de mensagens mostram, ainda, a influência do senador Eduardo Lopes na prefeitura. Lopes, que era suplente de Crivella no Senado e foi secretário estadual de Pesca na gestão Wilson Witzel, também é um dos investigados na operação.

Em uma mensagem enviada a Messina em março de 2018, o senador diz: “Vê a questão do vale-refeição e alimentação. Quem fornece e como é o contrato. Tenho uma proposta muito boa”. No mês seguinte, ele faz outra sugestão ao então secretário da Casa Civil: “A prefeitura irá cancelar três contratos da empresa Comtex? Me confirma, tenho um amigo interessado em prestar o serviço”.

Em junho de 2018, Lopes volta a fazer pedidos para Messina: “Me confirma a agenda com a pessoa do assunto de consignado e o representante do pessoal do estacionamento da feira, por favor”. Duas semanas depois, ele cobra uma atitude, escrevendo com letras maiúsculas: “NADA DO QUE TE PEDI ANDOU?”.

Considerado a sombra de Crivella durante 15 anos, Isaías Zavarize também trocou mensagens com Paulo Messina. Chefe de gabinete do Crivella até julho do ano passado, ele também é investigado na operação do MP.

Em uma mensagem enviada no dia 29 de maio de 2018, Zavarize pediu a Messina para aumentar o número de reboques da prefeitura: “A prefeitura está perdendo faturamento devido à pouca quantidade de reboques (15) e precisamos de 60 para rebocar todos os carros no Rio”, escreveu. Em outubro do mesmo ano, cobrou uma pendência na Saúde: “Ah! E você não resolveu aquela pendência da saúde, hein! O MM ontem me perguntou”.

Conforme apurado pelo “RJ2”, o codinome MM seria referente a Mauro Macedo, que foi tesoureiro das campanhas de Crivella e também um dos alvos da operação Hades.

A troca de mensagens também mostra o episódio em que Virgínia Salerno, que não é investigada pelo MP, decidiu pedir exoneração. Em fevereiro do ano passado, ela queixou-se com Messina de um pedido feito por ela a Crivella e que não foi atendido. Ela queria colocar duas pessoas de confiança na CET-Rio e na SMTR. Na mensagem, ela explicou a Messina: “Preciso de duas pessoas que são da minha confiança comigo. Os subs estou aturando. Mas parece que a SMTR é mesmo do Rubens Teixeira”, escreveu, referindo-se ao ex-secretário de Transportes, que tinha deixado a pasta dois meses antes para se candidatar a deputado, mas acabou não sendo eleito.

No mesmo dia, Virgínia encaminhou a Messina a resposta que teria recebido do Crivella: “Não tenho como lhe atender. Obedeça”. Diante disso, ela afirmou a Messina que deixaria a pasta: “Estou pedindo a minha exoneração agora. Eles são ladrões”. Virgínia deixou o cargo oito meses depois, em outubro de 2019.

Em nota enviada à TV Globo, o prefeito informou que desde o primeiro momento ele próprio já havia colocado à disposição do MP, antes da operação, os seus sigilos bancário, telefônico e fiscal por conta de denúncia publicadas em parte da imprensa. Também afirmou que “refuta as denúncias e as ilações” que estão sendo feitas envolvendo seu nome.

Rubens Teixeira informou, também em nota, que depois que saiu da prefeitura jamais teve qualquer influência no governo municipal.

O Ministério Público informou que não vai comentar as investigações porque estão em sigilo.

A reportagem não conseguiu contato com Eduardo Lopes e Isaías Zavarezi.

Ao “RJ2”, Messina negou ter feito parte de um grupo rival em busca de propina, como cita o MP. Questionado sobre por que só apresentou na semana passada o conteúdo das mensagens suspeitas trocadas com diversos membros da prefeitura, ele afirmou que rompeu com o governo assim que descobriu a existência de “alguma coisa errada”.

— Quando a gente teve, de fato, acesso, em fevereiro ou março de 2019, a alguma coisa errada, eu fui ao MP e rompi com o governo. Aliás, no plenário da Câmara, de 2019 para frente, estou o tempo todo falando que é muito suspeito, não tenho provas, mas sei que é muito suspeito o pagamento de restos a pagar, e está tudo público, denunciado, ao longo do ano inteiro de 2019 — afirmou.

Ao EXTRA, Paulo Messina, afirmou que “era impossível imaginar que havia um QG da Propina” por trás das pressões feitas por Crivella à época. Messina, que assumiu a chefia da Casa Civil em janeiro de 2018, rompeu com Crivella no ano seguinte e pediu exoneração, reassumindo uma cadeira na Câmara dos Vereadores. Após defender o prefeito em um processo de impeachment no início de 2019, por conta de uma suposta pedalada fiscal, Messina passou a fazer oposição a Crivella.

– No serviço público, quando se trabalha com correção, você sempre atrapalha o interesse de quem está querendo levar vantagem. Minha preocupação sempre foi evitar o desperdício de dinheiro público ebuscar o equilíbrio das contas. O fato do Prefeito pedir para pagar a empresa de eventos não configurava por si só qualquer ilícito, afinal seus eventos estavam suspensos porque eu tinha bloqueado os pagamentos e dado prioridade para a folha – afirmou o vereador.

Veja a nota da prefeitura do Rio na íntegra:

Desde o primeiro momento, o prefeito Marcelo Crivella informou que ele próprio já havia colocado à disposição do Ministério Público, antes da operação, os seus sigilos bancário, telefônico e fiscal, por conta de denúncias publicadas em parte da imprensa. O prefeito refuta as denúncias e as ilações que estão sendo feitas envolvendo seu nome. O prefeito está absolutamente tranquilo e ciente que enfrenta uma batalha com uma emissora de televisão, no caso, a Rede Globo, cujos interesses deixaram de ser atendidos em sua gestão.





Fonte: G1