Morte de primeira paciente após incêndio no Hospital de Bonsucesso é ‘tragédia’ e ‘negligência’, diz família


RIO — Era início da tarde de terça-feira, horas depois do início do incêndio no prédio 1 do Hospital Federal de Bonsucesso, quando houve a confirmação da primeira morte durante a transferência de pacientes para outras unidades. A técnica de radiologia Nubia da Silva Rodrigues, de 42 anos, estava intubada em estado gravíssimo em decorrência da Covid-19 e não resistiu. Na manhã desta quinta-feira, Patrick da Silva Pinheiro Machado, de 23 anos, o filho de Nubia, e a amiga Elaine Pereira da Silva, de 45 anos, técnica de enfermagem, estiveram na unidade para o reconhecimento do corpo.

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Nubia estava no HFB tratando a Covid-19 desde o dia 23 de outubro. O corpo foi sepultado no final desta manhã no Cemitério de Inhaúma. Após o enterro, Patrick contou que a família sempre teve a esperança de que Nubia voltasse para casa, possibilidade que chegou ao fim depois da retirada da paciente às pressas.

— Isso foi uma negligência. Porque enquanto ela estava entubada. Muitas pessoas já tiveram 100% do pulmão comprometido e voltaram. Perdemos essa esperança — disse o filho da paciente. — Uma negligência do hospital, administrativo. Os médicos até tentaram fazer todo o possível, só que essa parte administrativa do hospital deixou a desejar e aconteceu esse incidente que não morreu só minha mãe.

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No hospital, Elaine classificou o episódio como “uma tragédia”:

— Infelizmente isso foi uma tragédia e não uma fatalidade. O tubo não era a sentença de morte da Nubia. Isso a gente tem certeza. Várias pessoas voltaram do tudo. Ela não teve a chance de sobreviver à Covid. Eles não deram essa oportunidade para ela devido a essa roubalheira. É o quarto hospital que pega fogo nos últimos anos. Até quando vamos ter isso? Até quando as autoridades não vão olhar para a gente como seres humanos? Hoje foi a minha amiga. Amanhã será quem mais?

No momento de ser retirado do prédio, Nubia foi carregada em um lençol e passou da ventilação automática para a manual, o que pode ter comprometido seu estado de saúde.

— O tubo não foi a sentença. O que causou a morte dela foi terem desconectado o tubo e descido com ela em um lençol e inalado essa fumaça. Foi negligência — afirmou Elaine.

Nubia da Silva Rodrigues, de 42 anos, foi enterrada nesta quinta-feira após não resistir à transferência do HFB
Nubia da Silva Rodrigues, de 42 anos, foi enterrada nesta quinta-feira após não resistir à transferência do HFB Foto: Reprodução

Elaine, que era amiga de Nubia desde 2013, diz que desde o dia da entrada da técnica de radiologia na unidade de saúde, o hospital nunca teria informado seu estado de saúde para a família.

— A gente nunca teve informação sobre o estado de saúde dela. A princípio a gente só tem o relato do médico de Covid. Mas nunca falaram nada oficialmente — contou Elaine muito emocionada. Veja fotos do incêndio no Hospital Federal de Bonsucesso

‘Era uma pessoa alegre’

Antes de ser internada no Hospital Federal de Bonsucesso na última sexta-feira, dia 23, devido à Covid-19, Nubia da Silva Rodrigues preparava uma festa surpresa para a filha de coração. Foi neste dia que o filho, Patrick, viu Nubia pela última vez.

Ao fim do enterro da mãe, ele conta que ela era uma pessoa alegre, feliz:

— Era uma pessoa alegre, que tinha bom coração, se você precisasse, ela sempre estava para você. Não tinha tempo ruim para ela. Era uma pessoa feliz, com um sorrisão largo. Era uma boa mãe, uma boa amiga, uma boa tudo. Ela era muito ativa, era hiperativa, não conseguia ficar parada. De manhã já gritava, acordava todo mundo para ficar conversando. E alegre, montava várias festas. No dia que ela foi internada, estava montado a festa surpresa da minha irmã de coração que mora lá com a gente. Mesmo doente, estava montando uma festa, para ver o quanto ela gostava dessas coisas — disse Patrick.

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Dos bons momentos ao lado de Nubia, Patrick afirma que vai levar a lição de não “nunca deixar momentos difíceis” abalarem:

— Principal legado é viver a vida intensamente, você não sabe o dia de amanhã e que ter sempre a cabeça no lugar, mas você nunca deixar momentos difíceis te abalarem, sempre viver bem, estar sempre feliz, confortável do lado de seus amigos, companheiros.

Quatro vítimas

Além de Nubia morreram, Marco Paulo Luiz, de 39 anos, que estava internado no hospital desde 30 de setembro; e Eleozina Sant’Ana de Aguiar, de 83 anos, que deu entrada no local no dia 13 de outubro. Segundo o hospital, todos estavam infectados pelo novo coronavírus. Na noite desta quarta-feira, uma idosa de 73 anos foi a quarta vítima confirmada após as transferências. A paciente chegou a dar entrada no Hospital Municipal Souza Aguiar, mas estava em estado grave.

Marco Paulo será sepultado às 13h desta quinta-feira no Cemitério de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.





Fonte: G1