Num ano em que a pandemia de Covid-19 impôs mudanças de comportamento à sociedade, janelas e varandas ganharam um protagonismo nunca antes visto e tornaram-se rota de fuga para os confinados. Muito mais do que uma forma de ver a rua, elas foram capazes de estreitar laços entre vizinhos e criar relações de amparo e companheirismo. E hoje não poderia ser diferente. Quem, em respeito ao distanciamento social, optou por passar esta noite sem reunir toda a família em torno da ceia, encontra nas janelas e varandas a melhor maneira para celebrar a data sem deixar a magia do Natal de lado.
— Geralmente toda a família se reúne na casa da minha mãe, mas este ano ficaremos cada um na sua casa. Eu decorei a minha varanda para um Natal a dois. Ficaremos eu e meu marido. Combinamos um brinde com os vizinhos. Tem sido um ano muito difícil, com milhares de vidas perdidas, mas Natal é nascimento de Cristo e precisamos celebrar de alguma forma — diz a contadora Rosana Santos, de 42 anos, moradora de Botafogo, Zona Sul do Rio.
No edifício da professora Daniela Guimarães, de 40 anos, no Grajaú, Zona Norte, os moradores também viram nas janelas a chance de compartilhar solidariedade. Ela não esquece o dia em que correu à janela para se unir a outros moradores num “aplausaço” pela recuperação de um vizinho, em abril.
— Logo no início da pandemia, um vizinho nosso pegou Covid-19 e ficou muito mal. Ficamos comovidos com esse caso, e quando ele teve alta do hospital todos correram para a varanda para aplaudir. Foi emocionante. Agora, no Natal, vamos nos cumprimentar pela varanda à meia-noite — conta ela.
Já na casa da oficial de náutica Camilla Costa, de 35 anos, em Niterói, Região Metropolitana do Rio, a varada é o cômodo que mais tem sido utilizado.
— A interação entre os moradores tem sido muito intensa na pandemia. Curtimos lives musicais, cada um no seu apartamento. Também tivemos o Dia do Papai Noel com entrega de presentes. Foi bem legal, todos acompanhando das janelas — conta Camilla, que decorou a varanda com símbolos natalinos com a ajuda do marido, Marcelo, e do filho, Fernando, de 1 ano. — Não vou deixar, claro, de desejar um feliz Natal aos vizinhos e amigos de quarentena.
Foi por meio da janela que, antes mesmo da pandemia, nasceu a amizade de Camilla com a professora Amanda Sutter Hammes Duval, de 32 anos.
— O meu gatinho vivia brincando com a Camilla, pela cozinha. Nasceu ali uma proximidade que se fortaleceu durante a pandemia — lembra Amanda.
Para a aposentada Maria Rosentina da Silva Freitas, de 65 anos, moradora da Rocinha, Zona Sul, as janelas também ganharam um novo significado. Acostumada a viver rodeada das filhas e dos netos, ela precisou se isolar da família. No Natal deste ano, uma tradição precisará ser deixada de lado.
— Aqui em casa costuma todo mundo conviver junto. Fiquei em casa isolada durante algum tempo, com muito medo. Tenho acompanhado a rotina das pessoas pela janela, e isso me ajuda a superar este momento difícil. Na noite de hoje, tradicionalmente costumamos caminhar pela comunidade e ir na casa dos amigos desejar um feliz Natal e celebrar com eles. Mas vamos ficar apenas da janela, sem deixar de aproveitar a data — conta ela.
E o que seria do Natal sem música? Os espetáculos musicais pelas janelas animam prédios e condomínios desde o início da pandemia. No condomínio da Camilla, os shows são do músico carioca Rodrigo Bessa, que faz parte da equipe musical do programa “Lady night”, da apresentadora Tatá Werneck, no Multishow. Em Laranjeiras, Zona Sul, o projeto “Som na Janela”, do saxofonista Diogo Acosta, brindou vizinhos com canções como “Tristeza” e “Quero de novo cantar”. Em Copacabana, também na Zona Sul, Marcelo Cebukin e a atriz Tatyane Meyer embalaram a vizinhança com “Cidade Maravilhosa”.
No último domingo, foi ao som de piano e violino que moradores do Condomínio Vitória, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, foram surpreendidos de suas sacadas com uma confraternização de fim de ano. A ideia partiu da síndica, Aline Gama, que já havia feito uma homenagem semelhante no Dia das Mães. Dessa vez, o espetáculo veio com uma surpresa cheia de emoção: as canções também foram entoadas pelas vozes de crianças do condomínio.
— A ideia é passar uma mensagem de paz e conforto para os moradores, cada um na sua casa. Nesse período complicado, de isolamento, as janelas e varandas permitem manter o contato visual. Essa confraternização é para reforçar os nossos laços. Nos sentimos como uma grande família — diz Aline.
A psicóloga Natalia Gil, do Grupo Oncoclínicas, diz que as celebrações adaptadas são uma forma de amenizar a melancolia de um Natal à distância.
— Nós modificamos a tradição, mas mantemos esse ritual que é tão importante. Ligue, faça uma chamada de vídeo, celebre da varanda. Precisamos lembrar que estas são ações para um momento agudo e atípico, que vai passar. Só que, para isso acabar, cada um precisa ajudar, protegendo o outro e a si mesmo. Para termos celebração em 2021 e estarmos pertinho das pessoas que amamos nos próximos anos, precisamos cuidar delas agora — afirma.
Segundo a especialista, a criatividade é uma forma de reorganizar esse momento sem deixar de lado todas as recomendações das autoridades de saúde.
— O certo é evitar aglomerações. É um Natal mais triste, mas nem por isso menos especial. O que torna cada momento especial é o que fazemos dele.
Fonte: G1